A possibilidade de viajar no tempo, tanto para o passado quanto para o futuro, sempre foi uma grande conjectura. Então estamos aqui pensando no território do “e se”. Mas só pensamos nisso pois estamos vivendo na lacuna que há entre o passado e o futuro, chamada de presente. É o espaço do existir e do pensar em que estamos que nos permite pensar o passado e o futuro, porém, se quiséssemos sair desse ponto que permite a projeção ao infinito – seja em direção ao que já foi ou ao que ainda não aconteceu –, não estaríamos mais sobre efeito nenhum do passado nem do futuro. Logo, estaríamos num âmbito metafisico, espaço reservado aos deuses, quem sabe, longe do real e desligados do mundo da vida.
Em outras palavras: existem dois vetores horizontais que convergem para um ponto. Um dos vetores é o passado, o outro é o futuro. Os dois pressionam sobre o mesmo ponto, o presente. Nós, dentro desse ponto, dessa lacuna, então “influenciados” pelos outros dois, podemos projetar um terceiro vetor de pensamento, livre, de certa forma diagonal, que aponta para o infinito, sem um limite, tanto em lembrança e interpretação do passado quanto na projeção do futuro. Pensamos aqui que, se pudéssemos flutuar entre passado e futuro sem a influência dos dois (ou sem se constituir como um presente, ou a lacuna), não estaríamos mais dentro da “equação”, e sim num espaço destinado a outras forças, criadoras, quem sabe.
Pensando em áreas: a educação, de acordo com Hannah Arendt, possui como essência a conservação. Conservação daquilo que nós, humanidade, desejamos manter. Aquelas construções cognitivas, teóricas, materiais e culturais que pensamos ser razoáveis manter. Por isso, num sentido de dar continuidade a educação escolar, aquela sistemática, ainda faz sentido, enquanto também funciona como mediadora entre um mundo já velho para aqueles que chegam novos. A história não foge muito disso, tendo em vista que foi “criada”, digamos assim, para conferir tom de eternidade aos humanos e seus feitos – ambos “morríveis”.
Havendo a possibilidade de fazer um trânsito livre entre passado e futuro, sem a delimitação de viver o presente, pensamos aqui que provavelmente não faria mais o menor sentido contar histórias e transmitir uma tradição, já que a qualquer momento poderíamos “acessar” esses episódios da história humana. Outra questão se impõe: se a história pudesse ser constantemente modificada por ações, tendo em vista a interferência de quem viaja no tempo, qual seria o papel do historiador, já que a história seria constantemente modificada? Aliás, muitos tentam realizar essa proeza hoje em dia, tratando a história como um “palimpsesto raspado a zero”, para usar expressões orwellianas. Sem conseguir viajar no tempo, revisionistas tentam, mesmo assim, reescrever a história constantemente, de acordo com seus pontos de vista. O que é interessante nas ciências, mesmo na história, é que elas não ligam para sua opinião: o holocausto aconteceu, os portugueses pisaram sim no continente africano.
Isso, de certa forma nos faz entender que, não sendo possível esse tipo de jornada, a educação e a história ainda se mostram extremamente pertinentes para a humanidade. Relendo isso, a esse momento, percebemos que pode muito bem parecer uma ginástica argumentativa para chegar a essa conclusão e engrandecer a área da história e da educação, mas, eu juro, não foi a intenção. Se também chegaram a essa conclusão, pode ser razoável aceitar como uma suposta verdade, mesmo que passageira e não absoluta.
Também poderíamos pensar: quem voltaria no passado? Pensando em termos mais lógicos, se houvesse a possibilidade de viagem no tempo, hoje, seria algo disponível aos mais poderosos, provavelmente ao 1% mais rico do planeta, e, se fosse feito, seria mediante interesses. Provavelmente a viagem no tempo poderia significar a morte da filosofia como atividade da razão humana, no sentido de tentar encetar um sistema como verdadeiro – tentação eterna das sociedades – como já tentaram fazer no passado, mas agora com ferramentas poderosíssimas. Todo o pensamento crítico poderia ser deixado de lado ao passo que a humanidade se instalaria no saber absoluto.
Mas mesmo a essa questão poderia se levantar uma objeção. É o paradoxo do conhecimento. Se pessoas viajassem no tempo, a fim de obter conhecimentos, fazer descobertas para além de seu tempo e voltassem fazendo predições, o que aconteceria? Modificariam comportamentos, acredito eu, relações humanas e essas se adaptariam a esses novos conhecimentos, gerando uma nova realidade inesperada. Assim, voltaríamos às mesmas condições de incerteza (como é a vida no momento). O que Harari traz em Homo Deus como exemplo é mais ou menos o seguinte: Karl Marx fez grandes descobertas econômicas e fez predições acerca de acontecimentos que acabariam com a ordem existente, perante uma revolução que se estenderia pelo mundo todo.
Quando as primeiras fagulhas de suas predições começaram a aparecer, o que os representantes da ordem capitalista fizeram? O levaram a sério, é claro. Como conta Harari “Marx esqueceu-se de que os capitalistas sabem ler”. Até hoje a revolução de Marx não aconteceu, e não foi pela irrelevância ou erros de cálculo de suas análises, pelo contrário: foi tão certeiro que os capitalistas se reorganizaram para evitar suas predições, utilizando-se dos diagnósticos de Marx.
Podemos fazer uma comparação do que acontece com o paradoxo do conhecimento no caso de viagem no tempo: imaginemos que Marx teria viajado para um futuro distante em que a revolução social de fato ocorreu, na qual ele compreendeu que os trabalhadores do mundo precisariam se unir. Nesse futuro os senhores não tiveram nenhuma chance contra a grande maioria que outrora eram dominados. Satisfeito, Marx volta para seu tempo, começa a escrever, panfletar e pregar. O que acontece? Quando algumas de suas predições começam a se demonstrar verdadeiras, os dominadores começam a evitar algumas das condições necessárias para sua própria derrota, contornam a situação e acabam por criar uma nova realidade, diferente da realidade que Marx viveu e, pasmem, diferente daquela que Marx teria visto no futuro. Como? Essas anomalias não são meu forte. Busquem outros especialistas, pois já conjecturei demais e devo voltar aos meus estudos de mero mortal.