E finalmente chegamos ao final de mais um ano! 2022 será lembrado pelos seus intensos debates ideológicos, mudanças de paradigma, divulgação científica e uma respirada aliviada em nosso sistema democrático. De fato, podemos dizer que este ciclo finalizou um dos períodos mais “vinte e dois” que cientistas, divulgadores e entusiastas da ciência tiveram aqui no Brasil.

Ele foi importante por estabelecer a primeira grande virada de mesa contra o negacionismo institucionalizado que assolou nosso país nos últimos anos. Em campos científicos, as consequências ainda serão sentidas inclusive nos próximos meses. No campo de cultura e segurança alimentar, no entanto, as faltas do governo já estão postas à mesa.

A insegurança e a fome tornaram-se membros familiares na casa de milhões de brasileiros. A falta de gêneros alimentícios nutricionalmente válidos abriu espaço para produtos que nos enganam quanto à saudabilidade. O preço dos alimentos disparou de forma tão agressiva que o brasileiro se viu voltando a fazer compras coletivas com parentes e amigos. Na dianteira de tudo, uma nova legislação promete facilitar nosso acesso à informação quanto ao que consumimos.

No texto de hoje, iremos revisar algumas notícias que foram importantes no campo da cultura e segurança alimentar. Este é um texto temático que realizo todo ano a fim de conscientizar aos leitores sobre a importância estratégica interna de suprimentos alimentícios em um país que se propõe a alimentar o exterior. Releia o texto de 2021 aqui. Sem demorar mais, vamos iniciar nossa pequena viagem no tempo!

 

1. Feijão x Soja: um embate pelo Brasil afora!

 

Logo em fevereiro tivemos um grande embate para abrir o ano. A reportagem do Brasil em xeque informou sobre a perda de espaço para cultivo de feijão em detrimento da cultura de soja [1].

A leguminosa sofreu com a falta de estímulo econômico do governo para sua produção no sistema familiar, gerando cenários inflacionários ao produto. O seguro e facilitação na compra de insumos de produção não estavam tão atrativos quanto outros segmentos, principalmente os de commoditie.

A produção de soja conta com linhas de crédito e pacotes de tecnologia mais facilitados bem como com uma cadeia de exportação mais acessível. Todos esses incentivos fizeram com que agricultores familiares concebessem a ideia de migrar ao agronegócio monocultor. Este sistema de produção é defendido pelo grupo de parlamentares conhecidos como “bancada ruralista” e foi responsável pela perda de terreno para plantação de gêneros como arroz, feijão e mandioca.

A safra de feijão 2021/2022 contou com a segunda menor área plantada da história, com 2.907,2 mil hectares. O cenário contrasta com a área de soja e do milho, voltado à exportação. Segundo analistas, o preço inflacionado do feijão iria atrair ao mercado apenas fazendeiros, que conseguiriam bancar os riscos da produção, cabendo aos camponeses apenas a monocultura. Os riscos de inseguranças e apagão de comida herdados da política de abastecimento Bolsonaro serão um dos trabalhos que as pastas de desenvolvimento agrário precisarão lidar logo no início do ano vindouro.

 

2. A cana, o CRISPR e a engenharia genética.

 

Em março de 2022, a Embrapa finalmente conseguiu aprovação da Comissão Técnica Nacional de Biotecnologia (CTNBio) para cultivar as primeiras variedades de cana de açúcar geneticamente modificadas e não-transgênicas do mundo, consideradas DNA-free no jargão comercial [2].

Estas variedades de cana editadas geneticamente foram feitas pela metodologia CRISPR, considerada mais econômica, simples e segura para atividades de edição genética. Na técnica de cana não houve modificação de genes, apenas silenciamento em agrupamentos específicos para diminuição de rigidez na parede celular e maior digestibilidade do açúcar presente. Mais sobre a técnica Crispr pode ser visto em um texto da casa aqui.

As variedades criadas – Cana Flex I e II – possuem potencial de liberar 12% mais açúcar durante a sacarificação, usado no processo açucareiro tradicional. A digestibilidade do bagaço para ração animal também aumentou com as novas variedades. Porém, a maior inovação está no aumento do grau de hidrólise (maior eficiência) no tratamento enzimático para produção de bioetanol. Sem dúvida, o potencial biotecnológico do Brasil no segmento ficou ainda mais forte com a metodologia Crispr.

 

3. A festa dos similares lácteos nos supermercados.

 

Uma reportagem da CBN nos chamou a atenção para um fato inusitado nas prateleiras do mercado em julho: a inundação de similares vendidos ao lado de produtos lácteos integrais [3]. Os similares lácteos utilizam formulações com subprodutos das indústrias de queijo, leite e iogurte, utilizados para fazer versões mais baratas de iogurte, bebida fermentada, creme de leite, requeijão, leite em pó etc.

Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, o cenário está alinhado com a reduflação de produtos alimentícios decorrente de limitações em quantidade e qualidade de alimentos. Estes produtos possuem valor nutricional mais baixo e são postos ao lado das versões integrais, confundindo consumidores muitas vezes.

