Este é um conteúdo em formato podcast, mas, se preferir, pode acompanhá-lo com o texto e imagens a seguir.

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Capítulo 1 – Guerra Fria

Antes de contar o que aconteceu nessa reunião, a gente precisa entender o contexto histórico.

Com o fim da Segunda Guerra, EUA e URSS começaram uma disputa ideológica, cada potência buscando expandir sua influência e seu modelo político-econômico pro mundo. Na Europa o cenário já estava meio que definido mas, em outros continentes, o jogo ainda estava aberto.

Na América Latina, pela proximidade geográfica, os EUA saíram na frente, propagandeando massivamente sua música, filmes e seu american-way-of-life. Através da Doutrina Monroe e da Política de Boa Vizinhança, os americanos procuravam fortalecer laços, oferecendo ajuda econômica e suporte militar aos governos locais.

Enquanto isso, a União Soviética focava seus esforços principalmente no leste europeu e asiático. Sua presença na América Latina era discreta e indireta, com algum suporte para os partidos comunistas existentes.

Nesse Brasil do pós-guerra, sob o governo Dutra, havia uma forte política anticomunista. Em maio de 47, o PCB, Partido Comunista Brasileiro, teve seu registro cancelado e seus membros sofreram perseguições. A relação com a URSS já vinha conturbada desde um incidente com um diplomata brasileiro em Moscou que, embriagado, teria iniciado uma briga no hotel em que estava hospedado e quebrado vários objetos. Houve diversas farpas trocadas durante os meses seguintes e o estopim foi em outubro de 47, por conta de um artigo publicado numa revista de Moscou atacando o governo de Dutra. Nesse momento o Brasil decide cortar relações com a União Soviética, para felicidade dos americanos.

Anos mais tarde, com o lançamento de sucesso de seu primeiro foguete suborbital, o Garbosa, em 1951, o Brasil passa a levantar olhares de curiosidade. Era um feito respeitável, mas o foguete era muito pequeno para representar alguma ameaça. Em 53, porém, após o voo de 1000km do Majestoso, surge uma preocupação. Tanto a CIA quanto a KGB inserem informantes dentro do programa espacial (o que não era difícil, por conta das contratações estrangeiras) para monitorar de perto o avanço. Os EUA chegaram a cogitar uma ação mais enérgica – ou uma invasão ou um boicote – para conter essa empreitada tecnológica, mas, nesse momento, eles já estavam lutando uma guerra de procuração na Coreia, entrar em mais um conflito seria muito arriscado. Além do mais, o Brasil tinha cortado relações com os soviéticos, seria mais vantajoso uma aproximação, tendo o Brasil como aliado e uma liderança na América do Sul. É justamente por isso que eles forneceram o motor XLR-11 que o Richard tanto queria. E o fato de ter um americano à frente do programa brasileiro era ainda mais um vínculo positivo, na visão deles.

Nesse momento, a chegada da delegação soviética no Brasil prometia causar grande agitação nas águas da geopolítica.

Capítulo 2 – A Proposta

A reunião ocorreu no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, que nessa época era a capital do Brasil. Ao lado de Café Filho, sentou-se Oswaldo Aranha, o mais importante diplomata brasileiro daquele período. Do lado soviético, além do secretário de relações internacionais e alguns oficiais, estava uma pessoa desconhecida na época, chamado Сергей Королёв, o líder do programa espacial russo (que os brasileiros chamam de Sergei Korolev, mas eu vou sempre me ater à pronúncia original durante esta série).

Sergei Korolëv, chefe do programa espacial soviético.

Palácio do Catete em 1959.

Palácio do Catete em 1959.Mas essa foi só a primeira de uma série de reuniões, todas altamente confidenciais. Ninguém sabia o que estava acontecendo direito. O palácio tinha que ser esvaziado, nenhum cozinheiro, jardineiro, servente, assessor, ninguém podia ficar lá, para evitar qualquer tipo de espionagem ou atentado.

