Atenção! O post abaixo é gigante e denso de informações. Ele é o post inaugural de uma série temática chamada Dossiê Deviante, na qual os assuntos são dissecados de maneira mais minuciosa e tão precisa quanto possível. Ou seja, textão! Se a sua atenção não lhe permite assistir a vídeos no You Tube maiores do que cinco minutos sem começar a babar de sono, seu lugar não é aqui. Caso contrário, se aprochegue, puxe um banco e escuta que lá vem história.
O post de hoje serve a dois propósitos: a) botar mais lenha na fogueira da polêmica gerada pelo Sci Hub (já eviscerado aqui e aqui) e b) fechar a trilogia (ou não!) que comecei em meados de fevereiro sobre o lado real e orgânico de se fazer ciência, contado pelo ponto de vista de alguém que está dentro do sistema (para quem chegou agora confira aqui e aqui).
Eu já há um bom tempo tenho acompanhado um blog sobre Ecologia escrito por três pesquisadores do lado setentrional da América (2 da terra do Steve e 1 da terra deste cearense aqui). O blog se chama Dynamic Ecology e é um dos must reads para todo cientista, não só os da área biológica, pois os assuntos são profundos e muito bem elaborados (não preciso dizer que é em inglês, né? Portanto, aprendam a língua do Bart Simpson se quiserem entender o mundo).
Em meados de 2013, já no rescaldo de todo o bafafá sobre o suicídio de Aaron Swartz, um dos colaboradores do blog escreveu um post sobre como escolher um periódico científico para publicar seu trabalho. Incidentemente, e talvez influenciado pelo Zeit Geist da época (vai saber!), o post acabou se tornando uma verdadeira matéria de jornalismo investigativo sobre a indústria das editoras científicas, seus lucros, seu modelo de negócio e sobre como tentar contornar isso de maneira efetiva e sem infringir a lei.
Achei tão fenomenal a análise que escrevi para o autor e pedi sua permissão para traduzir e publicar o texto na íntegra aqui no Deviante. O autor, chamado Brian McGill, é um brilhante cientista da área de ecologia que atualmente trabalha na Universidade do Maine (sim, a mesma terra deste outro autor extremamente brilhante) e que ficou muito feliz em ter seu texto vertido para o Português. Portanto, segue abaixo minha tradução com algumas pequenas adaptações linguísticas. O original está aqui, para quem não quiser perder nuances contextuais idiomáticas (ou simplesmente achou minha tradução um lixo :-).
Siga o dinheiro – o que realmente importa ao se escolher uma revista científica
Como acadêmicos, fazemos escolhas sobre periódicos científicos o tempo todo. Nós escolhemos onde submeter os artigos, quem irá revisá-los, eventualmente escolhemos quem irá editar, qual periódico assinar, qual recomendar às bibliotecas etc. Como em todas as decisões, tanto a ética quanto a praticidade devem ser levadas em conta. Nós tanto queremos escolher uma revista que seja “boa” na forma como ela trata as pessoas quanto escolher uma revista que vai ajudar nossas carreiras (porque, afinal, esta é uma das grande razões pela qual fazemos as coisas que fazemos envolvendo revistas). Diferentes pessoas vão atribuir diferentes pesos quando compararem o “bom” vs “o ajudar a carreira”, e tudo bem. Apesar de não ser o tema deste post comentar sobre isso, eu não acho que alguém esteja 100% em uma extremidade ou outra. O que eu quero fazer é desnudar em detalhes a parte do “bom” (assim, aqui eu explicitamente não estou falando de todas as razões ligadas a uma carreira científica que sejam usadas para escolher um periódico, como se os leitores terão interesse nos seus artigos, no tempo que leva até a publicação, na taxa de aceitação, etc). Aqui, focarei exclusivamente naquilo que faz com que um periódico seja considerado um “bom cidadão” na comunidade científica e, em seguida, você pode (e deve!) decidir por si como contrabalançar [os argumentos] de uma forma adequada aos seus objetivos e a sua fase dentro da carreira. Esta é uma história complexa e eu dediquei um longo tempo pesquisando sobre isso, assim, eu espero que você tenha paciência e siga comigo através de todo este reconhecidamente longo post.
