Chegamos ao final do ano de 2024! Esta volta ao redor do sol foi repleta de muitas discussões, dores de cabeça e bastante preocupação, mas já estamos finalizando mais um ano de nossas vidas, com boas promessas para o ano vindouro.
Sempre é bom estar aqui com vocês, leitores e divulgadores do Portal Deviante. Poucas comunidades da internet são capazes de trazer tanto conhecimento de diversas áreas, e com uma profusão de divertimento que é impensável em outros grupos de ciência, tecnologia e sociedade. Estamos ouvindo e lendo a ciência mais divertida do Brasil! Isso eu não tenho dúvida.
Para comemorar mais um ano de muito trabalho duro, estarei discutindo com vocês hoje sobre os tópicos mais quentes de Cultura Alimentar em 2024. Este artigo especial é algo que sempre faço todos os anos desde 2020, relembrando grandes momentos da nossa jornada anual que estiveram relacionados com ciência, cultura, tecnologia e política alimentar.
Eu sempre coloco as informações na ordem em que os eventos aconteceram. Espero destacar notícias interessantes, mas você também pode comentar qualquer outra que ache importante! Não deixe de dar uma conferida nos textos de 2020, 2021, 2022 e 2023 para relembrar! Agora vamos nessa!
1. Carne bovina dentro do grão de arroz?
Cada dia que passa, a carne cultivada em laboratório se torna ainda mais uma realidade palpável. Em fevereiro de 2024, fomos surpreendidos com uma nova combinação que inovou o conceito de carne cultivada: o arroz bovino [1]. O alimento foi produzido de maneira um pouco mais “artesanal” do que outras técnicas de cultivo da carne bovina em larga escala, e esse foi o interessante do método.
Basicamente, cientistas sul-coreanos injetaram células cultivadas de bovino em gelatina de peixe, uma solução perfeita ao crescimento celular. Logo depois, a solução foi inserida em grãos de arroz, em que células bovinas — músculo bovino e célula-tronco de gordura — começaram a produzir ainda mais sabor. O vegetal foi cultivado por dez dias, criando um alimento híbrido mais proteico e diferente.
A alternativa de carne cultivada ganhou destaque nos últimos anos. principalmente sobre a drástica diminuição da demanda de solo, água e outros suprimentos para formular a proteína animal, em contraste com a pecuária intensiva. Desta forma, espera-se uma diminuição significativa da pegada de carbono desse alimento em comparação com os métodos tradicionais.
Dentre os benefícios indiretos da produção de carne cultivada ao invés da pecuária, está a diminuição da dependência do mercado com relação aos grandes frigoríficos, maior segurança alimentar, diminuição dos transportes e de uso de medicamentos na cadeia produtiva. Mas a tecnologia ainda precisa de mais desenvolvimento para o mercado de proteína animal embarcar de vez nessa tendência.
Muitas empresas e startups já estão investindo muito dinheiro em unidades fabris desse alimento, principalmente as grandes indústrias. A tendência futurista ainda encontra certas resistências, tanto culturais quanto regulamentares e econômicas. Porém, a tendência está posta à mesa e não podemos negá-la em anos vindouros!
2. A polêmica regulamentação dos trabalhadores delivery
Em abril desse ano, tivemos certo “avanço” na regulação dos trabalhadores por aplicativo. Porém, uma categoria profissional que precisava ser contemplada, o motorista delivery, ficou de fora. As principais medidas reivindicadas pelos entregadores não foram consideradas minimamente interessantes. O impasse entre a categoria e as plataformas de entrega resultou na retirada dos entregadores delivery do Projeto de Lei nº 12/2024, que agora só contempla motoristas sob quatro rodas.
A intransigência das plataformas foi muito lembrada durante as discussões, bem como a ausência em pontos-chave do diálogo com o governo [2]. Entre as pautas reivindicadas pelos trabalhadores, encontram-se a Consolidação das Leis do Trabalho, remuneração básica e seguro contra acidentes. Lembrando que os entregadores se sujeitam a jornadas exaustivas de trabalho, mantido sob seus próprios custos e sem segurança.
Representantes da plataforma deixam explícito o quanto não consideram seus motoristas como trabalhadores. Durante as discussões, observaram pagamento máximo aos colaboradores bem menor do que o necessário para manter o custo do transporte. Consoante a esta pauta, diariamente cresce a importância dessas plataformas na empregabilidade dos brasileiros. O tema ainda vai ser muito revisitado no futuro.
3. A tragédia no Rio Grande Sul…
Uma catástrofe natural atípica mexeu com o Brasil em maio de 2024, atingindo diversos estados do país, e em especial o Rio Grande do Sul [3]. Em virtude de fortes chuvas e tempestades torrenciais, a região gaúcha foi varrida, deixando bilhões em prejuízos materiais e mais de uma centena de mortos. Rapidamente, podemos perceber que a tragédia foi desdobramento direto tanto do descaso político, quanto das mudanças climáticas — o que não deixa de ser um descaso político.
Estima-se que 2,3 milhões de gaúchos foram atingidos diretamente tanto por perda de bens quanto pela ausência de familiares e amigos… O evento foi de tal magnitude que teve desdobramento em diversas outras áreas importantes, como na segurança alimentar. Os índices de insegurança sobre alimentação tornaram-se mais abrangentes e contínuos, afinal o abastecimento tornou-se muito mais dificultoso às regiões atingidas. Tivemos oportunidade de relatar os eventos tanto no meu texto sobre Insegurança Alimentar quanto no podcast do portal. Não deixe de conferir para relembrar.
