Este é um conteúdo em formato podcast, mas, se preferir, pode acompanhá-lo com o texto e imagens a seguir.

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Capítulo 1 – Insistente

Aquela explosão foi um balde de água fria para os brasileiros. A Pioneira era a primeira falha em quase uma década de lançamentos. Foram 16 sucessos na sequência, um marco que beirava o inacreditável e que só poderia ser explicado pela mandinga do Vai Filhão:

Começou com o foguete de combustível sólido de 1949, o primeiro a ser embalado pelo Vai Filhão improvisado do Cassani.

Foram 9 Arapuás, as abelhinhas de dois estágios com o segundo a combustível líquido: a Garbosa, a primeira lançada de Alcântara; a Suave, que pousou de pára quedas; 3 abelhas meteorológicas, a Farofa, a Paçoca e a Pipoca; e 4 lançamentos biológicos: a Ratazana, o Zé Carioca, o Mickey e o Perna Longa.

Também tiveram 4 Laurares de sucesso, o marimbondo, que era uma cópia grande do foguete V-2: primeiro o Majestoso, cumprindo os 1000km exigidos pela FAB; depois o Curioso, que tirou as primeiras fotos do Brasil do espaço; seguido do Félix, o primeiro gatonauta do mundo, e da Silvanda, cuja ogiva errou o alvo mas o foguete foi um sucesso.

Pra fechar a conta, ainda houve 2 lançamentos do Arapurare, o foguete cujo primeiro estágio era um Marimbondo e o segundo uma Abelha: O Atrevido e o Formidável, ambos passando dos 4.500km.

O problema é que falhas em lançamentos eram esperadas e ocorriam constantemente com outros países, mas o brasileiro simplesmente não estava acostumado com aquilo. Somava-se a isso a opinião internacional geral de que o Brasil não tinha capacidade para pôr um satélite em órbita, aquele feito demandava muito mais do que lançar abelhas ou marimbondos. Americanos e russos olhavam quase com pena para o esforço brasileiro. Era como se o Brasil fosse um plebeu que aprendeu a montar cavalos e resolveu aparecer no baile de gala do palácio vestido de cavaleiro. Ele não se encaixava nessa realidade e, mais cedo ou mais tarde, iria cair do cavalo e voltar à sua realidade de plebeu, ou país de terceiro mundo como eles falavam naquela época.

Aquele ano seria o decisivo. A promessa de JK de lançar um satélite até dezembro de 58 para participar da elite científica mundial era um comprometimento sem volta, um all-in como se falava nas mesas de poker, era tudo ou nada.

A equipe de engenheiros, porém, estava bastante desolada. O Zé, que sempre foi o mais confiante dos confiantes, que tinha o super poder da gambiarra, agora já olhava com dúvidas depois que sua grande obra prima, o motor RD-108, tinha falhado.

Mas isso não era nada diante do receio com o motor do segundo estágio. Não sei se vocês se lembram, mas, lá em 1955, quando houve a negociação com os soviéticos por um espaço na Base de Alcântara, o Brasil aceitou um motor de foguete para aviões, o S-155, para ser seu motor de segundo estágio. Richard, na época, ficou desconsolado, dizendo que era um motor assimétrico e gerava um impulso levemente na diagonal, que funcionaria num avião mas nunca num foguete, pois o faria voar sem controle. Zé tinha uma ideia maluca de como resolver isso e agora chegou o momento de eu contar para vocês.

O argumento era simples. Em vez de instalar apenas um motor daqueles no foguete, eles colocariam dois, um espelhado ao outro. Pra entender melhor, vamos pensar num barquinho com dois remadores, cada um de um lado.

Quando o remador da direita empurra seu remo para trás, acontecem duas coisas. A primeira é que, ao movimentar a água para trás, o barco recebe um impulso para frente. A segunda é que, por esse movimento ocorrer do lado direito, o barco também vira um pouco para a esquerda. Quando o remador da esquerda empurra o remo para trás, o resultado é espelhado: além do barco receber um impulso para frente, ele vira ligeiramente para a direita. Então, para o barco ir apenas para frente, basta os dois remadores remarem juntos, ao mesmo tempo, pois os giros se cancelam e o impulso para frente é somado.