Se você está em sintonia com a blogosfera e com a twittosfera, você já deve ter notado que uma enorme quantidade de energia vem sendo gasta defendendo a ideia de que acesso aberto = bom e isso inclui reações emocionais para todos os lados (exemplo de uma seção de comentários aqui e de uma forte reação aos métodos utilizados para melhorar o acesso aberto aqui). Eu esmiúço brevemente os diferentes tipos de acesso aberto em uma nota de rodapé, mas não quero fazer divagações, uma vez que este não é o meu ponto principal (N. do T.: Não traduzi a nota de rodapé. Quem tiver interesse leia no original). Contudo, eu quero começar do princípio. No famoso filme “Todos os Homens do Presidente”, que é uma história vagamente ficcional da corrupção na administração do presidente americano Richard Nixon, foi usada a frase “siga o dinheiro”. Suspeito, porém, que essa ideia básica já esteja por aí desde o Império Romano (sequere pecuniam?), e, provavelmente, desde a aurora das modernas cidades-estados com Sargon e Amenhotep. Então, para onde “seguir o dinheiro” nos levará em relação à publicação de revistas acadêmicas? Para começar, sabemos três coisas básicas sobre a indústria editorial (Figura 1):
1) Receita = despesas. Este é um fato básico de todos os negócios. A menos que você seja um Banco Central, você não pode criar ou destruir moeda.
2) As receitas das revistas podem vir principalmente de quatro fontes: as assinaturas das biblioteca, as assinaturas individuais, os encargos ao autor e da publicidade. Os primeiros dois representam pagamento por parte do leitor (indiretamente, no caso de bibliotecas). O terceiro representa o pagamento feito pelo autor. A quarta representa o pagamento feito por terceiros. Para a maioria das revistas, as assinaturas das bibliotecas são a principal fonte de receita (a tal ponto de algumas editoras, como a Springer, nem sequer se preocuparem mais com assinaturas individuais), embora as revistas de acesso aberto bem conhecidas (p. ex. PLoS, BMC) tenham mudado para um modelo “autor paga 100%, leitor paga 0%”. Revistas de sociedades científicas (como Ecology, p.ex.) têm uma combinação mais equilibrada entre as quatro fontes.
3) Custos – incluem muitos fatores: custos de circulação (papel, impressão, postagem e, agora, páginas da web), marketing e administração (incluindo os salários miseráveis pagos aos editores–chefe), mas, de longe, os dois maiores são o trabalho envolvido na produção (ou seja, edição, diagramação, correção de figuras) e os lucros (na qual incluo o dinheiro retirado de uma revista para financiar uma sociedade, ainda que este não seja tecnicamente um lucro). Como exemplo, Rosenzweig (editor de EER) documenta que a primeira categoria é inferior a 10% dos custos totais. É difícil imaginar que o marketing e a administração precisam ser mais do que 10%. Observe que há um subsídio gigante dado por acadêmicos ao contribuírem gratuitamente com conteúdos e revisão (também não é um tema para este post, mas leia isso, se você estiver interessado). Então, ficamos com cerca de 80% dos custos centradas no trabalho intensivo de produção de artigos individuais e nos lucros.
Agora, eu quero seguir um pouco o lado da receita. Os melhores dados que eu pude encontrar vêm das bibliotecas de universidades americanas (que possuem uma organização que escrutina seus afiliados a cada ano). O básico está representado na Figura 2:
A Figura 2 mostra várias coisas. Comece com os livros (em azul). O total de dólares gasto pelas bibliotecas em livros e o custo por livro (triângulos e quadrados, respectivamente) têm acompanhado de perto a taxa de inflação (amarelo) e como resultado, o número de livros comprados permaneceu relativamente constante (embora o ano de referência de 1986 represente um pico para as bibliotecas, o que só agora está voltando ao normal). Agora, olhe para as revistas. O custo por revista (quadrados vermelhos) disparou de 1986 para 2000. Neste intervalo, o custo por revista subiu 250%, enquanto a inflação subiu apenas 50% – ou seja, os custos aumentaram a uma taxa de 5x em relação à inflação. O total de gastos em revistas (= receitas para as editoras) comportaram-se basicamente da mesma forma até 2000. Em 2000, o custo por revista despencou enquanto os gastos totais continuaram aumentando de maneira linear.
