O título do post dá a entender que vamos calcular a trajetória de um Físico né? É quase isso, mas sem cálculos. É uma historinha…
Oi, eu sou o Leo. Em geral escrevo sobre Física aqui neste web-sítio, em especial sobre Mecânica Quântica. E eu estava a algum tempo sem escrever para o Portal Deviante, por motivo de paternidade, e em breve (no próximo texto de minha autoria) tentarei relatar algumas coisas sobre parentalidade na ciência (começarei por paternidade, por motivos de eu ser papai, e depois tentarei abordar, mesmo que superficialmente, o assunto muito mais complexo da maternidade na carreira científica).
Mas, antes de falar destes assuntos paternos, surgiu no grupo de redatores do Portal Deviante o assunto mais fraterno (hein, entenderam? Paterno, fraterno…): trajetórias acadêmicas. O assunto foi trazido pelo Lenin (o Lopes, redator no Deviante… não o Vladimir Ilyich Ulianov/Lenin revolucionário comunista Russo), e como bom Físico que ama trajetórias (tô cheio de piadolas hoje), resolvi contar a minha história acadêmica. No final do texto seguem algumas fotos dessa história.
Resumo
Começando pelo fim: hoje sou professor associado da Universidade Federal de Viçosa, Campus Florestal (uma cidadezinha de 7 mil habitantes, próxima a BH, Minas Gerais). Trabalho na UFV desde 2010, lecionando disciplinas de Física Básica e Avançada (Física 1, 2, 3, Física Quântica, Eletromagnetismo, Relatividade Geral, etc.), e oriento estudantes de Iniciação Científica em Fundamentos de Mecânica Quântica e também em Ensino de Física. Faço parte também de um projeto de Aerodesign, no qual temos uma equipe composta por 10 estudantes, cujo objetivo é construir aeronaves radiocontroladas para a competição SAE Brasil Aerodesign.
OK, depois dessa carteirada, fica a pergunta: como eu cheguei até aqui? O que me levou a fazer Física? Como foi a trajetória acadêmica neste curso? Vou dar um spoiler: eu NUNCA tive vontade de fazer Física como curso de graduação, até entrar no curso de Física. Pra responder a estas perguntas, temos que voltar ao ano de 1994. Vai aparentar que vou divagar um pouco, mas a coisa vai engrenar. Algumas dicas vão ser dadas ao longo do texto… vai por mim! :)
Antes da Graduação
Leozinho, com seus 14 anos, era um moleque que AMAVA videogame. Simplesmente eu sabia tudo sobre os consoles da Sega e da Nintendo (sou Nintendista, sempre fui, até hoje sou, e provável que sempre serei). Sabia os atributos técnicos, quantidade de cores, bits dos consoles, bytes de jogos, características de cada console.
Em 94, com o Brasil sendo TETRA, acabei por ficar sabendo da existência do CEFET e do Coltec (Coltec é a escola técnica da UFMG). Notem: eu era um moleque do interior de MG, que curtia videogame. Nunca tinha saído de casa. E fui numa ideia de “OK, sei de videogame, vou fazer informática”.
Estudei e tentei o vestibular do CEFET e do Coltec para a grande área de Eletroeletrônica, e passei no CEFET. E lá fui eu, moleque do interior, estudar em BH, aos 15 anos de idade em 1995. Na mesma época (1994 ou 1995) minha mãe praticamente financiou um PC pra gente, um 486 DX4 100, que era o TOP DOS TOP da época. O nerdola aqui começou a estudar os manuais da placa mãe do PC pra “jumpear” e “turbinar” o PC… detalhe: nunca queimei nada nele! Hahaha
No CEFET o processo era o seguinte: no 1º ano você tinha aulas do antigo científico (Ensino Médio de hoje), e ao final do 1º ano você escolhia um dos cursos de sua grande área. No meu caso, a grande área de eletroeletrônica continha os cursos de: informática, eletrônica e eletrotécnica. Para escolher os cursos, era necessário ter nota. Quanto maior sua nota, era mais fácil você escolher, sendo que informática tinha as maiores notas de corte.