Essa era a ideia do Zé, colocar dois motores, cada um sendo um remador. O giro que um motor causaria seria cancelado pelo outro motor e o foguete iria perfeitamente para frente, certo? Fácil.

Não, nada é tão fácil. Voltando à nossa analogia do barco, é muito raro que os dois remadores tenham exatamente a mesma força na hora de remar. Basta que um deles reme ligeiramente mais forte que o outro para que em pouco tempo o barco esteja fazendo uma curva. No caso do barco é facil resolver, quando começar a girar, basta o remador que tava fazendo mais força começar a remar com menos força e assim, eles vão fazendo pequenos ajustes a cada remada, para manter a direção. É um sistema que se auto regula.

Mas motores não são remadores. Se o motor da direita estiver, digamos, ligeiramente mais forte que o da esquerda, ele não vai sozinho diminuir a potência, e em pouco tempo o foguete vai perder o controle. É praticamente impossível fazer dois motores totalmente idênticos. Qualquer pequena diferença de força ou alinhamento vai fazer o foguete perder seu rumo. Então é preciso inserir um sistema de controle.

São pequenos escapamentos colocados nas laterais do foguete que podem soltar jatos de gás que dão leves empurrões para um lado ou para o outro toda vez que ele começar a sair do eixo. São pequenos peidinhos que ficam corrigindo a trajetória. O nome desses escapamentos é Sistema de Controle de Reação e eles já tinham que ser colocados de qualquer jeito no foguete, para que ele pudesse fazer curvas no espaço. Então, a ideia do Zé, era usar o Sistema de Controle de Reação para corrigir as imperfeições dos motores. A solução parece boa né? Mas fazer isso na prática é muito difícil, precisa de sensores precisos e um controle muito rápido para fazer uma dúzia de correções por segundo. Uma pequena falha e o foguete perde o controle.

— Nunca te vi tão agitado Zé, você tá bem?

— Ahh quatro-olho… não consigo nem dormir. O maior problema desse lançamento nem foi perder o foguete. Foi não ter tido a chance de testar o segundo estágio. É tanta coisa que pode dar errado com os motores de cima. E fui eu que dei essa ideia, agora já nem sei se acredito que vai funcionar.

— Eu sei Zé, mas não tem o que fazer. A gente só deve ter mais um lançamento antes do final do ano. Não dá tempo de reprojetar nada.

— Se não fosse essa promessa maluca do presidente, a gente podia fazer as coisas com calma. Nessa correria toda, qual a chance de dar certo?

— Não sei. Tudo que a gente criou até agora funcionou, esse tem que funcionar.

— Será que a gente foi longe demais?

Pra piorar as coisas, no dia primeiro de fevereiro os EUA conseguiram lançar com sucesso seu primeiro satélite, o Explorer 1, e agora a pressão recaía totalmente no Brasil. É verdade que ao tentar por seu segundo satélite em órbita, os americanos tiveram duas falhas de lançamento, mas, com a estrutura industrial que eles tinham, conseguiam produzir um foguete novo a cada mês, enquanto que o Brasil levava seis vezes mais tempo. Os soviéticos também tinham uma produção ágil. Até o fim de maio, EUA e URSS já tinham ambos 3 satélites em órbita.

Em 8 de junho de 1958, apenas dois dias antes de começar a Copa do Mundo da Suécia, a Tanajura 2 – Insistente estava na plataforma, sob centenas de olhares apreensivos e milhões de ouvidos angustiados colados nos radinhos de todo o Brasil.

— 3, 2, 1 partiu, partiu, partiu… Vaaaaaaai Filhãaaaaaao. O motor acendeu, agora vai, agora vai, agora tem que ir. A Tanajura tá subindo firme e forte, já passou dos 500m, e começou a fazer um arco para leste. Tudo certo, tudo nominal galera!

Ada e Chico Santos, o piloto novato, acompanhavam tudo do pátio do Centro de Pesquisas Tripuladas.

— Vamo Tanajura, você é a nossa esperança. O programa tripulado depende de você.

— Eu que não quero voltar pra casa tão cedo, cabei de chegar. Cutuca a chilena Tanajura!