Você provavelmente já adivinhou o resto da história. É aqui que o feitiço da publicação on-line virou-se contra o feiticeiro. As editoras irão dizer que a eliminação de impressão os fez poupar um monte de dinheiro, reduzindo os custos, mas isso é uma besteira – impressão e frete são uma pequena fração dos custos totais (ver o ensaio de Rosenzweig, o editor da EER). A verdadeira história é que os editores começaram a “fazer pacotes”: as bibliotecas, ao invés de escolherem elas mesmas os periódicos de interesse, tiveram que comprar pacotes de centenas de revistas que não tinham sido jamais assinadas antes. Isto saiu essencialmente de graça para as editoras já que o custo marginal de entregar uma revista extra online para uma biblioteca é virtualmente zero. Em princípio, as bibliotecas poderiam ainda comprar apenas as assinaturas individuais de interesse, mas as despesas com estas assinaturas seriam tão altas que os pacotes tornaram-se a única opção prática. Você pode dizer (e as editoras assim o dizem) que “isso é uma vitória para as bibliotecas”: mais revistas a um custo menor. Mas essa afirmação é falsa: olhe para as despesas totais com revistas – estas ainda estão aumentando em 4–5x a taxa de inflação. Mesmo durante a Grande Recessão de 2008-2010, quando os orçamentos das universidades e das bibliotecas foram dizimados, as editoras conseguiram manter suas receitas pelo menos estáveis (e foi o único período em que isso aconteceu nos 25 anos estudados). Quando você está extraindo cada vez mais dólares a 5x a taxa anual de inflação, você não está ajudando as bibliotecas a ganhar! Como prova disso, a proporção de dinheiro gasto pelas bibliotecas comprando livros vs. revistas caiu de 43% em 1986 para 23% em 2005. Eu duvido muito que isso seja um reflexo de que os bibliotecários agora vejam as revistas como 3 x (de 1/2 para 1/2 vs. de 3/4 para 1/4) mais importantes que os livros. Conclusão óbvia – as receitas das editoras estão subindo a uma taxa de 4-5 x inflação ao custo de outras funções nas biblioteca e nas universidades.
O que significa este poder das editoras de revistas científicas de ganhar quantidades cada vez maiores de dinheiro? Significa que as revistas são essencialmente monopólios. Na linguagem da teoria de forrageamento, revistas não são substituíveis. Não há uma alternativa de baixo custo para a Nature (ou para uma revista especializada, como Theoretical Ecology ou Landscape Ecology). Ou para ser mais preciso, há revistas de menor custo sobre estes tópicos, mas elas não publicam os artigos que as pessoas querem ler. Em um mundo de monopólio, os monopolistas podem extrair muito mais do que os aumentos de custos causados pela inflação e isso é exatamente o que aconteceu. E como previsto pela teoria econômica e observado empiricamente, os preços das revistas têm subido a taxas 4–5 x a variação da inflação ano após ano.
E onde é que esta receita extra está sendo usada? Bem, os balanços deveriam mostrar: a receita é igual à soma de todas as despesas. O custo principal é o trabalho de produção, que quase por definição não pode ter subido muito mais rápido do que a inflação (no longo prazo, os salários sobem pela inflação e pela melhora na produtividade, mas não de maneira muito acentuada ou você terá em uma espiral inflacionária). Na verdade, neste mesmo período tem-se observado uma grande terceirização dos trabalhos para a Índia e para outros países e, falando por experiência pessoal, a qualidade geral dos serviços como diagramação e correção decaíram muito. Então, eu suspeito que estes custos realmente diminuíram. Os outros custos são muito pequenos para realmente importarem e, em todo caso, na sua maioria, eles têm acompanhado as taxas de inflação, se tanto (os mercados de papel e programação web são todos altamente competitivos). Isso deixa uma grande avenida aberta para onde toda esta receita extra poderia ir – lucros!