A tragédia também será lembrada pela forte corrente de solidariedade pela qual o Brasil mostrou sua força, excepcionalmente no quesito alimentar e de suprimentos. Bancos alimentares, doações, cozinhas solidárias e trabalho voluntário dominaram o estado após a tragédia. Muitas organizações fizeram frente para conter o pior da fome, demonstrando a resiliência das pessoas nos momentos mais difíceis. E esse será o nosso legado daqui à frente também.
4. Anvisa, no céu tem pão com álcool?
Brincadeiras à parte, uma notícia preocupante tomou de assalto as discussões sobre alimentação. Em julho, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária — Anvisa — abriu um processo para instaurar medidas cabíveis aos fabricantes de pão de forma. Na ocasião, um estudo da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Proteste, apontou oito marcas famosas com altas concentrações de álcool [4]. O componente químico, mesmo sendo natural do processo fermentativo, é adicionado como conservante, não tendo nenhum efeito à saúde em baixas concentrações.
Segundo as agências, marcas conhecidas como Visconti, Bauducco e Wickbold tiveram resultados avassaladores, com o possível apontamento positivo no caso de teste do bafômetro. Já pensou em ser parado na lei seca depois de ter comido umas fatias de pão? Apesar de alarmante, mesmo assim ainda era necessário comer muito pão (mais de dois pacotes) para que o efeito do álcool pudesse ser “socialmente aparente”.
Importante salientar que os níveis de álcool apontados pelo estudo já tinham ultrapassado a quantidade de álcool permitida para crianças. Muito se relacionou esta notícia também com a fiscalização mais pesada aos azeites fraudados, por volta de setembro. Práticas de mercado antiética podem prosperar em um terreno com pouca ou nenhuma fiscalização, como mostram estes dois casos. A regulação pelos setores governamentais evidencia a importância da existência dessas agências em nossas vidas, mesmo que pouco nos demos conta muitas vezes.
5. A briga improvável: Carrefour x Frigoríficos!
O embate mais improvável do ano veio acontecer em novembro, enquanto terminava de escrever este texto [5]! Em protesto contra o acordo comercial Mercosul x União Europeia, o presidente do grupo, Alexandre Bompard, anunciou que não irá mais vender carne oriunda do Mercosul em território francês. A decisão desencadeou uma resposta à altura do setor agropecuário brasileiro, que decidiu não mais fornecer o produto à rede atacadista no Brasil.
A reação incidiu em diversas reações e posicionamentos. Associações como a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e mais 42 reforçaram em carta conjunta o comportamento protecionista do grupo francês. O governo brasileiro indicou que o grupo atacadista se utilizou de subterfúgios de barreira sanitária para conseguir formar uma barreira comercial.
Ou seja, o grupo francês indicou, mesmo sem provas, que a carne brasileira pode ter uma série de problemas de ordem sanitária. Porém, os padrões de exportação de produtos cárneos do Brasil sempre atendeu bem ao mercado francês. Desta forma, indicar crises não existentes só serviria para criar um receio no mercado local, atacando o princípio de livre comércio entre os países.
“Se uma carne brasileira não serve para abastecer o Carrefour na França, é difícil entender como ela poderia ser considerada adequada para abastecer qualquer outro mercado. Afinal, se o Brasil, com suas práticas sustentáveis, sua legislação ambiental rigorosa e sua vasta área de preservação, não atenderia aos critérios do Carrefour para o mercado francês, então, provavelmente, não atenderia aos critérios de nenhum outro país.” — indicou o governo.
Referência de qualidade de exportação em proteína animal, o Brasil responde por 20% do faturamento do grupo. Apesar do pedido de desculpas, o comunicado aumentou as desavenças antigas entre os dois mercados. Espera-se que o próximo ano traga mais um capítulo dessa novela internacional.
Só para finalizar!
Carne é um tópico quente todos os anos. O mercado tem sofrido uma série de remodelações em virtude tanto das mudanças climáticas quanto da necessidade de sustentabilidade no setor pecuário. Empresas já têm indicado sua preferência por alterar as cadeias de abastecimento nas fases iniciais, como a carne cultivada. Mas a maneira como o mercado irá absorver essas mudanças ainda é uma incógnita muito grande, principalmente levando em consideração o peso cultural da carne em países como Brasil.
A regulamentação dos trabalhadores tem sido um tema quente desde 2020. É esperado uma grande movimentação dessa classe profissional, tanto a favor quanto contra às mudanças governamentais. Só nos resta esperar para entender como será o comportamento desse segmento.
O ano de 2024 foi bastante intenso sobre muitos assuntos. Nós do Portal Deviante tivemos o privilégio de trazer notícias frescas sobre ciência para você, a fim de que possamos nos deliciar e também pensar criticamente nossa sociedade.
Esperamos que no próximo ano possamos estar levando ainda mais informações e conhecimentos para todos vocês, para que juntos possamos fazer a ciência mais divertida do Brasil! Desejo à todos um feliz natal e um ótimo ano novo!