Depois de 2 minutos e 15 segundos de voo, o combustível do primeiro estágio terminou.

— Atenção galera, agora é um momento importante, o segundo estágio tem que separar do primeiro. Aguardando a telemetria. Deve ocorrer a qualquer momento… Confirmado! Separação com sucesso.

— Deu certo? Deu certo?

— Por enquanto sim major, seu major. Mas a parte crítica ainda tá por vir.

Nesse momento, todo o cilindro gigante de 16m, a bunda da Tanajura, se separou da parte da frente, do corpo da formiga, que seguiu voando de maneira livre na chamada fase de planeio, só na banguela. Depois de mais 1 minuto e meio, é chegado o momento de acionar os dois motores S-155 do segundo estágio. Agora era a hora que os dois remadores iriam assumir, e o sistema de reação teria que controlar o foguete de maneira perfeita.

— 5 segundos para acionar o segundo estágio, galera. Muita tensão aqui. Ninguém respira. Atenção… Ligou!… e o foguete… tá rodando?!

— Merda! Não acredito! O que deu errado?

— O motor da direita não acendeu. Ahh não, não é possível.

Sem o motor da direita, era como se só tivesse um remador no barco. O foguete começou a girar e girar cada vez mais rápido. Embora estivesse já no espaço, voando a uma altura de 270km, para fazer órbita ele teria que acelerar até 28 mil km/h para o lado, o que era impossível nessa situação.

Após 10 minutos de voo, o segundo estágio caiu de volta para a Terra e se desintegrou na atmosfera. O sonho do satélite brasileiro havia terminado.

Capítulo 2 – Copa do Mundo

Parecia que o efeito mágico do “Vai Filhão” tinha chegado ao fim, e isso no pior momento possível. Para tentar fazer um terceiro lançamento ainda naquele ano seria preciso correr de maneira absurda, isso enquanto se analisavam os problemas do motor que não ligou pra tentar corrigir a tempo do próximo lançamento. O Brasil parecia que estava de luto, e isso a dois dias da Copa do Mundo. E pra piorar tudo, a diretoria da CBD (Confederação Brasileira de Desportos) tava pensando em modificar o uniforme da seleção.

O motivo era o seguinte:

Por conta de todo o sucesso do programa espacial durante esses anos todos, e das pessoas usando cada vez mais no dia-a-dia o “Vai Filhão” como um grito de sorte, acharam que seria uma boa ideia bordar o “Vai Filhão” na camisa da seleção. Qualquer superstição era válida para ajudar nossos jogadores depois do fiasco da última copa.

Só que com os dois últimos lançamentos fracassados, o sentimento começou a se inverter. Será que o “Vai Filhão” iria trazer azar pra seleção? Houve muita pressão para retornar ao uniforme original mas viram que não era possível naquele prazo. Era bom que a mandinga voltasse a funcionar, e logo.

No primeiro jogo, o Brasil mostrou a que veio e já encaixou um 3×0 na Áustria, mas no segundo o time foi mais apático e ficou no 0x0 contra a Inglaterra.

— Pelo menos não tomou gol, a camisa tá dando sorte! – Dizia uma comentarista esportivo no rádio.

O terceiro jogo era, olha só, contra a União Soviética. Fizeram uma grande festa no Centro de Lançamento de Alcântara, onde brasileiros e russos se reuniram para escutar juntos, nas  caixas de som, a transmissão ao vivo pela rádio.

E dessa vez o Vai Filhão não decepcionou. Aquele jogo foi a estreia do Pelé na Copa, com apenas 17 anos, e também de Mané Garrincha, o ponta-direita de pernas tortas conhecido pelos seus dribles desconcertantes. Os primeiros 3 minutos de jogo foram alucinantes, e considerados por muitos como os 3 minutos mais incríveis da história do futebol, que a gente ouve agora na voz de Edson Leite e Pedro Luiz:

[rádio: 3 minutos contra a URSS]

Com duas bolas na trave de Garrincha e Pelé, mais o gol de Vavá, aqueles 3 minutos anunciavam para o mundo duas lendas do futebol, Pelé e Garrincha, que viraram titulares a partir de então. O jogo terminou 2×0, mas o placar não fez jus ao espetáculo em campo.