E de fato os lucros das editoras acadêmicas são obscenos. Como a maioria dos acadêmicos não tem experiência como leitores das páginas de negócios, deixe-me dar um pouco de contexto. No geral, 10% é considerada uma margem de lucro razoável. Empresas com margens baixas como mercados e mercearias (veja o excelente post escrito pelo Jeremy sobre suas raízes familiares neste negócio e as lições aprendidas com isso relacionadas à ciência) ou empresas altamente regulamentados, como empresas de serviços públicos têm uma margem um pouco menor (5-7%), enquanto empresas de rápido crescimento como as de tecnologia e informática possuem uma margem um pouco maior (15%). Por sua vez, empresas monopolistas com produtos não substituíveis (certas companhias tecnológicas ou de produtos farmacêuticos) obtém margens de 20%. Agora que eu já contextualizei sobre as margens de lucro médias, você poderia estar pensando que as editoras acadêmicas, como monopolistas, obtém margens em torno de 20%. Mas, você está subestimando gravemente. As grandes editoras de revistas acadêmicas com fins lucrativos estão obtendo 35-40% !!!! (como mostra este artigo muito bem fundamentado do blog Sauropod Vertebra Picture of the Week, mas eu achei exatamente os mesmos números em outras fontes como esta) Isto significa que mais de 1/3 de cada dólar gasto por uma biblioteca, assinante ou autor em uma revista com fins lucrativos vai para os bolsos dos acionistas das empresas, com nenhum benefício direto devolvido. A teoria econômica diz que os lucros são uma recompensa para o risco e a inovação, mas pergunte a si mesmo o quanto de risco e inovação você vê nas grandes editoras de revistas científicas não filantrópicas?
Então, o que isso significa para você, que deve tomar esta decisão na sua vida acadêmica sobre quais revistas deve ler, quais deve submeter artigos e oferecer-se para ser revisor? Deixe-me seguir o dinheiro por mais dois parágrafos, para então eu voltar a falar sobre alguns outros tópicos que não a grana. Parece ser uma boa estimativa para o custo total (incluindo as despesas gerais com gestão, etc, mas não os lucros) da publicação de um artigo um valor de cerca de US $ 3.500 – 4.000 em média. Então, uma coisa que você deve pensar é em quem estará pagando US $ 3.500 – 4.000 para uma revista publicar seu artigo. Você pode escolher uma revista que seja 100% baseada em cobrar assinatura de bibliotecas (possivelmente com alguma publicidade), como aquelas da [Editora] Elsevier, como TREE, ou revistas da [Editora] Springer como Landscape Ecology, ou revistas que cobram 100% dos autores como PLoS ONE/PLOS Biology (ou seja, todas as revistas de acesso aberto padrão-ouro) ou revistas que têm um fluxo de receita misto, como a maioria dos periódicos de sociedades (por exemplo, Ecology) ou revistas que são mescladas, mas cobram 0% do leitor (também conhecido como modelo híbrido, no qual você paga uma taxa de acesso para desbloquear um artigo específico, mas a revista ainda recebe receitas de outras fontes, tais como assinaturas de bibliotecas – por exemplo, a opção de acesso aberto em revistas das editoras Elsevier, Springer ou Wiley). Ou ainda, revistas que cobram 0% dos autores (principalmente editoras com fins lucrativos, definitivamente sem acesso aberto, ou revistas de sociedades, embora muitos periódicos de sociedades deem isenção para estudantes). Você até pode ter opiniões bastante contundentes sobre qual destes modelos é o caminho mais ético e “bom” para seguir. Pessoalmente, eu sou bastante indiferente. Os US$ 3.500 são constantes – o que muda é apenas quem irá pagar. A única coisa que importa para mim é que as pessoas nos países em desenvolvimento que não podem pagar tenham acesso garantido, mas quase todos os modelos resolvem esta questão. Além disso, esta não é, em última análise uma questão ética, mas uma questão prática. Pergunte-se: eu tenho uma bolsa que prevê financiamento para publicar em uma revista 100% paga pelo autor? Ou, eu não tenho uma concessão ou sou um estudante e me beneficiaria de um modelo em que o autor não paga? Eu sei que outras pessoas têm opiniões bastante fortes, e eu respeito isto, mas eu não tenho uma opinião (suspeito que terei de ler comentários vociferantes me dizendo por que estou errado em 3, 2, 1 …).
