Este é um conteúdo em formato podcast, mas, se preferir, pode acompanhá-lo com o texto e imagens a seguir.
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Capítulo 1 – Impossível
Dava dó de ver o Jayme correndo pelo corredor, parecia o urso do pica-pau. Não sabia se ia ou se voltava, se pedia ajuda para o Zé, se encarava o Richard ou se largava tudo e ia vender miçangas na praia.
Ele sabia que era impossível fazer aquele foguetão em um ano e meio. Só para desenvolver um motor capaz de erguer umas 20t (sim, ele calculou de cabeça o tamanho do foguete) já ia levar, com sorte, o prazo inteiro.
Parou no seu quarto, respirou fundo, refletiu por um minuto e tomou a decisão mais sensata naquela ocasião… mas como não encontrou nenhuma miçanga na sua gaveta, resolveu tomar a segunda decisão mais sensata naquela ocasião e se dirigiu para o escritório do Richard.
O mais curioso é que Richard, o engenheiro-chefe do programa, não ficou surpreso e, menos ainda, preocupado.
– Senhor, você entendeu claramente o que eu disse? Prefere que eu fale em inglês?
– Claro que entendi… um míssil com ogiva de 250kg para acertar 1000km. Quanto isso dá em milhas? 700?
– 621 milhas. Mas senhor… em um ano e meio… é impossível!
– Você que não está entendendo. Onde você quer chegar com esse programa? Você quer ficar 20 anos lançando foguete sonda? Eu não quero… eu quero chegar na Lua.
– Eu também quero senhor, acho que esse é o sonho de todo mundo daqui.
– Então aprenda a aproveitar as oportunidades, rapaz. Se a FAB tá querendo aumentar em 10, 20 vezes o nosso foguete, e vai dar dinheiro para isso: ótimo! Para chegar na Lua tem que aumentar em umas 2.000 vezes.
A cabeça de Jayme dava cambalhotas. Ele simplesmente não sabia como lidar com aquilo. Ele queria, com todas as forças, acreditar em Richard, mas sua mente analítica fazia contas e mais contas e a conta não fechava. Ao mesmo tempo, ele não tinha nenhuma habilidade social para reagir àquela situação e travou. Não conseguia dizer uma palavra. Sua sorte é que Richard pegou sua agenda de contatos e saiu da sala, aliviando um pouco aquela situação insustentável.
Uma semana depois Richard faz uma ligação para Edmond Brun, o francês que era o chefe do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, o IPD.
Não sei se vocês lembram, mas Edmond foi o professor que incentivou os alunos a fazerem o foguete de 1949, e acabou sendo contratado por Richard para liderar a equipe de pesquisa. Havia hoje 50 professores / pesquisadores dentro do programa espacial, o que consumia 70% da verba disponível. Na visão de Richard, a pesquisa era a pedra fundamental da engenharia de foguetes.
– Eu sei, eu sei… é impossível, já ouvi antes. Mas veja, consegui verba para contratar mais 20 pesquisadores.
– Sim… continua impossível, calma. Eu tenho uma carta na manga. Dois desses pesquisadores são amigos meus lá do MIT que querem vir para cá. E eles já trabalharam com o motor XLR-41, que era a cópia do motor dos foguetes V-2 dos nazistas. Esse motor é perfeito para o nosso projeto.
– Não, claro que não, não dá para trazer um motor americano na mala. Só que eles podem trazer o projeto inteiro, todos os desenhos, peça por peça. E nossos brasileiros são bons de, qual o nome que eles usam, “gambiarra”. O Zé é incrível, consegue construir qualquer coisa com peças improvisadas. Pode deixar que o motor tá com a gente. Vocês precisam focar no resto: Sistema de navegação, sensores, atuadores, giroscópios e, muito importante, novos materials… materials… materiais… oh shit, such a fuck word… você entendeu… precisamos de um tanque de alumínio. Aço é pesado.
– Não, não dá para usar esse alumínio do Brasil, tem que desenvolver uma liga que aguenta mais temperatura. Você consegue fazer tudo isso em um ano e meio?
Capítulo 2 – As abelhas
Nos meses seguintes, enquanto prédios, estruturas, ruas e pista de pouso vão sendo construídos em Alcântara, começa a ser erguida uma segunda plataforma de lançamento para lançar o novo foguete.