A segunda reunião adicionou o ministro das relações exteriores; a terceira, o ministro da aeronáutica, o tenente-brigadeiro Eduardo Gomes; e a quarta, trouxe o comandante do programa espacial, o major-brigadeiro Henrique Lacerda;

Quando o major voltou para São José dos Campos, quis falar com Richard imediatamente:

— Eles querem alugar uma base de lançamento em Alcântara. Dizem que a base deles fica muito pro norte. Pra lançar um satélite daqui seria mais fácil. Faz sentido?

— Sim, faz. Quanto mais perto do equador, menos combustível precisa para fazer órbita. Eu sei que a base deles fica muito mais ao norte do que a base dos EUA. Então o foguete deles tem que ser maior que o americano. Se eles lançarem de Alcântara, saem da desvantagem e passam a ter a vantagem.

— Teve aquela declaração do Eisenhower prometendo um satélite americano até 58, né? Os russos tão tentando qualquer coisa para largar na frente. Eles querem vencer a corrida, Richard.

— Ótimo, para nós é bom porque podemos cobrar caro para dar essa vantagem, não acha?

— Sim, os valores tão sendo negociados, vai ser uma grana preta… isso se o Brasil topar, claro.

— E por que não toparia?

— Imagina o que os americanos iam achar de uma base de lançamento vermelha por aqui?

— Eles não tem que achar nada, e olha que eu sou americano.

— Richard, Richard… você não entende nada de política mesmo. O mundo não é um cálculo exato, é tudo muito complicado. Começando que essa galera do Eduardo Gomes é tudo anti-comunista. Se não fosse o Oswaldo Aranha pra convencê-lo da grande oportunidade que a gente tem aqui, os russos já tariam voltando sem nada pra casa.

— Entendo, mas, e aí? Vai dar certo?

—  Ninguém sabe, o clima tá muito tenso. Do ponto de vista diplomático, a melhor opção é ter negócios com os dois lados, e até agora o Brasil só tava abraçando o Tio San. Quando tem concorrência, o produto é valorizado.

— Já me convenceu!

— Mas não é você que tem que ser convencido. Deixa lá os diplomatas batendo cabeça. Enquanto isso, a gente tem que discutir o nosso lado. Richard, SUPONDO que isso vá pra frente, o que a gente pode ganhar? O que o programa espacial pode pedir?

— Eu sei exatamente o que pedir, major.

A quinta reunião no Palácio do Catete deveria ter a presença de Richard, mas ninguém achou uma boa ideia promover um encontro de americanos e soviéticos em território brasileiro, de forma que ele mandou seus homens de confiança em seu lugar. Lá ia a nossa dupla dinâmica, Zé e Jayme, entrar em mais um enrosco.

Na volta, eles traziam o resultado:

— Cê tinha que ver a cara deles quando a gente falou de transferência tecnológica, ficaram mais branco que fantasma.

— Então não aceitaram?

— No começo não, mas o major foi amaciando os caras.

— Eu disse que, de repente, não precisava ser o motor mais avançado de todos. Às vezes tinha algum ali meio perdido debaixo da escada, dando sopa.

— Não, não… não é assim major. Não é qualquer motor que vai servir para o nosso foguete orbital. Não é como trocar manteiga por margarina no café da manhã.

— Eu sei, calma… é por isso que a gente levou o Jayme, nosso garoto prodígio. Eu tava lá só de batman mesmo, só pra confundir eles com meu cinto de INutilidades.

— Ei, qual era o meu papel então?

— Você era o Alfred, só pra trazer o cafézinho, haha.

Todos riem.

— Vai ter volta seu major, pode aguardar.

— Eles ofereceram algo sim, chefe. Algo que atende totalmente as especificações… mas… acho que o senhor não vai gostar.

— Conta logo, arranca logo esse band-aid.

— Vão dar para a gente um único exemplar do motor RD-108, que tem 940 kN de empuxo, 315 de impulso específico e dura 280 segundos. É o motor mais avançado que estão fazendo.

Motor RD-108.

— Ora, é perfeito pro nosso foguete.

— Mas… é um exemplar queimado, que já passou por teste estático e parou de funcionar.

— E como vamos usar isso?

— Deixa com o pai chefinho, vou fazer uma engenharia reversa tão caprichada que vai ficar melhor que o original.