Durante este 1º ano a gente tinha também aulas de cada um destes cursos, e eu simplesmente ADOREI as aulas de eletrônica. Adorava soldar, mexer com placas de circuito impresso, componentes, etc. Sendo assim, acabou que escolhi cursar eletrônica, e me formei no Ensino Técnico do CEFET ao final de 1997.
Formei em eletrônica e continuei apaixonado pela área, o que NÃO aconteceu com muita gente da minha turma, que formou em eletrônica e mudou completamente de área, indo cursar Direito, Nutrição, Terapia Ocupacional, etc.
E aqui vai a primeira #dica: cursos técnicos são EXCELENTES para te guiar, pelo menos em que área seguir. Eu terminei o técnico sabendo exatamente que queria algo nas Exatas. Se você está na idade de fazer curso técnico, e tem condições de cursar, faça curso técnico. E meu sonho, que não foi realizado na época, era ter cursado Engenharia de Controle e Automação, que era nas Exatas, que descobri ser meu “nicho” somente porque cursei o técnico.
Chegamos em 1998, o moleque Leozinho agora com 18 anos tinha que trabalhar, e fiquei trabalhando por 2 anos, com manutenção de impressoras, computadores e terminais de vídeo. Dos 18 aos 20 anos fiquei, por 3 anos (1997, 98 e 99) tentando entrar na UFMG, no curso de meus sonhos, Engenharia de Controle e Automação. Porém, não ia muito bem na segunda etapa do vestibular da UFMG, que era composto por 2 etapas: primeira etapa com prova fechada, e segunda etapa com provas específicas de questões abertas.
Notem: eu trabalhava o dia inteiro, tentava fazer cursinho de noite, mas era difícil estudar para passar em um dos cursos mais concorridos da UFMG. E naquela época, naquele SÉCULO, era muito mais complicado tentar vestibular, a gente tinha que se deslocar para cada cidade, tentar várias provas diferentes, gastar grana, muita grana…
Daí pensei: “OK, vou tentar em outra universidade, ficar um ano estudando, e tento de novo.” Fui olhar os cursos da UFV, e não tinha nenhuma graduação que me agradava. Então, vi o curso de Física e tive uma ideia: “Faço 1 ano de Física, vou aprender Física e Matemática pra segunda etapa, e estudo Química em paralelo.” Até então, nerdola que sempre fui, adorava ver o Mundo de Beakman, documentários de coisas do Universo, lia muito a revista Super Interessante, mas NUNCA havia sequer cogitado fazer Física. Inclusive, urrei pra passar em Física no 1º ano do CEFET, quase tomei pau. Meu plano era simples: entrar na UFV, e no final do ano ir pra UFMG fazer Engenharia. Mas aí… quando comecei o curso, meu plano degringolou.
A graduação em Física
Entrei na UFV em 2000, no curso de Física. Lá tinha uma disciplina chamada “Colóquios de Física”, para calouros. A ideia da disciplina era de seminários semanais, dados pelos docentes do Departamento de Física, sobre temas de interesse de cada um.
Comecei a gostar muito dos seminários, lembro claramente dos seminários de Dinâmica Orbital, de Fractais… mas um deles me marcou. Um professor foi falar sobre Gravitação, e falou sobre Relatividade Geral. Mostrou que a Terra orbita o Sol num espaço-tempo deformado, deformado pela própria Gravitação, e que essa deformação “guiava” o movimento da Terra e de todos os outros corpos.
Meus olhos brilharam… fiquei maravilhado, e lembro de pensar “TENHO QUE SABER COMO ISSO FUNCIONA.” Foi o fim de meu plano de ir pra UFMG, e o início da minha trajetória acadêmica na graduação. Me dediquei completamente ao curso de Bacharelado em Física., e minha trajetória dentro da Física também foi sinuosa.
Spoiler: durante toda a graduação eu NUNCA tive vontade de ser professor.