Mas na plataforma antiga as coisas seguem a todo vapor. O programa Arapuá, do foguete abelhinha de 1 tonelada, ainda tem muito o que render e com a técnica e ferramentas já desenvolvidas, agora a produção vai muito mais rápido.
4 meses depois, o Arapuá 2 está pronto para ser lançado. Ele é quase igual à Garbosa, com a diferença que o cone superior se separa do resto do foguete lá no alto e abre um paraquedas para uma descida suave. Por isso mesmo, recebeu o nome de Arapuá 2 Suave.
O lançamento é perfeito, chegando a 156 km de altura, e o sistema de paraquedas funciona como esperado. Com a cápsula recuperada, os cientistas conseguem analisar os desgastes do material na decolagem e reentrada, além de avaliar os sistemas que foram expostos ao vácuo e à radiação.
Três meses depois, em dezembro de 51, a terceira abelha está pronta pro voo. Será o primeiro foguete meteorológico brasileiro, carregando sensores de temperatura e pressão, além de uma série de compostos químicos que serão expostos na atmosfera para testar modelos climáticos. Na correria, porém, o Jayme acabou esquecendo de registrar os dados da missão com antecedência. Tem toda uma burocracia enorme pra fazer e lá estava ele junto com o Zé, correndo desesperados para o “Escritório de Normativas e Registros Orbitais, Sistemas e Controles”, ou na sua forma reduzida “ENROSCO”.
– Jamile, Jamile, tá aqui… o documento, tá… tudo certo.
– Boa tarde Jayme, por 3 minutos você não me pegava aqui. Deixa eu ver… perfil de voo, área de isolamento, instrumentos de operação. Tá faltando aqui ó…
– O quê??? Não é possível, o que é isso?
– Nome da missão… o nome do foguete.
– Ai caramba, sei lá, ajuda Zé…
– 2 minutos.
– Ahh põe qualquer coisa.
– Não, não pode ser qualquer coisa. Nomes são importantes… o primeiro era “Garbosa”, depois foi o “Suave” (porque tinha o pára quedas)… esse aqui é um foguete meteorológico… ai caramba. Ajuda Zé!
– To pensando.
– Éeeee… que tal Medidor Atmosférico? Não, que nome horrível.
– 1 minuto.
– Poxa Jamile, não rola de segurar um pouquinho?
– Ãh ãh, meu ônibus passa às 18:15 em ponto… e eu que não vou perder o forró de hoje.
– Ahhh, Atmosensor, não… Meteor… ai porraa… ajuda Zéeee.
– 10 segundos, tô fechando.
– Zéeee!!!
– Jamile… escreve aí: “Farofa”.
– FAROFA???!
– É o nome da minha gata.
No dia 17 de dezembro, a Farofa voou de maneira impecável. Com suas medições, o Brasil conseguiu criar um perfil de temperatura e densidade atmosférico muito mais amplo do que havia antes. Após dois dias, o Instituto Nacional de Meteorologia fecha um acordo com a FAB para financiar mais dois lançamentos. Começaram a chegar os frutos do programa espacial, finalmente.
Mas antes, já estava sendo construída a próxima abelha, que seria fundamental para o sonho ambicioso de chegar na Lua. O Arapuá 3 Ratazana levaria a bordo dois camundongos, numa cápsula incrivelmente tecnológica criada pelo Zé usando peças de carburador de carro e borracha de pneu de bicicleta.
– Perfeito Zé, parece bom, esses furos vão funcionar… vou buscar os ratinhos.
No dia 15 de maio 52, quase um ano depois do lançamento histórico, estava na plataforma a quarta versão do Arapuá, o Ratazana. Esta já tinha uma melhoria importante em relação à anterior: seus tanques eram de um liga de alumínio com cobre que a equipe de pesquisa tinha desenvolvido. Leve e resistente, o novo material reduziu em 20% o peso da estrutura do foguete. Às 16:49, 600 mil radinhos por todo Brasil sintonizavam nas repetidoras da Rádio Difusora do Maranhão. Estava começando a virar um hábito nos escritórios as pessoas pausarem o trabalho durante os 5 ou 10 minutos que durava o lançamento.
E embalada pelo auspicioso “Vai Filhão”, a abelha partiu de maneira impecável, chegando a 128 km de altura.
A gaiola maluca do Zé funcionou muito bem, abrindo os orifícios por cerca de 30s e expondo os ratinhos ao vácuo e à radiação do espaço.