Se existe alguma coisa sobre a qual eu tenho uma forte opinião é o custo total. Repare que eu enfatizei “em média” naquele cálculo de custo de US$ 3.500 – 4.000. Existe uma grande variação no custo por artigo (ou para ser mais preciso, no custo por página, dado que o tamanho dos artigos varia entre as revistas). Algumas editoras, especialmente aquelas sem fins lucrativos e novas editoras totalmente on-line conseguem até editar um artigo por aproximadamente US$ 500 – 2.000. Outras editoras são menos eficientes (digamos um custo de US$ 5.000) e, em seguida, adicionam um lucro de 40% em cima ($ 7.000). Há mesmo alguns casos extremos, como a revista Nature cujos custos alegados estão mais perto de US$ 30.000/artigo (mas, lembre-se que ela tem uma tiragem gigante, com páginas todas coloridas, e é capaz de suportar estes custos devido a sua grande circulação e suas receitas com publicidade). Para uma ótima fonte de pesquisa sobre os custos de revistas (e muito mais do que discutido aqui) veja este site por Ted Bergstrom. O custo total interessa muito mais para mim do que simplesmente quem paga por isso. E isso importa tanto por razões práticas quanto éticas. As razões éticas são óbvias, quanto mais barato alguma coisa é, mais disponível ela se torna para os menos afortunados e menos recursos são desviados de outros objetivos dignos, como ensino e pesquisa. As razões práticas não são tão diferentes – quanto mais barato, mais pessoas podem ler. Então, no final, eu me importo muito mais com o custo total do que como esse custo é dividido.
Há outras coisas com o que se preocupar também (as quais novamente alinham-se em grande parte às dimensões éticas e práticas, pois envolvem o número de pessoas que podem lê-lo). Esses incluem:
– O auto-arquivamento: atualmente, o único grande entrave à acessibilidade é se o Google Scholar pode encontrar um PDF que não está protegido por um paywall. Revistas com acesso aberto (especificamente o padrão-ouro ou suas formas híbridas) são uma maneira de se conseguir isso. Mas, uma alternativa bastante funcional é o que se denomina auto-arquivamento (também chamado de acesso aberto padrão-verde, mas acho que não é isso que a maioria das pessoas se refere quando dizem apenas “acesso aberto” não qualificado). Em resumo, pega-se o PDF que o editor manda para você e publica-se em um site pessoal. Isso é tudo. E eu diria que agora quando eu uso o Google Scholar, eu só caio em paywall cerca de 50-60% das vezes; o restante do tempo eu consigo um PDF sem paywall, sendo que cerca de 80-90% das vezes isso se dá graças ao auto-arquivamento (e <10% por causa de acesso aberto padrão-ouro e de modelos híbridos). Há uma variação enorme nos contratos de editoras especificando se estas permitem o auto-arquivo. Algumas proíbem, outras permitem e outras ainda estão no meio termo, permitindo que você poste uma “pré-impressão” (ou seja, o arquivo Word). Um grande recurso é o SHERPA/Romeo, o qual acompanha essas políticas para todas as revistas. [Aparte: e também há autores que tomam a iniciativa e publicam em seus próprios sites se as políticas dos periódicos permitem isso ou não (e eu nunca ouvi falar de alguém que tenha sido punido por isso, mas por razões óbvias não vou citar nomes aqui). Eu não estou defendendo esta postura aqui neste espaço público, mas se você quiser ter uma postura contestadora, enfática e ligeiramente arriscada contra este assunto, isso faz mais sentido para mim, pessoalmente, do que se recusar a revisar um artigo, etc)].