Aqui vai a segunda #dica: aos 18-20 anos, EM GERAL, a pessoa não sabe direito o que quer da vida, o que quer cursar. Pode ter uma ideia de uma grande área (saúde, exatas, biológicas, humanas, etc.), mas o que exatamente vai cursar, em geral, não se sabe. Sempre fui uma pessoa de “seguir com o fluxo”, e usei essa paixão pelos colóquios para me manter no curso. E mais que isso, sempre fui uma pessoa que não desistia fácil, não se deixava abater por frustrações (como ir mal em provas, etc.). Então a dica é essa: se você está com dúvida, tente, mas não se deixe abater por primeiras e pequenas frustrações (como por exemplo ir mal em alguma disciplina da Universidade… isso é “normal”). Como diria Raul: tente outra vez. Seja um pouco resiliente, insista. Não confunda essa dica com sofrimento, se você está sofrendo procure auxílio. Mas, na medida do possível, tente, persista.
Durante o curso de graduação eu continuei me apaixonando mais e mais pela Física, pelo curso, por meu grupo de amigos e amigas (que foram fundamentais para minha formação), e pela cidade de Viçosa (ÊÊÊÊ Viçoooosa!).
Fui monitor de “Física 1” e de “Introdução aos Fluidos e Termodinâmica”, o que me ajudou muito a me organizar pra fazer exercícios. Também fui bolsista de Iniciação Científica em dois projetos: um projeto experimental em que produzimos um sistema de aquisição de dados para o laboratório de crescimento de cristais, e um projeto teórico sobre Dinâmica Orbital, em que estudamos a estabilidade de regiões de ressonância no cinturão de asteroides do sistema solar.
Aqui devo agradecimentos aos meus dois orientadores na graduação:
- no projeto experimental fui orientado pelo Dr. Alexandre Tadeu. Em um momento em que me senti meio desmotivado na Iniciação Científica, lembro que o Alexandre notou que eu estava meio chateado e me procurou, trazendo vários artigos sobre eletrodeposição e eletromagnetismo. Fez isso para me motivar, e isso aconteceu. Um dos grandes trabalhos de ser professor é justamente motivar seus alunos e suas alunas, e o Alexandre me inspirou com essa conversa. Tento fazer o mesmo com meu grupo de estudos. Muito Obrigado, Alexandre.
- no projeto teórico fui orientado pelo Dr. Ricardo Cordeiro. Neste projeto tive a incrível oportunidade de trabalhar com um dos maiores especialistas em dinâmica orbital do Brasil. O prof. Ricardo me ensinou a programar (FORTRAN90), me ensinou sobre dinâmica orbital e teoria de perturbações, me ensinou a analisar os diversos dados que obtínhamos (cada programa ficava rodando de 3 dias a 3 meses). Prof. Ricardo também me ensinou o poder da Matemática. Publicamos um artigo juntos, com uma abordagem nova sobre a dinâmica de certas regiões do sistema solar. Muitíssimo obrigado, Ricardo.
Aqui posso dar a terceira #dica: minha trajetória, a partir do momento que entrei na graduação, não foi linear. Comecei em trabalhos experimentais, fui para computacional/teórico em teoria clássica da Física, e depois mudei mais duas vezes na pós-graduação. Na dica anterior eu disse para ser resiliente, mas essa “resiliência” tem limite. Se você sente que deve mudar de área, insista um pouco, e se notar que deve mudar, ir para outro caminho, mude. Siga conselhos, converse com bastante gente, e mude.
Nas etapas finais do curso, me interessei muito por Mecânica Quântica, Relatividade Geral, e Teoria Quântica de Campos – TQC (esta última, uma das teorias físicas de maior precisão, que estuda como campos de interação, tipo o eletromagnetismo, são quantizados… nesta teoria ocorre uma união entre Relatividade RESTRITA e Mecânica Quântica).
Lembro de uma conversa que tive com o Prof. Ricardo, sendo que eu tinha grande chance de entrar no mestrado em Física da UFV e ser seu aluno de pós-graduação. Ele me disse algo do tipo: “Leonardo, está escrito na sua testa que você quer Teoria de Campos. Siga seu caminho.”
Eu havia visto uma palestra de uma Professora da UFMG, chamada Maria Carolina Nemes. Em sua incrível palestra, ela discorria sobre os limites das Teorias Físicas, de como a Mecânica Quântica tangenciava a Relatividade na TQC, e de como os limites entre Mecânica Quântica e Física Clássica eram desconhecidos, de quão pequeno algo tinha que ser para ser considerado “Quântico” ou “Clássico”.