Na descida, o paraquedas se abriu e a cápsula foi recuperada com sucesso. Os dois ratinhos estavam vivos, inclusive.
Se por um lado as coisas seguiam às mil maravilhas, com 4 lançamentos perfeitos na sequência (5 se contar o foguete de 49), por outro, o prazo do foguetão se apertava e ainda restava muita coisa a ser feita.
Capítulo 3 – O marimbondo
Com a nova verba do Ministério da Aeronáutica, foi possível dobrar o núcleo de pesquisa do IPD. Em dezembro de 51 somavam-se 100 professores, pesquisadores, técnicos e estagiários, todos comprometidos quase que em tempo integral ao programa espacial. E quando eu digo quase, é porque os professores paravam as pesquisas apenas para dar aula, o que também não deixa de ser uma transferência de conhecimento que reverteria, no futuro, para o próprio programa.
Sobre o novo foguete, o comandante Lacerda tinha pedido um abelhão, e quando contaram pro Zé:
– Abelhão? hum… abelha grande para mim é vespa ou marimbondo.
Tecnicamente, vespa e marimbondo são exatamente o mesmo bicho e não, não são um tipo de abelha grande, mas a gente perdoa o Zé. Ele gosta bastante de bicho, mas não é biólogo.
Seja como for, o termo pegou e nascia assim o projeto Marimbondo, quer dizer, Laurare, que é marimbondo em Karajá, seguindo a tradição de usar nomes indígenas.
Um foguete de 19 t, 15 m de altura e com apenas 1 estágio, uma cópia aumentada dos mísseis V-2 da Segunda Guerra. Naquele prazo de um ano e meio, não tinha margem para reinventar a roda, por isso seguiram um conceito já testado e aprovado. Basicamente, era um cilindro comprido de 1m e 60 de diâmetro terminando numa ponta em forma de cone no lado de cima, e em 4 aletas grandes, com 1,30m de largura cada uma, na parte de baixo.
Toda fuselagem seria construída na nova liga de alumínio e cobre desenvolvida pelo IPD. E eu digo seria, porque, em maio de 52, o foguete ainda estava no papel.
É verdade que durante esse um ano muita coisa avançou. Além da nova liga de alumínio, o grupo de pesquisas desenvolveu sensores e um sistema de controle hidráulico para dar ao foguete algum controle durante o voo. Também foi criado um computador mecânico que poderia ser programado para embicar o foguete numa direção e inclinação desejada.
Já a equipe de engenharia focou 100% no motor. Richard e seus colegas do MIT desenharam e adaptaram cada válvula, tubo, mangueira, parafuso e chapa a partir do motor americano XLR-41, que já era uma cópia do usado no míssil V-2. Esse era um motor de combustível líquido que usava uma bomba hidráulica muito poderosa para gerar a pressão necessária. O primeiro protótipo ficou pronto perto do Natal. Jayme, Zé e os demais alunos passaram as férias inteiras construindo e explodindo motores, mas a cada nova explosão a coisa ia melhorando. Ou o motor durava mais, ou a combustão era mais eficiente, ou a pressão ficava mais estável.
Em janeiro, Richard contratou mais 30 engenheiros, entre alunos do ITA, engenheiros mecânicos e engenheiros hidráulicos. Ao misturar todos estes ingredientes, ele estava formando, na prática, engenheiros de motor de foguete.
Em maio eles já colecionavam uma dezena de motores rachados ou derretidos, mas não dava para esperar mais, tinham que começar a construir o foguete.
Richard negociou mais verba com Lacerda e contratou outros 20 engenheiros. A equipe se dividiu, metade continuaria a desenvolver o motor, sob a supervisão de Jayme e Zé, e metade, sob a liderança de Richard, começaria a fazer os tanques, as aletas, o sistema hidráulico, o sistema elétrico, ou seja, construir o foguete.
Era início de dezembro e havia um foguete imponente na plataforma. Mas faltava o principal, o motor. O carnavalesco da Unidos dos Telégrafos já estava fazendo a pintura, que prometia ser “O maior espetáculo já visto no carnaval” (alguém tinha que avisar a ele que o foguete não era um carro alegórico). Enquanto isso, todos os 60 engenheiros se revezavam dia e noite tentando aperfeiçoar os protótipos do motor.