A estratégia esteve alinhada com o aumento em cerca de 40% no preço final de produtos lácteos. Especialistas afirmam que sua oferta pode diminuir se o preço do leite se estabilizar em patamares mais baixos, porém grandes companhias do setor lácteo conquistaram margens de lucro bem interessantes com esta tática de insegurança alimentar. O cenário ainda é incerto sobre a continuidade desta prática comercial.

 

Imagem vinculada na reportagem da CBN mostrando bebida láctea em embalagem similar ao leite sendo vendida em uma gôndola de supermercado [3].

4. A segurança de alimentos também para animais!

 

Em setembro tivemos uma notícia para lá de impactante no segmento de produtos para pets: lotes de petisco canino contaminados começaram a causar intoxicações nos pequenos por todo o Brasil [4]. Autoridades sanitárias realizaram apreensões, expediram multas e lotes inteiros foram declarados adulterados por contaminação de monoetileglicol, substância presente em refrigeradores.

Segundo laudo técnico, o composto teria sido utilizado como substituto do propilenoglicol, umectante com histórico na indústria de aditivos químicos. O mesmo contaminante esteve presente na crise da cervejaria Backer de 2019, quando houve contaminação não intencional. Cães contaminados sofriam com diarreia, vômitos, cansaço e sintomas similares.

O caso fez profissionais da indústria lembrar-se da importância da homologação de fornecedores de suprimentos e também dos planos de segurança de alimentos também no emergente mercado pet food.  O caso virará modelo de estudo para quando não aplicamos cuidados tão enfáticos para nossos animais como fazemos para nós!

 

5. Rotulagem frontal e novas regras de rotulagem.

 

No final do ano, em outubro, quem não era especialista em alimentos fora surpreendido com uma novidade [5]. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) iniciou a adoção de novas regras de rotulagem e também mudanças na parte frontal da embalagem de alimentos, também conhecido como rótulo frontal.

O novo padrão adotado pela agência já é considerado o mais promissor dos últimos tempos no quesito informacional. Algumas novidades incluem a obrigatoriedade da informação nutricional em letras pretas e fundo branco, informação sobre açúcares adicionados e totais separados e o número de porções por embalagem. Para o rótulo frontal, o design de lupa nos ajuda a identificar os componentes com alto teor no alimento e que causam desequilíbrios na saúde. Como na imagem abaixo:

 

Descrição da imagem: Etiquetas de modelos de rótulo com alto teor de um, dois e três nutrientes. As etiquetas contêm um retângulo branco com uma lupa e o texto “Alto em”, em preto e, ao lado ou abaixo, um ou mais retângulos pretos com texto branco indicando os nutrientes. Exemplos são “Açúcar adicionado”, “Sódio” e “Gordura saturada”

 

O espaço de alegações nutricionais também ficará mais restritivo de acordo com as novas regras. Antes desta regra, este espaço muitas vezes alegava informações contraditórias ao rótulo, “puxava sardinha” sobre algum componente ou mesmo mentia sobre a natureza de um elemento no produto. Com isto, a agência espera diminuir as assimetrias de informação que confundem consumidores especiais ou convencionais.

 

Só para finalizar…

 

O ano teve bastante novidade no eixo científico e de informação para o público comensal. Inovações foram aplicadas e nossa soberania alimentar foi colocada em discussão. A população — desinformada por anos de negacionismo científico e político — verá com bons olhos alguns desses paradigmas? Cabe ao novo governo que entra em 2023 estar alinhado a estas mudanças para que a mensagem possa ser bem-vista aos olhos de empresas e da sociedade civil.

O novo ano também será intenso de inovação e mudanças no cenário da divulgação científica e cultural. Eu me proponho a estar com vocês mais uma vez para que discutamos juntos sobre o mundo novo que se abre a cada dia, com bastante ciência e alegria que só os Deviantes são capazes de proporcionar!

Alguma reflexão ou crítica sobre este texto? Por favor, deixe seu comentário ou feedback aqui no texto. Obrigado por mais uma leitura e feliz ano novo a todes!

 

Referências
[1]: SAMPAIO, Cristiane. Alimentação em xeque: produção de feijão perde espaço para soja; cenário inflaciona produto. Portal Brasil de fato, 06 fev. 2022. Disponível aqui.
[2]: Molinari, Higor. Ciência brasileira desenvolve primeira cana editada não-transgênica do mundo. Portal Embrapa, Agroenergia, 18 jan. 2022. Disponível aqui.
 [3]: CAETANO, Yasmin; MUNIZ, Guilherme. Com a piora da economia, empresas vendem alimentos feitos com subprodutos de leite. Portal CBN, Economia, 13 jul. 2022. Disponível aqui.
[4]: RODRIGUES, Aline Rezende. Contaminação dos petiscos pet – o que podemos aprender? Portal Food Safey Brazil, 19 set. 2022. Disponível aqui.
[5]: LABOISSIÈRE, Paula. Novas regras para rótulos de alimentos valem a partir deste domingo. Portal Agência Brasil, 09 out. 2022. Disponível aqui.