Adorei a palestra e também como aquela mulher falava com tanta paixão sobre Física. No final do curso tentei mestrado em vários lugares, dentre eles: UFV, UFMG, CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), Observatório Nacional, UFPE. Passei em todos, mas escolhi ir para a UFMG, muito pela palestra da Prof. Carolina.
Aqui vai uma quarta #dica: não tenham vergonha de tentar trabalho ou pós-graduação em vários lugares. Já ouvi colegas dizerem que é “feio” tentar em muitos lugares, pois mostra indecisão. Discordo. No meu caso, que dependia exclusivamente da bolsa para sobreviver (pagar aluguel, me alimentar, tomar minha cerveja, etc.), era imprescindível eu ter bolsa e conseguir morar numa cidade vivendo “só de bolsa”. No meu caso, eu tinha que tentar vários lugares para poder maximizar minhas chances de ter bolsa.
E aqui uma quinta #dica: em qualquer curso de graduação você vai ter aulas boas e ruins. Professores bons e ruins. Colegas legais e chatos. Eu via a oportunidade das aulas ruins para estudar e aprender em casa, usava as aulas como guias do que estudar, como índice, e fazia algo autodidata. Aproveite as boas aulas (elas existem SIM), e use as aulas ruins para aprender também, no mínimo em como NÃO fazer as coisas. Não menospreze um curso inteiro só pelas aulas ruins (OK, se for tipo 90% de aulas ruins, menospreze). Lembrem-se: graduação NÃO É SÓ AULAS, é muuuuuito mais que sala de aula.
Mestrado e Doutorado
Entrei na UFMG em 2004, e fui conversar com a Profa. Maria Carolina Nemes. Lembro EXATAMENTE do meu primeiro contato com ela. Bati em sua porta e disse: “Olá Professora, a SENHORA tem um tempo para conversar?” Ela disse, com um sorriso grande: “Senhora está no céu, me chame de Carol.” Este primeiro contato me desconcertou um pouco, pois o ambiente que eu estava acostumado era mais formal. A Carol me mostrou que é possível ser uma pessoa “simples”, e impor hierarquia não na autoridade, mas no conhecimento. Carol foi uma das maiores Fisicistas do Brasil, sendo conhecida mundialmente. Dava aulas boas, mas vê-la trabalhando no quadro com Física foi uma experiência das mais transformadoras da minha vida. Era uma biblioteca de conhecimento em Física, e seu modus operandi era trabalhar com VÁRIOS estudantes. Seu grupo já chegou a contar com aproximadamente 20 estudantes, a maioria de pós-graduação (mestrado e doutorado). Carol tinha a grande facilidade de trabalhar “em paralelo”: se eu estava em sua sala trabalhando em Teoria Quântica de Campos, e entrasse algum estudante com alguma dúvida sobre Fundamentos de Quântica, ela shiftava muto rápido. Ela conseguia falar de quase todo assunto de Física simultaneamente. Era uma coisa realmente impressionante.
Disse à Carol que queria trabalhar com TQC, ela me deu alguns artigos pra ler, e um livro com alguns problemas básicos. Quando decidi trabalhar com TQC, ela me apresentou um trabalho sobre Anomalias Gravitacionais (caso alguém queira, posso tentar fazer um texto sobre o assunto). A ideia era aplicar uma ferramenta de Regularização inventada pelo seu grupo (a Regularização Implícita) em um modelo em 2D de Leis de Conservação, unindo partículas fermiônicas e gravitação. Com a também incrível coorientação do Prof. Marcos Sampaio conseguimos terminar este projeto em 1 ano e meio, e defendi meu mestrado, entrando no doutorado da UFMG, também sob orientação da Carol.
Durante minha transição do mestrado para o doutorado, conversei muito com Carol e com o Marcos sobre as áreas de TQC e Fundamentos de Quântica, sendo que ela trabalhava em ambas. Minha única certeza era continuar trabalhando com ela. Daí, destas conversas, achamos melhor eu migrar para Fundamentos de Quântica.