Platão disse que “a necessidade é a mãe da invenção”. Mas, no Brasil, a “gambiarra era o pai”. E o Zé, esse era o pai da gambiarra. Se tinha alguém que poderia fazer aquela turbo-bomba girar 4000 rotações por minuto sem estourar, usando ferramentas improvisadas e peças de um Chevrolet, era o Zé.
– Jayme, abre a válvula do oxigênio líquido… devagar.
– Abrindo…
– Fecha um pouco
– 5 Bar de pressão, parece estável.
– Tá não chefe, tô ouvindo um chiado… me passa a chave Jayme?
– Aqui.
– Vamo fazer um acionamento sequencial. Tá pronto Zé?
– Quaaasse, só mais um pouco… tá melhor.
– Zé, tá saindo álcool pela vedação da bomba.
– Tá tranquilo, quando a rotação aumentar ele para. Pronto…
Aquela bomba era o coração do motor. Tinha que empurrar 71kg de álcool e 103kg de oxigênio líquido por segundo, para que a combustão gerasse 35 toneladas de impulso.
– Vou disparar o circuito, atenção… go!
– Jayme, acelera o peróxido.
Mas o que fazia aquela bomba girar? Eletricidade? Não, motores elétricos precisam de baterias muito pesadas, ainda mais naquela época. O segredo estava no peróxido de hidrogênio, ou mais conhecido como água oxigenada, que nada mais é do que água, H2O, com um oxigênio a mais. E basta colocar uma concentração enorme dessa água estranha passando por um catalisador para criar uma quantidade insana de vapor. É justamente esse vapor em alta velocidade que move a turbina e faz a bomba girar.
– 5 bar, 7, 8, 10, 11, hold, hold, segura.
– Iniciando cronômetro… tá estável porra… vai dar.
– Calma quatro-olho, tem um caminho longo até 17.
– Nunca vi tão estável assim em 11.
– Sem vazamentos, vedações perfeitas…
O que eles estão medindo é a pressão dentro da câmara de combustão. Quanto maior a pressão, mais energia dá para extrair da queima do combustível. A meta é chegar em 17 bar, ou seja, uma pressão 17 vezes maior que da nossa atmosfera.
– Atenção ao relógio… 3, 2, 1… deu.
– Leve vibração, parece bom. Vamos prosseguir… atenção… go.
– Vai vai.
– 13, 14, 15 bar, hold, hold.
– Ahh porra, falta tão pouco.
– Ah caralho, merda de flange.
– Não Zé, cuidado, que você tá fazendo?
– Zé, get out, sai daí.
– Calcula aí, nerdão… 3800 RPM em Hertz.
– Éee, 63… vírgula 333… Zéee…
– Relaxa… só tem que sair da frequência de ressonância.
– Tá dando certo.
– É isso, é isso, abre tudo Jayme…
– Peróxido no máximo.
– 16…. 16,5…
– Mais um pouco… vai porra, vai porra.
– Me passa aquela porca… nãoo… a maior… maldita válvula que não para de vibrar.
– Tá aqui.
– Tá acabando o álcool, tem que abortar…
– Segura chefinho… me dá 5s.
– Se entrar bolha explode o motor.
– Mais um tiquinho…
– 17… caralho.
– Tá liso, porraaaa! Não acredito. Zé, seu safado!
A base de Alcântara, nessa época, parecia uma gincana de escoteiros.
Pra começar tinha um monte de barracas improvisadas, já que os edifícios e instalações para abrigar todo aquele monte de gente ainda estava sendo construído, bem como o galpão de integração, o centro de controle e a estação de rastreio.
Fora isso, havia um monte de gente correndo de lá pra cá o tempo todo, trazendo uma engrenagem que faltou, uma mangueira sobressalente, uma caixa de ferramentas ou uma borracha de vedação. Um grupo grande vinha trazendo o motor, de 900kg, do barracão até a plataforma. Era uma corrida contra o tempo. Faltavam 10 dias para o prazo final e eles precisavam instalar o motor, testar todos os sistemas e preparar tudo para o lançamento.
Em algum momento, o comandante Lacerda começou até a acreditar que seria possível lançar um foguete ainda naquele ano e resolveu ligar para o alto comando:
– Brigadeiro Nero Moura? É o Lacerda falando…
– É sobre isso mesmo que quero falar, parece que o marimbondo vai voar.