Nas quartas de final, a seleção pegou um País de Gales que jogava na retranca, com uma marcação muito forte, ao melhor estilo inglês. Mas aos 21 minutos do segundo tempo:

[rádio: primeiro gol de Pelé]

Pelé marcava seu primeiro gol numa copa do mundo e garantia a seleção para a semifinal.

Contra a França, que tinha um poderoso ataque liderado pelo artilheiro da competição, Just Fontaine, era o confronto do melhor ataque contra a melhor defesa, já que o Brasil não tinha levado gols.

Ao final da partida, o Brasil aplicava um chocolate de 5×2, com direito a 3 gols do jovem Pelé.

A final era contra os anfitriões, a Suécia, e de repente começou um pesadelo. Como ambas as seleções jogavam de camisa amarela e calção azul, o Brasil perdeu no sorteio e teria que apresentar um segundo uniforme. A delegação teve que comprar um conjunto de camisa azul e calção branco de última hora, e muita gente ficou de madrugada bordando o “Vai Filhão” em cada uma delas. Afinal, estava claro que a magia tava funcionando.

Ou será que não? Logo aos 4 minutos de partida:

[rádio: primeiro gol da Suécia]

Mas aos 9 minutos, Garrincha faz bela jogada pela ponta direita e cruza para Vavá empatar. Antes do intervalo sairia o segundo gol do Brasil de uma jogada praticamente idêntica.

No segundo tempo, Pelé faria um dos gols mais bonitos de todos os tempos, dando um chapéu dentro da área e chutando de primeira:

[rádio: magistral gol de pelé]

Ele ainda faria mais um gol, totalizando um 5×2 convincente na final.

[rádio: Brasil recebendo a taça – Brasil campeão mundial de futebol]

Capítulo 3 – Apoena

O título trazia um novo ânimo para o Programa Espacial, o que ajudava bastante já que todos trabalhavam no limite para tentar entregar um último foguete antes do ano acabar.

Nesse meio tempo, Chico e Ada fizeram missões mais modestas com o Apoena, para testar alguns detalhes específicos do regime supersônico. Mas como ficavam a maior parte do tempo ociosos, passaram a ter uma rotina de treinamento na centrífuga e a trabalhar junto dos engenheiros no projeto da próxima cápsula tripulada, enquanto aguardavam o novo jato experimental, o S-3, ficar pronto.

Tentando trazer mais visibilidade e popularidade para o programa, JK resolveu transformar o Centro de Alcântara numa base civil, que pudesse receber visitantes e trazer prosperidade para a região. Fazia parte do seu plano de metas desenvolver as áreas menos populosas, levando estradas, indústrias e energia. Transformar Alcântara num pólo turístico seria valioso para trazer mais recursos para o Maranhão e região.

Assim, o desfile tradicional de 7 de setembro iria acontecer justamente na Base de Alcântara, inaugurando o Centro de Visitantes Tenente-Coronel Ivo Lopes, com uma área de exposição com foguetes e motores reais, além de um memorial dedicado ao Ivo, com fotos de sua carreira e os destroços do Goitacá.

Nesse dia também ocorreria o último voo do Apoena. Depois de 3 anos de dedicados serviços e missões recordistas, a aeronave seria aposentada. Os cientistas já tinham extraído tudo que podiam dele e a fuselagem já dava sinais de desgaste. Ada, obviamente, foi a escolhida para fazer as honras: um voo acrobático durante o desfile de 7 de setembro.

Ada cantando o hino nacional antes de embarcar no Apoena, durante o desfile de 7 de setembro. Ela até pintou o cabelo para a ocasião.

— Vamo meu menino. É nossa última aventura juntos. Bora se divertir!

Fazendo loops, parafusos e todo tipo de manobras arrojadas, Ada roubava gritos e aplausos dos espectadores. O Ministro da Aeronáutica, o Major-Brigadeiro Francisco Corrêa de Mello, não estava acostumado com ousadia da Gaivota Solitária:

— Essa Ada é realmente uma piloto singular mas… ELA NÃO TÁ PASSANDO muito perto dos edifícios?

— Naahh, relaxa brigadeiro, depois de um tempo…  VOCÊ SE ACOSTUMA COM o estilo dela.

