Autora: Cíntia Ongaratto*

O meio acadêmico é marcado por muitas pressões, expectativas e cobranças em relação a altos desempenhos, algo que muitos de nós já sabemos. No entanto, você já se questionou como isso pode influenciar a forma como você estuda? Podemos explorar essa questão através da personagem Aisha da série “Fate: A saga Winx”, da Netflix.

Aisha, uma princesa e fada da água, decide entrar para Alfea, um internato de treinamento de magia e militarismo, e aperfeiçoar seus poderes aquáticos. Esta decisão, contudo, vai contra os planos de seus pais, que tinham outras aspirações para ela, incluindo a herança de empresa de hidroenergia da família.

Por isso, a personagem, que já era muito cobrada desde pequena para ser impecável em tudo que fazia, passa a se sentir ainda mais pressionada a dar o melhor de si, mostrando que tinha feito a melhor escolha e, consequentemente, não decepcionando seus pais. Logo, essa situação fez com que Aisha vivesse em constante ansiedade e preocupação, pois se sentia sobrecarregada pela expectativa de não falhar, principalmente agora que tinha escolhido algo diferente do que seus responsáveis esperavam.

A ansiedade é um sentimento de desconforto e preocupação que todos nós sentimos diante de alguma ameaça ou de algum estresse psicológico. Por um lado, a ansiedade desempenha um papel fundamental na nossa sobrevivência, evitando riscos e incertezas, mas, por outro lado, ela pode ser responsável por expressivo sofrimento, podendo se tornar até mesmo um transtorno psicológico.

Desse modo, a pressão que os pais passaram a exercer na vida de Aisha, a partir do momento que ela decide ir contra o que eles queriam, origina um fator crônico de estresse para ela. Ao invés de aproveitar a sua jornada de formação, Aisha se sentia constantemente ansiosa e preocupada em relação ao seu desempenho acadêmico.

Assim, a personagem desenvolveu um comportamento de estudo extremamente autoexigente, com escalas de treinos e estudos rígidos e intensos, buscando estar hiper preparada tanto para as provas quanto para o controle de seus poderes. Com a autocobrança, a personagem tenta alcançar os padrões de perfeccionismo que seus pais exigiam.

Mas como essa rotina de autocobrança de Aisha pode ser mantida em longo prazo?

Esses comportamentos exagerados podem ser mantidos através do que chamamos de esquemas de reforço. O reforço, na análise do comportamento, é definido pelo aumento da probabilidade de um comportamento voltar a acontecer devido às consequências que ele gerou.

Ou seja, sempre que você se comporta de uma determinada maneira, a sua ação pode ser seguida de um resultado, uma consequência dos seus atos, e quando agradável, esta consequência é chamada de reforço.

Um reforço pode ocorrer pela adição de algum estímulo, o que chamamos de reforço positivo, ou pela retirada de um estímulo desagradável que estava presente, o que é conhecido como reforço negativo. De tal modo, se a consequência do seu comportamento foi reforçadora, há uma tendência de que, em situações semelhantes àquela, você repita o mesmo comportamento.

No caso da Aisha, a aprendizagem por reforço é predominante no seu hábito de estudo exagerado. Quando ela estudava de forma intensa e incansável, ela obtinha um alto rendimento (reforço positivo). Isso também gerava nela um enorme sentimento de alívio, pois sua ansiedade com a frustração de expectativas de seus pais era retirada (reforço negativo).

Assim, o comportamento de estudar incansavelmente era reforçado, uma vez que, junto com os louros, ele apaziguava o contexto ansiogênico gerado pela preocupação de não alcançar um bom desempenho. Entretanto, como acontece com qualquer pessoa que estuda motivada pela cobrança, esse alívio era efêmero e logo dava lugar à preocupação novamente.

Mas afinal, como isso funciona neurobiologicamente?

Para entender melhor isso vamos precisar falar sobre a dopamina e sua atuação no sistema de recompensa do nosso cérebro. A dopamina, um neurotransmissor — substância que tem a função de fazer a comunicação entre os neurônios —, desempenha um papel essencial no sistema de recompensa, um circuito que processa o que é reforçador, prazeroso, surpreendente e motivador.

Desta forma, quando Aisha se empenha de maneira pouco sensata e alcança os resultados desejados, gerando um enorme alívio de sua ansiedade, o seu cérebro entende que esse sentimento é bom, liberando a dopamina.

A dopamina que está concentrada na área tegmental ventral do mesencéfalo, uma região localizada bem no meio do cérebro, vai ser liberada no Núcleo Accumbens, que exerce um papel central na motivação e reforço e um papel secundário (embora relevante) no comportamento aversivo e de medo. Na verdade, boa parte dos neurônios de dopamina que saem dessa área tegmental participam do circuito de recompensa (que envolve diversas estruturas), sendo que essa área funciona quase como um gatilho para a recompensa acontecer.

Assim, quando esta dopamina liberada se liga aos seus receptores no Núcleo Accumbens, ela ajuda a processar os estímulos reforçadores, promovendo a aprendizagem associativa que vai gerar uma parte expressiva dos nossos hábitos, dos nossos scripts sociais e do nosso repertório comportamental.

Dessa forma, o comportamento de autocobrança acadêmica de Aisha vai ser cerebralmente reforçado, uma vez que o alívio e o prazer conquistados vão informar ao organismo da personagem que sua rotina de estudos deve ser repetida para alcançar novamente os mesmos sentimentos. O comportamento de estudar intensamente não é por si só prazeroso, mas o bom rendimento obtido sim, e isso vai ativar áreas do cérebro que comandam a repetição desses comportamentos. Os sentimentos de prazer e de alívio após atingir os padrões acadêmicos almejados são recompensadores.

Expectativas positivas quanto ao desempenho de uma aluna ou aluno podem aumentar a sua autoconfiança no seu desempenho, o que chamamos de autoeficácia. Contudo, quando a expectativa estimulante é substituída por uma cobrança angustiante, quando o incentivo dá lugar à exigência, a ansiedade pode destruir a saúde mental e a qualidade de vida dessas pessoas.

Portanto, o que começa como uma abordagem saudável e necessária para alcançar o sucesso acadêmico pode evoluir para uma busca implacável pela perfeição e hiper preparação, como resultado das pressões do ambiente. Isso pode transformar um período que deveria ser de crescimento e aprendizado em um momento de ansiedade constante e preocupação com o desempenho, resultando em autocobranças prejudiciais que podem impactar tanto a saúde física quanto mental.

Referências

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* Cíntia Ongaratto é acadêmica do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande (FURG).