É fato que somos consumidores culturais de tudo que vem do nosso coleguinha de continente mais privilegiado, o país do Tio Sam. Consumimos músicas, filmes, séries, artes plásticas e livros. Eu também sou consumidora de todas essas formas de arte, mas em especial, por ser professora de Literatura e mestranda na mesma área (se quiser um nome chique, pode me chamar de literata), ultimamente tenho mergulhado mais nos livros do que em qualquer outra coisa. Nas minhas aulas, trabalhamos os períodos históricos dentro da Literatura, analisamos um por um os movimentos literários, com suas particularidades, características, autores e obras principais. Visivelmente é um estudo que me fascina bastante, não só o estudo de cada movimento isoladamente, mas a transição entre um e outro, a evolução (a passos vagarosos, mas evolução) pela qual nossa sociedade passa, sendo escancarada ali, na Literatura.
Antes de qualquer coisa, vamos deixar claro que esses movimentos são divididos de forma um tanto artificial. De um ano para outro o modo de viver em sociedade não muda tão bruscamente a ponto de iniciarmos um novo período com aspectos tão divergentes do período anterior. As mudanças são lentas, graduais e somente perceptíveis quando vistas de longe. Mas, a fim de poder estudar de forma mais organizada, é interessante que as divisões sejam feitas dessa forma.
Comecemos então pelo primeiro ciclo estudado na Literatura norte-americana (LNA, para os íntimos). Como se sabe, o país foi colonizado pelos ingleses numa época muito próxima à colonização do Brasil pelos portugueses. Então são estes os primeiros escritores reconhecidos de lá: os colonizadores. Eles eram em sua grande maioria homens brancos, ricos e muitos tinham algum cargo político e escreviam sobre normas de boa conduta na sociedade (verdade seja dita, o que eles consideravam boa conduta). Outros escreviam sobre as lavouras, relatavam suas boas e más experiências de colheita, ou seja, discorriam sobre suas vivências naquela época. Historicamente é bastante interessante aprender mais sobre o colonialismo, mas confesso que sentar para ler (e analisar, porque na Literatura sempre tem essa segunda parte) as obras literárias é um tanto maçante.
Já comecei desanimando vocês, mas vamos lá ver quais foram as produções literárias mais significantes da época. Uma das obras mais representativas do movimento é “Of Plymouth Plantation” do William Bradford. Ele era inglês, mas se mudou para os EUA para se tornar governador da colônia de Plymouth. Ele não só descreve os acontecimentos da colônia, como também tenta explicá-los se baseando nas suas crenças religiosas, refletindo também o modo de pensar de toda a sociedade da época. Basicamente, tudo o que acontece de bom é considerado benção divina, enquanto tudo o que acontece de ruim é culpa de pecadores, pessoas que não se dedicaram o suficiente às tradições religiosas.
Outro autor que deve ser citado aqui, popularmente conhecido nos tempos atuais graças à Disney, é o John Smith. Ele era advogado e governador da Baía de Massachusetts, era contra a ampliação do direito ao voto, além de outros posicionamentos altamente conservadores. Escreveu “A Model of Christian Charity”, um manual de boas maneiras para que o povo pudesse se livrar do pecado, recheado de críticas ao catolicismo e seu apego às coisas materiais, já que Smith era luterano e se opunha frequentemente à igreja católica. Também escreveu “A true relation of occurrences and accidents in Virginia”, ou encontrado somente como “True relations”, em que ele conta a história de Pocahontas, filha de um chefe indígena que protegeu Smith, que era seu tutor de língua inglesa, dos nativos. Pocahontas e Captain Smith realmente existiram, mas nunca tiveram um romance. Depois desse contato quando a pequena indígena era apenas uma criança, foram se encontrar bem mais velhos, e de acordo com os registros do próprio Smith, Pocahontas se declarou decepcionada com ele por não ter sido capaz de manter a paz entre sua tribo e os colonizadores.
No colonialismo, vamos encontrar raras autoras mulheres (e nenhum negro). A única mulher que é mais amplamente estudada nesse movimento acaba sendo a Anne Bradstreet. Anne era de família rica e tradicional e se casou com Simon Bradstreet, governador da colônia de Massachusetts. Escrevia majoritariamente poemas de cunho moralista/religioso, como o conhecido “Upon the burning of our house”, escrita autobiográfica em que uma mulher sofre a perda da sua casa por causa de um incêndio, se desespera, mas encontra ali uma lição divina: aprender a não se apegar a bens materiais. Como em boa parte das produções literárias do período colonial, tudo que acontece de bom é considerado benção divina e tudo que acontece de ruim é ou culpa dos humanos ou uma lição a ser aprendida (frequentemente os dois). Em outro poema seu bastante conhecido, ela se declara ao ser amado: “To my dear loving husband” pode ser lido como um poema de amor ou, com um olhar mais crítico, um retrato da submissão da mulher ao homem, que era infelizmente mais extrema no século XVII do que nos tempos atuais.
Outro autor que pode ser mencionado aqui é Edward Taylor, que, assim como Anne Bradstreet, também escrevia poemas. Um de seus poemas mais frequentemente analisados é “Upon a Spider catching a fly”, bastante metafórico, em que uma aranha representa uma figura superior maligna. Na história, uma vespa esperta consegue fugir da aranha e uma mosca, pequena e vulnerável, fica presa na teia e perde a vida. A lição de moral deixada aqui por Taylor é a de que, se você, humano, for fiel a Deus e correto como a vespa, você será salvo, mas, se você for fraco como a mosca, você não resistirá às teias ardilosas da aranha atroz.
No colonialismo, praticamente todos os registros literários acabam sendo a mesma coisa: produção de cunho religioso, demasiadamente puritana, feita por homens brancos, ricos e poderosos. Podemos observar a falta de diversidade nessas primeiras pinceladas literárias na Literatura norte-americana, remontando ao século XVII, já que Literatura é realmente um retrato da época analisada, um registro de como as pessoas pensavam na época, o que consideravam importante, e também um retrato de quem tinha (e não tinha) voz (ou melhor, papel e caneta) para poder se expressar. No decorrer da História, felizmente (porém, vagarosamente) as temáticas retratadas nas obras literárias passam a ser mais diversificadas, assim como seus autores. Vamos observando cada vez mais diversidade e liberdade de um período literário para outro. Do colonialismo para o romantismo, do romantismo para o realismo, do realismo para o modernismo e do modernismo para o pós-modernismo (que continua vigente até os dias atuais).
Na parte 2 deste panorama histórico acerca da Literatura norte-americana, vou discorrer sobre o Romantismo, período longo e com vasta produção literária, de Emily Dickinson a Edgar Allan Poe, nos mostrando que barreiras foram transpassadas do colonialismo para o romantismo, e quais ainda ficarão para os próximos movimentos literários.