– Assim, pelo menos tem um foguete bonitão na plataforma. Tem motor? Não, ainda não, mas já dá para tirar foto.
– Meu ponto é, caso o foguete suba e, na hipótese dele realmente chegar a 1000 km de distância, a gente não tem como rastrear. A antena daqui não pega mais do que 500, 600 km.
– Aham…
– Mas já pensei numa solução. Se a gente lançar para o Leste, 1000 km vai dar no mar, perto do Rio Grande do Norte. Tem uma área lá que é da União e não tá sendo usada para nada, a gente podia colocar umas antenas lá. E o mais legal, o lugar se chama Barreira do Inferno, olha só que nome imponente.
– Tá meio apertado, eu sei, mas acho que se a Força Aérea liberar o C-47 a gente consegue levar todo o equipamento pra lá e deixar operacional até a data do voo. De repente a gente até monta uma base de rastreio permanente para os próximos lançamentos.
– Sim, sim, eu sei, primeiro o foguete tem que funcionar. Ele vai funcionar, confia.
– Não, comandante, não garanto nada… eu não confiaria se fosse você.
– Mas você prometeu.
– Prometi que o foguete estaria pronto até o natal, e ele está. Que ele vai funcionar… ahh, é bem diferente.
– Escuta aqui, seu ensaboado. Eu tô colocando todas as minhas fichas em você, Richard, você não faz ideia como esse programa tá incomodando muita gente da FAB. Agora que os brasileiros tão ouvindo os lançamentos, tem muito brigadeiro com ciúmes. Eu ia até recomendar dar um banho de sal grosso no marimbondo, o que deve ter de olho gordo.
– Sal grosso? O que é olho gordo?
– Nada, esquece… só garante que esse foguete vai funcionar, tá bom?
– Não, não garanto nada…
No dia 17 de dezembro, a tensão era insustentável. Lacerda fumava charuto como se fosse cigarro. Edmond tava com o rosto enfiado nas mãos enquanto Silvia e Vanda, duas cientistas do grupo de pesquisa, se abraçavam para não cair.
Zé enrolava tanto seu bigode que já tava parecendo o Dali.
Até mesmo a Jamile, que nem ligava para aquilo tudo, segurava firme o crucifixo no pescoço.
Jayme, por sua vez, estava repassando pela milésima vez o procedimento de lançamento, pra garantir que, na milésima primeira, não apareceria alguma coisa errada.
Somente Richard parecia tranquilo… ele segurava um sorriso simpático, com as mãos nos bolsos do jaleco, enquanto observava aquele foguetão na plataforma.
O Laurare estava resplandecente naquele sol forte de dezembro. Seu corpo branco era delineado por duas faixas verticais azuis que se bifurcavam perto da base formando uma saia dourada, de onde se projetavam 4 aletas azuis com bordas também douradas. Na parte de cima, um anel azul marcava o início do cone, formado por dois triângulos brancos e dois azuis, nos quais reluzia imponente a águia amarela da FAB. A parte mais alta era uma ogiva dourada com o número 1 estampado, para não deixar dúvidas que se tratava do primeiro marimbondo.
E como não poderia faltar, no corpo do foguete, bem grande, escrito na vertical estava o “Vai Filhão” com a bandeira do Brasil separando o Vai do Filhão.
Difícil saber se aquele seria o maior espetáculo já visto no carnaval, mas, com seus 15m de altura adornados em tinta metalizada, o “Laurare 1 Majestoso” era, sem dúvida, o maior espetáculo que Alcântara já vira.
– 5, 4, 3, 2, 1… vaaaaaai filhão… partiu o Majestoso, rasgando o céu, que momento incrível!
– Funcionou, FUNCIONOU Zé!!!! Porraaaa!
– AEEEEE Caralho… Jayme, seu nerd gostoso…
– Deu certo? Tá voando?
– Abre o olho comandante, já tá lá longe.
– Que voo lindo. O Majestoso tá fazendo um arco para o leste, voando por cima da costa brasileira. E atenção, chegou no espaço. Ultrapassou os 100km e continua firme.
– Tá tudo certo Jayme? Os números batem?
– Por enquanto sim… tudo nominal. O apogeu esperado é 270km.
– Galera, eu tô transmitindo direto da sala de telemetria, os engenheiros estão todos aqui, vibrando muito, é contagiante.
