E chegamos a mais um final de ano! Aqui no Portal Deviante não paramos um único dia e estamos orgulhosos de trazer assuntos interessantes para vocês, leitores e ouvintes. Mais um ano precisa ser comemorado por termos uma comunidade tão empenhada, sempre fazendo a ciência mais divertida de todas!

Aqui no portal, passamos notícias sobre muitos assuntos científicos, tecnológicos e de interesse cultural. Estive o ano inteiro com vocês cobrindo tópicos importantes sobre Cultura Alimentar e outros interesses. E esse foi um ano de muita discussão nessa temática!

O ano que se seguiu foi muito importante por marcar uma virada contra o desmantelamento científico, ambiental e sanitário. Porém, muitos embates com certeza marcarão presença em nosso futuro próximo. Alimentos mais baratos e discussões sobre trabalho estiveram presentes em quase todos os momentos desse período. Vocês acompanharam?

Para comemorar o fim do ano, irei trazer um clássico pessoal: o Top 5 de Cultura Alimentar. Neste texto, revisitamos juntos notícias importantes relacionadas com alimentação por ordem cronológica. Já leu o texto de 2020, 2021 ou 2022? Clique nos links e reveja como foi no passado. Vamos começar agora!

 

1. A escravização em vinícolas famosas…

 

Fevereiro abriu o ano com a chocante apuração em algumas vinícolas bem conhecidas. As mesmas estavam envolvidas com trabalho análogo à escravidão, um crime perante a justiça e contra a humanidade.

As vinícolas das empresas Aurora, Salton e Garibaldi empregavam pessoas com condições mínimas de subsistência, em regimes de trabalho e moradia que beiravam ao desumano [1]. Em março, as companhias foram condenadas ao pagamento de sete milhões de reais – cinco por danos morais coletivos e  dois por danos individuais. 

A ação do MPT e da PF reconheceu ainda outros problemas relacionados à escravização, como atraso nos pagamentos, longas jornadas de trabalho, agressão física e cárcere privado. Os trabalhos se iniciavam de madrugada e perduravam até horários próximos da meia noite, quase sem parada alguma.

Na prática, as atividades extrativas eram de responsabilidade de uma empresa que terceirizava os serviços. Porém, não havia como as organizações não estarem sabendo dos costumes e processos dessa companhia. A vinícola Aurora, por exemplo, esbanjava um brilhante selo de reconhecimento “Best Place to Work” (Ironicamente, “melhor lugar para trabalhar”).

O impacto dessa notícia reverberou por um longo tempo, com campanhas de boicote aos produtos oriundos dessas vinícolas se estendendo até hoje. Ações como essa reiteram a necessidade de nunca nos esquecermos de lutar contra a escravização, e também criticar as pessoas que a cometem.

 

2. O motoboy e o Ifood.

 

Em maio, tivemos um caso bem curioso que viralizou no Tik Tok. Um entregador do Ifood gravou um vídeo muito esclarecedor, sem dizer palavra alguma [2]. As filmagens mostram o contraste das condições de trabalho com uma funcionária fixa do Ifood, que fazia um tour pelo escritório.

 

Print do vídeo viral. Nele, à esquerda, aparece o escritório do iFood e, à direita, o entregador do iFood, fazendo uma comparação entre os dois.

 

O react do entregador elucida condições materiais bem diferentes entre entregadores (considerados empreendedores ‘pejotizados’) e funcionários do aplicativo. Muitos encargos que valorizam as condições de vida e trabalho não são pagos pela empresa, que não os reconhece como recursos humanos fixos. 

Em certos momentos do vídeo, a funcionária comenta sobre o acesso gratuito à comida e às bebidas, enquanto o entregador mantinha somente uma garrafa de água e um biscoito recheado como seu almoço. As diferenças de tratamento são gritantes entre os colaboradores.

Essa discussão seguiu a esteira da notícia das vinícolas comentada logo acima. Em maio, mês do trabalhador, lancei um texto bem elucidativo sobre as condições de trabalho em serviços de alimentação, como podem ver aqui

Estudos afirmam que quase metade dos entregadores pode trabalhar mais de dez horas por dia, sendo que 61% trabalha durante todos os dias da semana. O vídeo do motoboy almoçando biscoito na calçada apenas escancarou uma discussão que precisa urgentemente de avanços na esfera legislativa.

 

3. Uma Reforma Tributária, duas cestas, muitas isenções?

 

Em aceno à população, o relator da Reforma Tributária (em tramitação no Senado) indicou que itens da cesta básica poderão ficar com alíquotas de impostos zeradas nos próximos exercícios. A medida visa garantir maior conforto econômico às classes menos abastadas, bem como fomentar o consumo básico.

Mais do que isso, a Reforma prevê a criação de duas cestas básicas diferentes [3]. A primeira, que teria a isenção completa, seria formada apenas por alimentos básicos à sobrevivência e reprodução simbólica humana. Itens como feijão, arroz, leite e farinha entram nessa classificação.

 

A medida visa diminuir desigualdades gritantes na arrecadação, porém existem outros pontos críticos que precisam de elucidação na reforma fiscal. Na imagem, vemos uma mulher branca fazendo compras em um supermercado.

 

A segunda cesta seria criada para prever uma isenção parcial aos itens nela contidos. Os itens desta cesta estendida teriam descontos que poderiam chegar a 90% contra os impostos. A ideia inicial também prevê um cashback na forma de restituição de impostos para pessoas de baixa renda. Entrariam nessa cesta produtos como legumes, frutas e verduras, com descontos também sobre o regime de cultivo (intensivo, orgânico, ILPF, etc.). 