Após o pouso perfeito, Ada é ovacionada. Ela, porém, se demora um pouco mais na cabine para se despedir do companheiro.

Obrigado por tudo Apoena, agora chegou o momento de você descansar.

O Apoena é colocado no museu do Centro de Visitantes, na posição de destaque. Milhares de pessoas passaram por ali naquele dia para ver de perto a aeronave que havia subido mais alto do que qualquer outra do mundo. O aeroporto de São Luís, que era militar, foi convertido numa instalação civil para poder receber turistas de todo o Brasil e até do exterior. Aquela região viraria um polo tecnológico e cultural importante em pouco tempo.

Quer dizer, isso se a promessa de JK puder ser cumprida.

Capítulo 4 – Obstinada

A construção da Tanajura 3 – Obstinada estava a todo vapor. Mais 10 engenheiros foram recrutados para acelerar o passo e assim, no dia 31 de dezembro de 58, o satélite brasileiro estava sendo integrado na parte de cima do foguete.

Quem desenvolvia os satélites era um departamento recém criado dentro do Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos, o INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Desde que havia começado o programa orbital, viu-se a necessidade de um grupo dedicado de cientistas para criar, testar e desenvolver a tecnologia de satélites.

Os primeiros dois satélites eram um simples cone metálico com duas antenas saindo da parte de baixo, e carregavam a bordo apenas um termômetro, um barômetro e mais alguns sensores para telemetria.

Porém, durante esses anos de pesquisa, o INPE já havia criado equipamentos bem mais interessantes para por no espaço, mas que só seriam embarcados depois do primeiro lançamento de sucesso. O problema é que, talvez, não existisse um novo lançamento. Com a pressão internacional diante da promessa do JK, e o descontentamento interno com dois fracassos seguidos, outra falha seria um revés difícil demais para justificar todo o dinheiro público empregado. O Brasil teria que assumir a posição de plebeu que apareceu na festa dos países ricos fantasiado de nobre. Então, para esse lançamento, decidiram colocar todos os instrumentos no satélite. Se fosse a última tentativa, não tinha porque poupar equipamentos.

Na parte de baixo do cone metálico, além das duas antenas, havia agora um contador geiger, para medir a radiação do espaço; um espectrômetro de massa, para coletar e identificar moléculas flutuando no vácuo; um detector de micrometeoritos, para avaliar os impactos de pequenos corpos entrando na órbita terrestre; uma vara telescópica com um magnetômetro na ponta, para medir o campo magnético fora da atmosfera; e uma câmera de TV especial, para resistir ao espaço, capaz de enviar imagens em tempo real. Tudo aquilo estava embarcado naquele cone dourado, estampado com o número 3 e uma pequena bandeira do Brasil.

O sol já estava baixando enquanto Jayme e Zé ainda lutavam para instalar corretamente os últimos componentes.

— Ah merda, não tá encaixando. Essa vara magnética é muito grande.

— Droga Zé, o dia tá acabando, a gente tem que lançar antes da meia noite.

— Isso é a coisa mais idiota que já vi. Que diferença faz se a gente lançar amanhã, de dia, depois de dormir decentemente pelo menos uma vez depois de 2 meses.

— Também acho ridículo. Mas é o ego do presidente. “Promessa é dívida” e todo aquele discurso sobre dignidade internacional.

— Mas eu prefiro atrasar um dia e acertar o lançamento do que cumprir o prazo e o satélite não fazer órbita.

— Concordo. Eu ainda tenho que testar cada subsistema e não vai dar tempo. Vai ter que ser na sorte.

Faltando 15 minutos para a meia noite, uma plateia de engenheiros, cientistas, jornalistas, funcionários, visitantes, políticos, o próprio presidente, e o gato Félix, mal respiravam quando a contagem regressiva teve início.

— 10, 9, 8…

As câmeras de TV apontavam para o foguetão de 22m e 58t. Aquele seria o primeiro lançamento transmitido ao vivo pela TV.

— 6, 5, 4…

O coração de milhões de brasileiros se apertava, pulsava em câmera lenta. Toda uma década de programa espacial estava em jogo.