— Isso não é como os motores do V-2, Zé… eu sei que você é bom, mas a gente tá falando de algo muito complicado.

— Mas chefe, sobre o motor do segundo estágio, eles estavam irredutíveis.

— Oh no, ficamos sem nada?

— Eu forcei a barra, disse que alguma coisa eles tinham que dar, senão o caldo ia entornar. Coloquei o pé na mesa nessa hora.

— E quase caiu da cadeira hahaha.

Todos riem.

— Hahah, eu consigo imaginar… e então, o que eles ofereceram?

— Por pura coincidência, eles abandonaram o projeto de um motor de foguete para usar em avião, o S-155, que atende a nossa especificação. Fizeram só dois protótipos para colocar no caça Mig Ye-50, mas acabaram desistindo em favor de algum outro motor. Então, eles estariam dispostos a fornecer esses dois protótipos.

— Mas… mas… é um motor para avião.

— Ah, Richard, você mesmo me disse uma vez que esses aviões são tipo um foguete com asas, que podem chegar até o espaço… que diferença faz?

— A diferença, major, é que são motores assimétricos, não dá para alinhar eles no eixo do foguete. Um avião voa na horizontal, o motor inclinado ajuda na sustentação. Mas um foguete não pode ter um motor inclinado, ou ele fica totalmente sem controle. Ahh, não, estamos sem saída agora.

— Caaaalma, chefinho. Deixa que o mordomo vai salvar o dia. Eu tive uma ideia. É uma gambiarra, claro, mas é isso que a gente sabe fazer de melhor. E é algo que os russos nunca imaginaram, senão, aposto que teriam feito no próprio foguete deles.

— Sim, chefe, o Zé me contou no ouvido a ideia dele. É maluca demais, mas pode funcionar. Os russos ficaram surpresos quando a gente aceitou o acordo.

Richard estava confuso. Ele era americano, não era acostumado a trabalhar na base do improviso, da gambiarra, embora ele já tivesse visto diversas provas de que os brasileiros sabiam se virar bem daquele jeito. Mas será que eles estavam indo longe demais?

— Ôoo Richard, abre um sorriso que a negociação foi um sucesso. E vamo brindar AGORA, é só hoje que a gente tem pra isso. Assim que o Tio Sam souber que vai ter uma base soviética em Alcântara, isso aqui vai virar um caos.

Capítulo 3 – O Caos

E foi mesmo. O telefone nos gabinetes do governo não parava de tocar. O embaixador americano exigia uma audiência imediatamente, enquanto os militares do alto escalão quase saíam no tapa uns com os outros. O presidente sofria ameaças dos opositores, a bolsa fechou e o congresso virou um circo.

Eles sabiam que ia ser tenso, mas Oswaldo Aranha tinha negociado algo bom demais para jogarem fora. A grana soviética daria para molhar o bico da turma do Eduardo Gomes e sobraria muito para o projeto de desenvolvimento nacional. O exército receberia tanques soviéticos de segunda linha, os T-34-85, mas que eram superiores aos M-4 Shermanns brasileiros.

Tanque soviético T-34-85.

A condição seria ter uma base permanente em Alcântara por 10 anos, com acesso controlado, da qual poderiam lançar apenas foguetes de missões científicas. Nenhum míssil seria permitido. Também seria vedado qualquer acesso ou suporte soviético a partidos comunistas brasileiros, ou qualquer tipo de influência na política ou economia.

A reação americana foi rápida. Começaram uma propaganda anti-comunista para influenciar a opinião pública, encabeçada pelo Repórter Esso:

— Prezado ouvinte, boa noite. Aqui fala o seu Repórter Esso, um serviço público radiofônico da Esso Brasileira de Petróleo e dos revendedores Esso, testemunha ocular da história. No dia de hoje, foi anunciado um acordo entre o Brasil e a União Soviética concedendo um território permanente dentro do nosso orgulhoso Centro de Lançamento de Alcântara para lançamentos de foguetes soviéticos. Trata-se de uma ameaça à soberania nacional e um forte golpe comunista dentro do país. Não é difícil pensar que esse seja apenas o primeiro passo dentro de um esquema revolucionário orquestrado pelos bolchevistas.