Como em toda boa ideia, já houve movimentação de lobistas para inclusão de itens não essenciais, como salmão, caviar e mais de três mil itens dessa natureza. Outros produtos ultraprocessados também queriam estar nessa versão estendida, causando ainda mais preocupação aos movimentos sociais pela alimentação saudável. Por isso, debates com a classe sanitarista são necessários para estipular quais seriam os produtos que entram nas isenções. Algumas lideranças indicam que tais discussões não estão sendo postas em prática.

Muitos outros itens da Reforma Tributária se mostraram bem polêmicos, e ainda não sabemos direito quais itens serão mantidos como básicos ou não. Um cast sobre o tema seria interessante para o ano vindouro!

 

4. A saída da Rússia do Acordo de Grãos.

 

Em julho, tivemos uma notícia horrível chegando na esteira da guerra Rússia-Ucrânia. No dia 17, o Estado russo anunciou a saída formal do país do Acordo de Grãos, que permitia a passagem de grãos ucranianos através do Mar Negro, controlado politicamente pela Rússia.

Houve uma subida do preço do trigo e outros cereais imediatamente após a quebra do acordo, com o aumento sendo sentido em toda a região da Europa [4]. O acordo permitiu que 33 milhões de toneladas fossem transportadas a baixos custos para países emergentes, mesmo em tempos de guerra.

O interesse de Moscou com o acordo diminuiu após constatar conflitos com a produção de alimentos e fertilizantes oriundos da Federação Russa. Dessa forma, a Ucrânia precisou redirecionar suas exportações para suas fronteiras terrestres e portos de rios. A medida aumenta custos logísticos e diminui a rentabilidade dos investimentos de agricultores.

De maneira geral, especialistas classificaram a saída da Rússia como uma forma de “armamento alimentício”. O fenômeno ocorre quando acordos e itens de alimentação são utilizados para influenciar decisões políticas e diplomáticas. Você pode ler um pouco mais neste texto aqui.

 

5. A doação de duas toneladas de alimentos pelo MST (Conflito Israel-Hamas).

 

Com a intensificação e deflagração de guerra entre Israel e o Hamas, o entrave palestino da Faixa de Gaza se tornou um barril de pólvora rapidamente. O local virou a principal zona de conflito e suprimentos foram cortados, como água, energia e itens alimentícios. Vale lembrar da importância do local ao Estado da Palestina e os diversos (e polêmicos) conflitos que ocorrem contra as populações remanescentes.

Com o relato do sofrimento do povo palestino, capturados pela miséria e pela subtração sistemática dos direitos humanos, diversas organizações mundiais decidiram formar redes de solidariedade aos locais. Uma dessas instituições foi o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), que no Brasil possui histórico de luta contra a monopolização de terras e fortalecimento da agricultura orgânica.

Em outubro, o movimento social doou cerca de duas toneladas de suprimentos alimentícios orgânicos para serem distribuídos na região [5]. Arroz, derivados de milho, leite e açúcar se destacaram entre os itens. De acordo com a dirigente nacional do MST, Cassia Bechara, a ideia é doar mais de 100 toneladas desses itens aos palestinos.

A rápida degradação das condições de vida e segurança na região fomenta ainda mais miséria aos residentes. Itens como água potável tornaram-se mais caros, e não há ainda perspectiva de paz entre os beligerantes. Espera-se que a ajuda humanitária seja muito bem vista e aceita, pois o cerco de Israel impactará os palestinos por gerações.

 

Concluindo…

 

Podemos dizer que tivemos avanços importantes em alguns setores, bem como retrocessos significativos em outros. Debates importantes, como a ressignificação das relações de trabalho no século XXI, começaram a crescer. Estamos na esteira de inovações tecnológicas disruptivas que planejam remodelar a maneira como vemos o trabalho, bem como a importância do ser humano nessa relação.

Nesse ano, eu trouxe temas importantes sobre o assunto, como a relação com as IA’s generativas (aqui) e a manufatura aditiva de alimentos (bem aqui), mas as possibilidades ainda são inúmeras! Será que estamos acompanhando da melhor maneira possível sobre todos esses fenômenos? Como ficará a questão da diplomacia alimentar no ano que vem? Quais novos paradigmas culturais podem surgir dessas novidades? E a relação com as mudanças climáticas?

Não sei responder nenhuma dessas questões. Porém, sei que estarei novamente com vocês, aqui nesse Portal que faz a ciência ficar cada vez mais divertida! Não tem como não fazermos um ano vindouro divertido e caloroso com uma equipe tão amigável à divulgação científica.

Agradeço a presença de todos os leitores. Que vocês possam ter um feliz natal, e um próspero ano novo! Estarei esperando todos já no início do ano que vem. Até a próxima!

 

Referências
[1]: PONTES, Felipe. Vinícolas devem pagar R$7 milhões por caso de trabalho escravo no RS. Portal Agência Brasil, 10 mar. 2023. Disponível aqui.
[2]: GOMES, Tamiris. Sem dizer uma palavra, motoboy viraliza com vídeo sobre trabalho no iFood. Portal Visão do Corre, 16 mai. 2023. Disponível aqui.
[3]: KONCHINSKI, Vinicius. Reforma tributária propõe dois tipos de cesta básica e cashback em tributo sobre alimento. Portal Brasil de Fato, 26 out. 2023. Disponível aqui.
[4]: BRASIL, Focus. Alerta: Rússia sai do acordo de grãos. Portal Focus Brasil, 24 jul. 2023. Disponível aqui.
[5]: MORENO, Sayonara. MST doa 2 toneladas de alimentos para a população palestina. Portal Radioagência, 20 out. 2023. Disponível aqui.