— 3, 2, 1. Vaaaaaaaaaaaiiiiii Filhãaaaaaaaaoooooo. Partiu, partiu, partiu. A Obstinada tá subindo, o motor funcionou, a chama tá estável, sem oscilação, tudo certo por enquanto, galera!

A Tanajura disparou pro alto e no céu noturno só era possível ver o brilho do motor queimando forte. Parecia um cometa.

— Que tá havendo Jayme, por que tá demorando tanto? Não esconde nada!

— Calma senhor, major. Tá tudo nominal. Nada errado por enquanto!

— Vamo Tanajura! Nunca te pedi nada.

— Agora vem aquela parte que vocês já sabem, a separação dos estágios. A tensão é gigante aqui na torre de controle, eu tô passando mal! Vamo lá, atenção… SEPAROU! Deu certo. O segundo estágio continua subindo, na banguela. 160km de altura e subindo.

Agora começa a contar os 90 segundos mais longos da história do Brasil. Ao final dessa contagem os dois motores do segundo estágio seriam acionados. Se qualquer um deles falhasse ou apenas demorasse meio segundo a mais pra ligar, o foguete entraria num giro irrecuperável.

— Atenção galera, toda mandinga agora é válida. Faltam 5 segundos para ligar o segundo estágio… 3, 2, 1… aguardando… LIGOU! os dois motores tão funcionando! Incrível!

— Deu certo? Deu certo?

— Os dois motores ligaram, agora tem que ver se o sistema de reação vai manter o foguete estável…

— Vamooo, por favor, por favor…

— Recebendo telemetria…

— Fala Jayme, fala logo!

— Deixa eu ver… o erro na trajetória é de… 10^-2 graus, tá estável TÁ ESTÁVEL!

— Caralhooooo, não acredito!

— Yesss, Unbelievable… parabéns Zé, sua ideia maluca funcionou.

— Chefinho, você é o cara, vou apertar a sua bunda, seu gostoso.

— Tá em órbita? Já pode abrir o champanhe?

— Ainda não, são mais 2 minutos de queima. E depois tem uma última separação.

— Ai não, eu vou morrer antes disso… 

O gás chamado óxido nitroso passa por um catalisador que separa o oxigênio do nitrogênio, o que libera energia e acelera o gás por tubinhos que saem do foguete como jatos pelas laterais. Esses jatos, disparados aqui e ali, é que vão mantendo o foguete alinhado. O curioso disso tudo, porém, é que o óxido nitroso é também chamado de gás do riso, e parecia que ele tava sendo liberado na sala de controle. Estava todo mundo tenso mas com um sorriso solto no rosto. Faltava pouco, muito pouco.

— Temos confirmação, os motores desligaram. O segundo estágio já está em órbita galera. Mas ainda falta uma última etapa. A coifa do segundo estágio precisa se abrir e liberar o satélite. Atenção… momento crítico agora…

— O que tá acontecendo, Jayme? Fala alguma coisa, pelo amor de Deus!

— Ahh, éeee, acho que tá abrindo…

— Demora um pouco, é um motor elétrico vagabundo.

— Com tanta grana que a gente tá pondo nisso, tinha que ser algo vagabundo, Zé? Não me dá essa notícia agora.

— Foi mal, major, seu major, mas é que tinha que ser um motor muito leve. É vagabundo mas é boa gente.

— FOI… SATÉLITE EM ÓRBITA COM SUCESSO!

— Inacreditável galera! O Brasil tem oficialmente um satélite no espaço. Que momento histórico! E olha só, no meu relógio, falta 1 minuto para a meia noite!

— Esse presidente é muito sortudo mesmo, hein. 

— Deu certo, cumprimos a promessa. A gente tá na corrida, porra!

— Agora posso abrir o champanhe?

— Pode major! Parabéns, temos um satélite!

— Parabéns para você Richard, você e seus garotos que fizeram tudo isso acontecer. O Brasil tá em órbita! Cuidado aí seus gringos, a gente tá só começando!

— Feliz ano novo!

Epílogo

Você ouviu o último episódio da primeira temporada de “O Brasil vai pro espaço”, produzido pelo Scicast.

Sim, este foi o último episódio por agora, mas a série continua ano que vem. A data exata ainda não sei, a gente vai levar um tempo para produzir a próxima temporada, mas fica de olho para não perder, ainda tem muita reviravolta para acontecer em Alcântara e com os nossos queridos personagens.