O motivo era bem burocrático: se eu permanecesse em TQC iria, ao final do doutorado, publicar 1 ou 2 artigos, no MÁXIMO. Poderia até fazer uma ótima tese, mas com poucas publicações. Em Fundamentos de Quântica eu teria a oportunidade de produzir mais artigos. E essa foi minha escolha, apoiada pelos orientadores, estudar Fundamentos de Quântica e Sistemas Quânticos Abertos (em especial com os chamados Estados Gaussianos… tem um Ciência sem Fio sobre o tema, vai lá! :) ).
Aqui vai uma sexta #dica: a vida é feita de escolhas, parece papo de coach quântico (e quase é!). Assuma suas escolhas, corra alguns riscos, tente trabalhar minimamente contente, e se precisar fazer mudanças, mude. Busque conselhos de pessoas que você confia, reflita, e se precisar mude.
Aqui também tenho que fazer dois agradecimentos:
- no mestrado tive co-orientação do Prof. Marcos Sampaio. Um excelente orientador, que tem uma profunda compreensão de Física de Partículas e TQC. Escreve artigos como ninguém, tem uma habilidade de escrita impressionante. Um sujeito muito bacana. Obrigado, Marcão.
- no mestrado e doutorado fui orientado pela Profa. Carol Nemes. Fico emocionado ao falar de Carol. Carol, Carolina, Carolzita, Carolzinha, minha mamãe científica. Carol foi uma pessoa incrível, um ser humano único. Tinha uma paixão pela ciência que era comovente. Conseguia trabalhar com VÁRIAS pessoas ao mesmo tempo. Respeitava a particularidade de cada pessoa, as vivências de cada pessoa. Ver Carol trabalhando era uma maravilha. Quando ela entendia algo dava pra ver em seus olhos a alegria da descoberta. Amava um café, e dava umas escapulidas das reuniões comigo pra tomar um cafezinho. Me ensinou muito sobre matemática, mecânica quântica, física. Tenho um enorme orgulho de ser um dentre as dezenas de estudantes de pós-graduação orientados por ela. Carol faleceu em 2013, num acidente doméstico em seu quintal, mas ela prossegue em cada estudante seu que continua dando aulas, orientando estudantes, fazendo pesquisa. MUITO OBRIGADO, CAROLZITA! Você vive na ciência que tentamos lecionar e produzir.
Aqui vai uma sétima #dica: dei uma sorte MUITO grande por ter tido uma orientadora e orientadores EXCEPCIONAIS na minha carreira. Pessoas que me ensinaram a ser um pesquisador com algum toque de humanidade. Isto, aparentemente e infelizmente, não é padrão. Vejo muitos colegas “pegando rabo” com orientadores que não tratam seus orientados(as) como… pessoas. Tento ao máximo evitar isto com meus estudantes, tento ser rigoroso com o que peço de tarefa, mas entender cada uma e cada um como indivíduas(os). A dica aqui então é: se você notar que está sendo prejudicado(a) psicologicamente ou fisicamente, se está notando algum abuso moral, saia dessa. Procure outra pessoa para te orientar, mesmo que seja chato ou que te atrase. E confie em seus amigos e amigas quando eles tentarem te dar um toque sobre algum abuso, pois nem sempre quem está sofrendo abuso percebe que ele ocorre.
Doutorado Sanduíche-iche
Durante meu doutorado tive a oportunidade, com bolsa da CAPES (ainda numa época sem o Ciência sem Fronteiras) de fazer parte do meu doutorado na Itália, mais especificamente na Università degli Studi di Salerno, no sul da Itália, onde fiquei por 6 meses.
Foi um período de intenso aprendizado, conheci uma pessoa brilhante, o Gerardo Adesso, com quem publiquei um artigo nesta época. Aprendi muito neste período, mas pessoalmente foi muito tenso, muito complicado, com muitas coisas pessoais pendentes. Não me arrependo de maneira alguma, pois foi um crescimento pessoal gigante. Ah, aqui também vale a quinta #dica acima: tente arriscar. Neste momento de minha vida arrisquei coisas pessoais, mas no médio prazo cresci MUITO, e foi ótimo colocando tudo na balança.