– Agregar valor – como já mencionei, o custo principal é o trabalho dos especialistas envolvidos em diagramação, correção das provas tipográficas, edição de figuras, edição de textos, etc. Diferentes editoras têm cortado os custos destas funções em diferentes graus. Na minha experiência, esta função varia de pouco mais do que formatar seu documento de Word para PDF até efetivamente adicionar um valor significativo (para o artigo). Várias editoras terceirizam esta função, o que é feito deliberadamente para reduzir custos e não para aumentar a qualidade. No outro extremo, as revistas Science e Nature (e PNAS) fazem uma edição muito caprichada e melhoram sobremaneira as figuras. Entre as revistas menores, as três melhores experiências de agregação de valor que tive nos últimos anos foram nas revista American Journal of Botany, American Naturalist e Evolutionary Ecology Research. Essas experiências contrastaram fortemente com as minhas experiências prévias com as grandes editoras da maioria das revistas, o que me fez perceber exatamente o que eu estava deixando escapar. As editoras melhoram muito a fluidez e a clareza dos textos (e não apenas corrigem erros de digitação) e realmente pegam os erros cometidos em equações ao invés de introduzi-los.
– Disponibilidade de edições anteriores: alguma vez você já tentou baixar um artigo clássico de 1970 ou 1940? A menos que você esteja em uma universidade rica, sua experiência provavelmente dever ter variado drasticamente dependendo de qual revista ele está publicado. Em um extremo estão as grandes editoras que, tendo imposto o “empacotamento” às bibliotecas, começaram a restringir o pacote, incluindo apenas os artigos de, por exemplo, 1980 em diante, e então obrigando as bibliotecas a pagarem um extra para terem os fascículos mais velhos. Fui à procura do artigo clássico de Volterra (1926) sobre a dinâmica presa-predador publicado na Nature, mas a minha biblioteca não tem o acesso on-line. Eu escrevi uma nota um pouco rude à biblioteca queixando-me disso e recebi uma resposta mais amigável do que eu merecia explicando que para receber as edições anteriores completas da Nature (1869-1996) custaria US$ 84.000/ano! (isso para o tamanho e orçamento modestos da minha universidade, porque podem acreditar, eles cobram mais do que isso das bibliotecas de universidades maiores). Este valor compra um monte de microscópios para as salas de aula! (E eles polidamente me lembraram que por mais antiquado que possa ser, é bem mais barato eu sair do meu escritório e pegar uma cópia impressa do artigo que ainda estava nas prateleiras – que belo conselho!). Enquanto isso, se você der uma olhada na maioria das revistas de sociedades, incluindo Science, as editoras têm disponibilizado estas edições anteriores para o JSTOR, que é um serviço de arquivamento sem fins lucrativos que oferece edições antigas para as bibliotecas a preço de custo e gratuitamente aos países em desenvolvimento. Grande diferença!
-Padrões abertos de dados: uma questão cada vez mais importante na ecologia é se as revistas exigem que os dados utilizados devem ser publicados e disponibilizados (geralmente como material suplementar ou em um banco de dados). Esta tem sido uma prática padrão para sequenciamentos genéticos armazenados no GenBank por anos, e está lentamente chegando à ecologia, mas ainda existem grandes diferenças nas políticas e na execução destas políticas (e eu conheço pessoas que preferem publicar e pessoas que preferem não publicar nestas revistas que exigem abertura dos dados).
Em suma, eu tentei argumentar que existem muitas dimensões para se levar em consideração ao se escolher uma revista que seja uma “boa-cidadã”: quem paga, quanto tem de ser pago, e outras características como auto-arquivo, o agregamento de valor, e etc (por exemplo). Para aqueles de vocês que leram meus posts sobre “fundamentalismo estatístico”, esta minha atitude provavelmente não é surpreendente. Uma polarização agressiva e unidimensional contrastando bom/mau não faz a minha cabeça. Reconhecer a complexidade e a responsabilidade que se segue ao se ter informações e pensar sobre isso (e reconhecer que outros podem ter um ponto de vista diferente por razões válidas) de fato fazem a minha cabeça. Olhado por este prisma, escolher um periódico científico não é diferente do que escolher testes estatísticos.