Eu me sinto muito privilegiado de poder realizar essa obra. É um trabalho enorme que só foi possível por conta de amigos queridos que se dedicaram horas e horas nesse projeto, seja fazendo vozes, revisando, editando, criando efeitos sonoros, dando consultoria, fazendo críticas e dando ideias. Agradeço muito a cada um de vocês, vocês são amigos incríveis.

Também quero dar um agradecimento especial a você ouvinte, que está acompanhando essa epopeia. Uma obra só se realiza ao ser apreciada. São vocês, que ouvem cada episódio, que permitem tudo isso existir. Também agradeço pelas indicações e compartilhamentos. Quem sabe se a audiência crescer, conseguimos algum apoio para trazer uma nova temporada mais cedo e com mais qualidade.

Tenho recebido várias mensagens de pessoas que gostariam de ver camisetas temáticas sobre a série, talvez com o logo da série, ou imagens dos foguetes brasileiros, ou ainda estampas com nossos ídolos aviadores: Ada e Ivo. Às vezes até outros tipos de produtos. Se você se interessa por alguma dessas coisas ou tem sugestões de outras memorabilia, por favor comente no post ou fale comigo no insta ou no xuiter: “@penadoxo”. 

E agora voltemos aos fatos que baseiam este episódio:

Os EUA e URSS lançaram diversos satélites e sondas durante o ano de 1958, com uma quantidade grande de falhas. Nessa época os foguetes eram bastante inconstantes, principalmente os motores que tinham uma taxa razoável de não acenderem ou perderem força. Vale dizer que na simulação são usadas as porcentagens reais de sucesso dos motores, que vão aumentando conforme você vai adquirindo mais e mais horas de voo. Foi uma sorte absurda ter ocorrido tantos lançamentos de sucesso seguidos, que eu prefiro pensar que foi devido ao poder do “Vai Filhão”.

Talvez você tenha estranhado eu falar na entidade CBD em vez da CBF. O motivo é que a Confederação Brasileira de Futebol foi fundada apenas em 1979. Antes, quem tocava o futebol e os demais esportes olímpicos do país era a Confederação Brasileira de Desportos.

Sobre a troca da cor do uniforme da seleção na final da copa, realmente o Brasil não tinha uniforme 2 e houve um esforço de última hora para comprar as camisas azuis e os shorts brancos. E se você acha meio absurda essa ideia supersticiosa de bordar o “Vai Filhão”, saiba que o uniforme azul e branco tinha sido abolido após a derrota para o Uruguai na final da Copa de 50, por supostamente trazer azar. Isso explica inclusive o Brasil não ter o uniforme 2 na Copa da Suécia.

Um ouvinte mais atento pode ter notado que o Centro de Visitantes se chama tenente-coronel Ivo Lopes em vez de major Ivo Lopes. Acontece que militares que vem a óbito durante o cumprimento do dever podem receber uma promoção post mortem, que foi o caso do nosso querido Ivo.

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o INPE, que desenvolve os satélites brasileiros, só foi fundado em 1961, e se chamava no começo Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE). Como na nossa história o Brasil já tava lançando foguete orbital em 1958, acho bem razoável colocar a criação do INPE de maneira antecipada.

O texto, narração e direção deste episódio foram feitos por mim, Roberto “Pena” Spinelli.

Vozes:

Cassani por Sergio Sacani

Ada Rogato e Jamile por Juliana Vilela (Jujuba)

Lacerda por Marcelo Guaxinim

Jayme e Chico por Lennon Biancato Ruhnke

Zé por Fencas

Vozes extras por Pena, C.A., Willian Spengler, Vitor Moreira, Letícia Carvalho, Felipe Reis, Diogo Paschoal, Silvana e Vitor Moreira

Consultoria histórica por Willian Spengler, Cesar Agenor F. da Silva e Fencas.

Consultoria técnica por Lennon Biancato Ruhnke

Revisão por Silvana Perez

Edição e mixagem por Felipe Reis.

Vinheta por Vitor Moreira

E a distribuição é do portal Deviante.

VAI FILHÃO