Se você chegou até aqui, obrigado. Já está quase acabando o texto. Vamos recapitular: entrei no técnico em eletrônica em 1995 → entrei na graduação em Física em 2000 → entrei no mestrado em Física em 2004 → entrei no doutorado em 2005. Até então eu NUNCA QUIS SER PROFESSOR! Meu plano era: vou terminar o doutorado e ficar uns 10 anos rodando o mundo fazendo pós-doutorado. Pô, é um plano do c4r4lh0, concordam?
E depois do Doutorado?
Pois é… em 2009 estava com este plano em mente, mas para pegar uma experiência tentei uma vaga de professor substituto na UFOP – Campus João Monlevade. Fui o único candidato e passei (UFA!). Entrei na UFOP pegando 3 disciplinas: Geometria Analítica e Álgebra Linear; Física 1; Física 2. Nunca tinha dado aula, a não ser pelas experiências como monitor da graduação e uma ou outra aula de estágio na pós-graduação.
Comecei a dar aula tremendo, turmas enormes, e eu pensando “que merda…”. Até que um dia dei uma aula de termodinâmica, que ficou uma completa BOSTA. Ficou uma merda de aula. Fiquei puto, fui pra casa, e passei a madrugada preparando novamente a aula.
Voltei no outro dia de aula, dei a mesma aula anterior, e ficou massa. A turma ficou espantada e perguntou: “Mas porque você tá dando a aula de novo?” Respondi: “Porque tinha ficado uma bosta, resolvi repetir.” Eles falaram: “Mas ninguém faz isso!” Só falei: “Beleza, eu vou fazer.” Neste dia voltei pra casa maravilhado, feliz pela aula, pela conversa sobre física gerada. Depois desse dia eu, que NUNCA QUIS DAR AULA, notei que eu amava dar aula.
Aqui fica a oitava #dica: tentem não descartar oportunidades, tentem deixar algum trunfo na manga. No meu caso, que fiz física, as opções eram: trabalhar numa indústria (tipo Petrobrás, Vale, Gerdau, Angra/Nuclear, etc.), ficar fazendo pesquisa como pós-doc, ou dar aula e fazer pesquisa em Universidades. Dar aula não era meu foco, mas, hoje, aula é meu sagrado, é meu altar, meu stand-up. Me dá um prazer ENORME conversar com estudantes, e aprender com eles. Sou muito feliz na profissão que me escolheu. Portanto, independente de área que você estiver seguindo, tente não descartar oportunidades.
Então em 2009, eu: dava aula na UFOP, escrevia minha tese de doutorado, e bebia. E bebia muito (não estou incentivando, só relatando minha vida). Daí, em 2009, surgiu um concurso na UFV, para trabalhar em uma cidadezinha pequena pertinho de BH (70km de Belo Horizonte), chamada Florestal. Pensei “Beleza, vou tentar só… ainda não tenho doutorado, não dá pra passar, mas vou tentar pra adquirir experiência.”
Professor da UFV
Tentei o concurso, e passei em 1º .Um concurso para prof. em Universidade Federal é, em geral, da seguinte forma: uma prova escrita, dissertativa; uma prova didática; e prova de títulos.
Na prova de títulos saí perdendo (não tinha doutorado ainda), mas fui muito bem nas outras duas. E dessa forma entrei como Professor na UFV, trabalhando na cidade de Florestal, onde vivo até hoje com minha esposa, minhas 3 filhas, e minha cachorra.
Nestes 13 anos de UFV, fiquei 1 ano ainda realizando pós-doutorado em 2015, na University of Nottingham, na Inglaterra, sob supervisão do Gerardo Adesso (período em que publicamos 3 artigos). Posso dizer que sigo cada dia tentando ensinar ciência, sem perder a “humanidade”, tentando melhorar sempre. E também posso dizer que sou feliz no que faço.
Dentro da Universidade, meu trabalho se resume a:
- dar aulas (em média 12 horas por semana, ou umas 3 disciplinas de 4 créditos), sendo que atuo na Física básica e em disciplinas avançadas (eletromagnetismo, mecânica quântica, estrutura da matéria, relatividade geral, etc.).