Eduardo Gomes usou sua influência para segurar as forças-armadas e evitar um golpe de estado. O Itamaraty se articulou de maneira eficiente no cenário internacional, acalmando as reações dos países vizinhos e tentando ganhar tempo com o Tio Sam, que cogitou enviar uma força-tarefa militar ao Brasil. Oswaldo Aranha assegurou que a base era puramente para projetos científicos e não era nada além do que uma embaixada russa em solo brasileiro.

O ponto chave seria a opinião pública. Se os brasileiros fossem às ruas protestar, poderia ficar uma situação insustentável. E eles foram.

“Abaixo o comunismo, abaixo o comunismo”.

Só que, em pouco tempo, a contra-campanha começou a vender que esse acordo impulsionaria o programa espacial, e que o Brasil poderia alcançar voos muito maiores. O mais curioso é que, em 1955, o amor pelo espaço já estava se instalando no coração do brasileiro. O “Vai Filhão” já tinha virado uma frase usada no dia-a-dia para desejar boa sorte:

Relaxa, vai dar tudo certo na reunião… Vai Filhão”

Querido, boa prova… Vai Filhão”

De alguma maneira, a cultura do espaço venceu o medo comunista e o jogo se inverteu. As manifestações de apoio cresceram e dominaram o país. O sonho da Lua era maior.

Capítulo 4 – O Peixe

As semanas se passaram e a poeira foi baixando.

O presidente Café Filho passou a ser menos criticado no Congresso e ganhou um respiro de governabilidade – principalmente depois de receber apoio do senador Vitorino Freire e a bancada do Maranhão, que viam no desenvolvimento de Alcântara uma oportunidade de ouro de colocar seu estado no mapa.

Os EUA tentaram uma contraproposta para impedir a base soviética, mas desistiram de seguir nesse leilão. No final, houve uma enxugada geral no apoio que eles davam ao Brasil, o que era esperado, e tiveram que se contentar com esse novo cenário, em que a URSS passava a ter uma vantagem no acesso ao espaço.

Em Alcântara, as obras começaram. Além de uma nova plataforma, um novo prédio de integração e um novo hangar, que seriam exclusivos dos novos inquilinos, era preciso expandir a infraestrutura geral, incluindo a construção de um porto muito grande para receber os navios contendo os equipamentos soviéticos. Em 6 meses começariam a chegar os primeiros engenheiros, que residiriam de maneira permanente em Alcântara. Era esperado um grupo inicial de 150 russos e ucranianos, o que levou a um desenvolvimento na economia da vila de Alcântara e região. Ruas eram abertas, energia elétrica cabeada, saneamento básico criado. A vinda dos estrangeiros estava trazendo prosperidade para aquela região antes esquecida.

Antes disso, porém, já havia um lançamento agendado. Seria um teste de um sistema de mira ainda rudimentar que o exército tinha desenvolvido. Na hora de batizar o foguete, as cientistas Silvia e Vanda ganharam o direito de escolher o nome como um prêmio pela pesquisa delas sobre os efeitos da radiação na fisiologia animal, que foi publicada numa revista estrangeira. Só que as duas não conseguiam entrar num acordo, cada uma querendo dar o nome do seu bicho de estimação.

No final, ninguém lembra mais quais eram os nomes dos bichos, porque a Jamile resolveu o problema de um jeito bem pragmático que só ela era capaz:

— Queridas, se vocês não se decidirem em 10 segundos, eu vou ser obrigada a escrever alguma coisa aqui… Deixa eu ver você chama Silvia e você Vanda né?

E assim, o foguete Laurare 4 Silvanda partiu da plataforma na manhã do dia 23 de abril de 55, fazendo um arco para o leste. Na distância de 900 km a ogiva se desprendeu com sucesso, mas acabou errando seu alvo, uma jangada posicionada a 100 km da costa, e caiu no mar. O sistema de mira ainda estava engatinhando. A FAB teve que pescar a cápsula do mar, bem no momento em que um repórter curioso disparava seu flash. A foto estampou a capa do jornal “O Globo” do dia seguinte, com o título “Um peixe chamado Silvanda”. Dizem que isso viria a inspirar a história de um filme anos mais tarde.