– Mãe, te amo!
– Olha só, o engenheiro José Alves mandando até beijo para mãe… vale tudo, é muita emoção… atenção… o foguete tá chegando na parte mais alta da trajetória… olha só… 269, 270, 271… 2… 273km é um recorde brasileiro!
– Lembrando que esse é um voo suborbital, então ele volta pra Terra. Agora vem o momento crítico, a reentrada na atmosfera.
O Majestoso desfilava nos céus, acompanhado por mais de 1 milhão de radinhos, cada um falando para 3, 4, 5 pessoas.
– Atenção galera, agora o Majestoso tá muito longe pra antena aqui de Alcântara pegar, mas o sinal tá sendo retransmitido pela estação Barreira do Inferno… e continua tudo bem. A meta é 1000 km de distância e a gente tá com 930. Falta pouco, vai chegar.
– Tá perfeito Zé, vai cair certinho nos 1000, nem acredito, a gente vai acertar no alvo!
– E lá vai, 950 km, mais um pouco… iiii… perdemos o sinal galera.
– O que aconteceu, o que aconteceu?
– Não sei senhor, a telemetria caiu.
– Caiu não, o sinal com a Barreira do Inferno tá firme. Tenente Salgado, você copia?
– Copio sim, Alcântara, temos confirmação… o foguete explodiu!
Epílogo
Você ouviu o terceiro episódio de “O Brasil vai pro espaço”, produzido pelo Scicast.
Os eventos narrados aqui, embora fictícios, utilizam como base fatos e pessoas reais da história do Brasil e do mundo. Em especial, neste episódio:
O Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento, o IPD, era realmente uma unidade de pesquisa fundada na década de 50 e que viria a se tornar o Instituto de Aeronáutica e Espaço em 94. Nas minhas pesquisas, encontrei fontes dizendo que ele foi fundado junto com o ITA, em 1950, e outras afirmando que foi inaugurado em 54. Para esse contrafactual, assumi que ele foi construído em 50 e sua implementação foi adiantada para 51 para suprir as demandas do programa espacial.
O Instituto Nacional de Meteorologia é um órgão bastante antigo do Brasil, fundado em 1909 sob o nome de Diretoria de Meteorologia e Astronomia. Em 1951, seria plausível que fechasse uma parceria com a FAB para financiar foguetes de sondagem meteorológica.
O motor XLR-41 foi uma cópia americana do motor do foguete V-2 feita durante o projeto Navaho, em 1947. Foram feitas 3 cópias do XLR-41 mas nunca voaram, pois o programa acabou preferindo o XLR-43 que se baseou numa versão um pouco mais leve do motor do V-2. Não seria difícil pensar que um projeto de um motor descontinuado de 47 pudesse estar acessível para pesquisadores do MIT em 1950.
Quando eu estava escrevendo o roteiro, queria que o Zé usasse peças improvisadas de Fusca, mas descobri que o carro só começou a ser vendido por aqui em 1950 e só foi fabricado totalmente no Brasil em 1959. Optei por um Chevrolet, que já estava sendo importado há décadas.
O Centro de Lançamento da Barreira do Inferno foi a primeira base de lançamento construída no Brasil, em 1965, próxima de Natal, no Rio Grande do Norte. Esse nome curioso vem do jeito que os pescadores locais chamam aquela região de dunas que, no pôr do sol, ficam vermelhas como fogo. No nosso contrafactual, Alcântara foi construída antes, mas eu queria alguma desculpa para poder justificar a construção da Barreira do Inferno. Como ela é hoje usada para monitorar foguetes do mundo todo quando passam próximos do Brasil, achei que uma estação de monitoramento seria mais do que fundamental para rastrear nossos próprios lançamentos.
O texto, narração e direção deste episódio foram feitos por mim, o Pena.
Vozes:
Cassani: Sergio Sacani
Jayme: Lennon Biancato Ruhnke
Zé: Fencas
Lacerda: Marcelo Guaxinim
Richard: Pena
Jamile: Jujuba
Consultoria histórica: Willian Spengler, Cesar Agenor F. da Silva e Fencas
Consultoria técnica: Lennon Biancato Ruhnke
Revisão: Silvana Perez
Edição e Sonorização: Felipe Reis.
Vinheta: Vitor Moreira
E a distribuição é do portal Deviante.