- tenho um grupo de estudos em fundamentos de mecânica quântica, sendo que hoje (fevereiro/2023) tenho 2 estudantes com bolsa de Iniciação Científica.
- tenho também um grupo de pesquisa em ensino de física, onde trabalhamos com metodologias ativas de ensino (Peer Instruction) e também gamificação/RPG.
- participo da equipe de Aerodesign no Campus, equipe Acauã, que fabrica aeronaves radiocontroladas para a competição SAE Brasil Aerodesign, sob orientação do Prof. Robson Santos.
- tenho um canal de youtube onde coloco várias das minhas aulas, gerando assim uma parte de extensão universitária (www.youtube.com/c/LeonardoSouzaProf).
- participo do Portal Deviante com textos de divulgação em Física e Ensino de Física, e também já participei de alguns SciCasts.
- participo de parte da administração de Campus, mas desde que minhas filhas nasceram estou um pouco ausente disso.
Outro resumo
Enfim, depois deste texto ENORME (quem mandou acadêmico escrever sobre si próprio?), deixo a última dica: minha trajetória foi linear e também não linear. Segui o padrão (grad→mest→dout→concurso), mas em diversas subáreas diferentes (experimental→computacional→ teórica→ gravitação → TQC → Quântica). Tive a grande SORTE de ter orientadores excelentes, além de amigas(os) e colegas que estavam sempre presentes, pessoas capazes e muito legais, que me auxiliaram muito.
Uma coisa que a Física, e a vida na Academia, me proporcionou foi conhecer pessoas muito legais, e conhecer diversos lugares do mundo, que eu quase com certeza não teria chance fazendo outro trabalho. Não posso dizer que tive dificuldade em comparação com várias outras pessoas, mas também não posso dizer que foi fácil. Aprender é um processo complicado, mas que dá enorme prazer quando cumprido.
Não sei se alguém vai chegar até aqui, e se chegar, obrigado. Siga seu caminho, construa sua estrada. Pegue as pedras que te jogarem, e use na sua obra. Seja ético, dê exemplos, tente ser feliz.
#Dica final: tente, na medida do possível, trabalhar contente.
Forte abraço,
Leo.
Referências:
SILVA, A. G.; SOUZA, L. A. M. ; CARVALHO, A. T. G. ; CARVALHO, R. S. Efeitos de um campo magnético estático sobre a eletrodeposição de metais. In: I Simpósio Mineiro de Ciência dos Materiais, 2001, Ouro Preto. Livro de Resumos, 2001. p. 53-53.
(Artigo da graduação) CORDEIRO, R. R., MENDES DE SOUZA, L. A. Anomalous diffusion in the first-order Jovian resonance. Astronomy&Astrophysics 439 (1) 375-385 (2005) DOI: https://doi.org/10.1051/0004-6361:20052798
(Artigo do Mestrado) SOUZA L. A.M., SAMPAIO M., NEMES M.C. Arbitrary parameters in implicit regularization and democracy within perturbative description of 2-dimensional gravitational anomalies, Physics Letters B, 632, (2006) DOI: https://doi.org/10.1016/j.physletb.2005.11.006
Dissertação de mestrado: https://www.fisica.ufmg.br/posgraduacao/defesas/mestrado-2005-leonardo-souza/
Tese de doutorado: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/ESCZ-7ZFGKK
Uma lista para minhas publicações em quântica pode ser encontrada em: https://arxiv.org/search/quant-ph?searchtype=author&query=Souza%2C+L+A+M
Sobre a Carol:
Currículo: https://www.escavador.com/sobre/4914845/maria-carolina-nemes
Academia Brasileira de Ciências: http://www.abc.org.br/membro/maria-carolina-nemes/
Prêmio Maria Carolina Nemes (dedicado a “a mulheres físicas em início da carreira cujo trabalho de pesquisa tenha contribuído de forma significativa para o avanço da física ou do ensino de física no país”): https://sbfisica.org.br/v1/sbf/premios/premio-carolina-nemes/
Um TCC sobre mulheres na ciência, onde se aborda parte da carreira da Carol: https://repositorio.ucb.br:9443/jspui/bitstream/123456789/12479/1/TamaraFerreiraDantasTCCGraduacao2016.pdf