Capítulo 5 – A Lista 

Durante estes meses, a construção do primeiro super avião do Richard, o S-1, estava quase terminando, de forma que agora era preciso contratar os primeiros pilotos de teste. A convocação foi publicada no Diário Oficial. Duas semanas depois:

— Sargento Rocha, você pode me explicar que porra é essa?

— É a lista dos candidatos, senhor major.

— Eu sei que é a lista, sargento. To falando desse nome aqui: Ada Leda Rogato.

— Ah, é o nome de uma candidata…senhor.

— Tu tá querendo quebrar minhas pernas? Uma mulher na lista? Acordei com o general Oliveira perguntando se a gente tava com vaga pra aeromoça. Da onde você tirou que o cargo tava aberto para mulheres?

— Mas não estava senhor. Foi, digamos, um pequeno gracejo da língua portuguesa. Eu escrevi que contratavam-se PILOTOS. O problema é que a palavra feminina para piloto também é piloto. Aí nessa brecha a Ada Rogato entrou. Tive que aceitar.

— Era só o que me faltava. Mas e os requisitos? Você não escreveu que precisava ter 2.000 horas de voo e pelo menos 100 horas de voos acrobáticos? Ou você tá aceitando horas de pilotar fogão também?

— Major, pelos registros aqui, a Ada tem mais de 4000 horas de voo e 250 em acrobacia.

Ada Rogato com seu primeiro avião, o Brasileirinho.

— Hum… mas… ela pilotou algum avião militar? Ou só esses teco-teco da aviação civil?

— Senhor, é impossível ela ter pilotado um avião militar, pois não se aceita mulheres na força-aérea. Mas o nosso programa aqui é civil, não tem porque limitar apenas pra militares. Ainda assim, ela tem aqui deixa eu ver… 213 missões de patrulha para a FAB, no período da segunda guerra, que foi quando os nossos pilotos homens estavam na Itália.

— Sargento Rocha, você sabe que esse nosso programa é para piloto de teste, né? Isso quer dizer que eles vão ter que pilotar aviões experimentais, em condições extremas, com altas chances de dar merda. Tudo que eu não quero é uma mulher chorando porque se arranhou no cockpit. Ela sabe ejetar de um avião, por exemplo?

— Major, aqui no registro diz que ela é a primeira paraquedista do brasil, e a primeira do mundo a fazer um salto noturno sobre a água. E… deixa eu ver aqui… que ela venceu o campeonato brasileiro de paraquedas em 1943.

— Eu nem sabia que tinha campeonato disso… mas, olha, aqui não é esporte não, isso aqui é pra valer, tem que pilotar avião de teste, que não tem nem instrumento direito.

— Bom, senhor, aqui diz que ela foi a única pessoa no mundo a fazer mais de 50.000km em voo solitário pelas Américas, ela foi até o Alasca e voltou. E tudo isso em voo visual, sem instrumentos. E… tem outra coisa interessante aqui. Foi a primeira pessoa (homem ou mulher) a pousar no Aeroporto da Bolívia, o mais alto do mundo, com um avião de 90 cavalos.

— Você só pode tá tirando uma com a minha cara. Ou ela é muito mentirosa. Você checou esses registros em algum lugar?

— Sim, major, senhor. Na verdade, só de condecorações que ela recebeu no mundo todo já fica claro que não é mentira. Consta aqui no registro da FAB de 51 que ela foi a primeira civil (homem ou mulher) a receber as Asas da Força Aérea Brasileira, diretamente das mãos do ministro da aeronáutica, olha só, o seu parça, o brigadeiro Nero Moura.

— Mas… mas…. como é que eu nunca ouvi falar nessa mulher?

— Não sei, major, eu também não conhecia. E aí? Convoco ela pra seleção?

— É… acho que sim. Se o Nero Moura deu a benção pra essa mulher, quem sou eu pra cortar as suas asas.

Epílogo

Você ouviu o sexto episódio de “O Brasil vai pro espaço”, produzido pelo Scicast.