Então, e no mundo real, em que o tempo é finito, você mal consegue escrever um manuscrito e não tem tempo para passar 5 horas pesquisando sobre as políticas e os preços das revistas, o que se deve fazer? Tenho duas sugestões. Primeiro, eu montei um banco de dados compilando estas questões para muitas revistas de ecologia (disponível aqui no Google Docs) que disponibilizo para uma investigação rápida e grosseira. Espero que isto se sustente como um recurso para as pessoas usarem. Se as pessoas querem pesquisar revistas que não estão na lista ou me enviar dados sobre novas colunas (exemplo, eu ainda não tenho uma coluna sobre as políticas de dados abertos), eu irei ficar feliz em adicioná-los. Você pode usar isso como uma ferramenta rápida para ver onde as revistas se situam em relação à múltiplas dimensões.
Se você estiver realmente tão apertado de tempo que você só consegue pensar em uma dimensão, eu sugiro que você reflita na direção do eixo “siga o dinheiro”. Isto implica, em uma extremidade, aquelas revistas de sociedade publicadas pelas próprias sociedades ou editoras sem fins lucrativos (por exemplo, editoras universitárias) e, na outra extremidade, revistas de sociedades publicadas por editoras com fins lucrativos até aquelas revistas com fins puramente lucrativos e sem filiação com sociedades. Estas três categorias estão especificadas na planilha mencionada acima. Mas, muitas vezes é fácil de adivinhar – Ecological Society e periódicos de editoras universitárias são sem fins lucrativos, Wiley-Blackwell normalmente é de modelo misto: recebe patrocínio de sociedades mas tem fins lucrativos, enquanto Elsevier e Springer visam o lucro (e sim, é assim que a indústria está consolidada, existem apenas duas grandes editoras que produzem a maior parte destas revistas). Eu quero fazer três ressalvas no que diz respeito ao meu pequeno manual uni-dimensional “siga o dinheiro” para seleção de periódicos por preguiçosos ou sem-tempo:
– Algumas revistas não se encaixam nos meus grandes grupos. [A editora] Allen Press é uma que eu acho que, tecnicamente, é uma editora com fins lucrativos, mas que foi fundada por universitários para editar revistas acadêmicas para sociedades; e eles são pequenos, operam sob demanda e possuem custo razoável (mas atualmente eles só publicam em campos fora da ecologia até onde eu sei). No mundo dos livros, a Sinauer (e várias outras) inserem-se claramente nesta categoria também. Allen Press e Sinauer são ambas “boas” editoras segundo meu juízo (e muitos outros acadêmicos que eu conheço pensam assim). Grandes e pequenas editoras com fins lucrativos são uma distinção importante também (veja aqui um argumento quantitativo mostrando o quanto as grandes editoras com fins lucrativos não representam o grosso da indústria ou mesmo a maioria de lucros), mas na maioria das vezes isto não se aplica a revistas de ecologia, que possuem apenas as grandes (na verdade mega-grandes) editoras com fins lucrativos.
– Quase todas as características que eu identifiquei como muito importantes correlacionam-se com esta dimensão. Como claramente demonstrado em um belo artigo por Bergstrom e Bergstrom 2006, o custo por artigo impacta fortemente nestes três grupos, assim como o aumento dos custos ao longo do tempo. Como uma rápida olhada em minha planilha irá mostrar, impactam também as políticas favoráveis ao auto-arquivamento dos artigos, o uso amigável do JSTOR, e, embora eu não saiba como medi-la, a minha experiência me diz fortemente que, ironicamente, as editoras baratas sem fins lucrativos fornecem o melhor agregamento de valor a edição. Mais uma vez, na minha lista das melhores experiências de edição estão o American Journal of Botany (publicado por uma sociedade), American Naturalist (editora universitária) e Evolutionary Ecology Research (editora pequena sem fins lucrativos), todas entre as revistas mais baratas do meio. É impressionante o que a inapetência por lucro pode fazer por você.
– A única coisa que não está correlacionada com esta dimensão é quem paga (ou seja, a interpretação convencional de acesso aberto). Existem caras editoras de acesso aberto padrão-ouro com fins lucrativos (as editoras OMICS e Hindawi me vêm à mente, com boatos de que a Hindawi irá diminuir sua margem de lucro de 50% e há uma lista crescente de revistas de acesso aberto padrão ouro do tipo predatórias publicadas por uma variedade de editoras) e há muitas editoras baratas, sob demanda e sem fins lucrativos (como Ecology) que não têm nenhuma opção de acesso aberto (nem mesmo pagando-se uma taxa adicional – embora eu deva mencionar que a ESA lançou a revista Ecospheres em acesso aberto padrão-ouro antes que Don Strong fique com raiva de mim). Se você se preocupa com quem vai pagar, então faz-se necessário adicionar isto como um segundo eixo, uma vez que ele é essencialmente perpendicular ao eixo do “siga o dinheiro”.
Não tenho a intenção de ser prescritivo. Mas, só para dar um exemplo, vou descrever minha própria filosofia. Eu me importo quase exclusivamente com o eixo “siga o dinheiro” e seus correlatos com uma forte tendência para o lado daquelas sem fins lucrativos. Dito isto, eu não sou absolutista. Meu objetivo final é fazer com que a minha pesquisa seja amplamente lida, e se alguém por acaso ganha dinheiro com isso, eu consigo perfeitamente conviver com isso. Mas, todo o resto sendo igual, eu escolho o lado sem fins lucrativos. Isso soa com uma mistura de posturas mas com um viés para as sem fins lucrativos. Eu tenho co-autores que só irão publicar ou revisar artigos para revistas filantrópicas, mas esse não sou eu. E se eu não tenho um financiamento, o eixo “quem-paga” (o lado “não eu”) torna-se muito importante, mas do contrário, esta é uma dimensão a mais para se tentar otimizar na luta para fazer o meu trabalho ser aceito! Qualquer pessoa que perca um tempo olhando para o meu CV para ver onde eu publico ou quais revistas eu reviso verá que há um mix amplo, incluindo muitas revistas lucrativas, mas que eu me direciono bastante para organizações sem fins lucrativos, o que torna a amostra tendenciosa. Como um exemplo, até recentemente eu era editor-associado de duas revistas sem fins lucrativos e uma revista com fins lucrativos (isto é, é misto, mas tendendo para aquelas sem fins lucrativos). Como outro exemplo, quando eu fui à procura de um contrato para escrever um livro, eu fui a três editoras universitárias sem fins lucrativos e a uma pequena editora com fins lucrativos de alto padrão – Sinauer – e se eu tivesse tempo eu teria acrescentado a Wiley como minha quinta opção – de novo, acabei fazendo uma mistura tendenciosa (editoras de livro são um pouco diferentes – veja a Figura 1 – mas, dê uma olhada nos preços dos livros vs. tipo de editora se estiver andando algum dia entre expositores em uma conferência). Último exemplo: algumas decisões são fáceis. Digamos que eu tenha um bom artigo falando sobre o tamanho de semente vs. o seu número ou sobre qualquer outro tópico de ecologia evolutiva. Se não for um artigo bom o suficiente para uma revista geral de ecologia, eu tenho duas escolhas: uma (Evolutionary Ecology Research) não tem fins lucrativos, é barata, etc. A outra (Evolutionary Ecology) visa o lucro, é muito cara, etc. Dado que a segunda tem um fator de impacto um pouco maior, mas quando você recorda que fatores de impacto são na sua maioria impulsionados por alguns poucos artigos altamente citados em cada revista, em meio a uma enorme variabilidade nas taxas de citação entre os artigos, as chances de que a escolha de uma sobre a outra influenciariam a legibilidade ou taxa de citação são pequenas. Isso para mim é uma escolha fácil. Especialmente se você conhece a história destes periódicos e o fato de que o primeiro era um “líder rebelde”lutando contra os obscenos aumentos de custos das editoras com fins lucrativos. E aqui você fica entediado com meus próprios processos de pensamento.
Então, o que você deve fazer com tudo isso? Isso depende de você. E esse é o meu ponto. Mas, mantenha-se informado. Perceba que o acesso aberto é em seu íntimo (até a publicação de artigos é gratuita) um debate sobre quem paga, não quanto se paga e quem lucra. E siga o dinheiro!