Os eventos narrados aqui, embora fictícios, utilizam como base fatos e pessoas reais da história do Brasil e do mundo. Em especial, neste episódio:

Entre 1950 e 1953 ocorreu a Guerra da Coreia, uma das primeiras guerras de procuração, na qual a Coreia do Norte, apoiada pela China e URSS, enfrentou a Coreia do Sul, apoiada pelos EUA e aliados. Achei que seria um bom argumento para justificar a não interferência americana nesse primeiro momento do programa de foguetes brasileiro.

O identidade do chefe do programa espacial soviético, o Сергей Королёв, era mantida em segredo para evitar alguma tentativa de assassinato. Ele era referido oficialmente como Главный Конструктор (Glavny Konstruktor) ou Projetista Chefe, e apenas após a sua morte em 1966 que seu nome foi revelado. No nosso contrafactual, imagino que ele esconderia sua identidade sob um nome falso ou utilizaria apenas seu título durante a missão diplomática.

Sobre a pronúncia dos nomes, eu busco ao máximo trazer a pronúncia na língua original, ou o mais próximo que seja possível da gente falar sem grandes dificuldades. “Karaliov” não é um nome difícil da gente falar. Mas por que será que muita gente no Brasil fala “Korolev” então? O motivo é por conta da transcrição do russo para nosso alfabeto, que fica K O R O L Ë V. Mas aí é que está a armadilha. No russo, todos os “o”s viram “a”s quando não estão na sílaba tônica. E o ë se pronuncia “io”. Então agora você consegue ver como Korolëv na verdade se fala “Karaliov”.

Oswaldo Aranha foi um dos grandes diplomatas da história do Brasil e presidiu a Assembleia Geral da ONU em 1947 que estabeleceu a criação do Estado de Israel. Em 53 ele foi ministro da Fazenda de Vargas e, depois da morte do presidente, se ausentou do cenário, para voltar depois para a ONU durante o governo de Juscelino. Achamos que seria muito oportuno, então, ele ser chamado para participar de uma mesa de negociação com os soviéticos bem nesse período, faria todo o sentido.

O presidente americano da época, o Dwight Eisenhower, declarou em julho de 55 que os EUA tinha intenção de lançar um satélite durante o Ano Geofísico Internacional, que ocorreria entre julho de 57 e dezembro de 58. Para fins de narrativa, coloquei a declaração dele ocorrendo alguns meses antes, para que pudesse ser trazida na conversa entre Lacerda e Richard.

O Motor de foguete usado em avião, o S-155, que é mencionado nesse episódio, e acaba sendo doado pelos soviéticos durante aquela negociação realmente existiu, assim como todos os outros motores citados nessa série, é tudo real. Mas, o curioso é que de fato esse motor foi abandonado. Eles fizeram só alguns protótipos que seriam instalados nos caças Migs mas, quando os motores a jato começaram a ficar mais potentes e confiáveis, acabaram abandonando o S-155. Então parece muito plausível que eles estivessem dispostos a oferecer esse motor, que estava largado lá e que nem serviria para colocar num foguete, e assim evitar transferir alguma tecnologia mais avançada de motores de segundo estágio.

Sobre a Ada Rogato, foi uma grande surpresa ter descoberto esta mulher incrível, que foi pioneira em tantas façanhas e que estava no auge da sua empreitada exatamente no período que começa o programa espacial. Nesse episódio foi só um gostinho de tudo que ela fez, nos próximos vou continuar contando a sua história, fiquem de olho.

O texto, narração e direção deste episódio foram feitos por mim, o Pena.

Vozes:

Jayme por Lennon.

Zé por Fencas.

Lacerda por Marcelo Guaxinim.

Richard por Pena.

Jamile por Jujuba.

Repórter Esso por Willian Spengler.

Sargento Rocha por Vitor Moreira.

Vozes extras: Sil Perez, Vitor Moreira, Letícia Carvalho, Pena e Felipe Reis.

Consultoria histórica por Willian Spengler, CA e Fencas.

Revisão por Sil Perez

Edição e mixagem por Felipe Reis.

Vinheta e efeitos sonoros por Vitor Moreira e Pena.

E a distribuição é do portal Deviante.