Temos uma história: os seres humanos causaram imensos danos ao meio ambiente, o que alterou de forma drástica os ciclos das águas. Neste mundo, secas e picos de poluição extremos inviabilizaram a vida de quase todas as espécies de animais e vegetais na face da terra. Somente os mais hábeis em manejar leitos de rios e fluxos da água sobreviveram e, no caso de Timberborn, esses são os castores.

Cenário incompatível com a vida num momento de seca e poluição extrema das águas.

O jogo para computador Timberbon parte da premissa que as condições adversas foram fortes os suficientes para aniquilar a espécie humana e que os castores terão o mesmo fim. Dessa forma, cabe ao jogador quebrar essa promessa e fazer gestão dos escassos recursos para sobreviver e prosperar.

Neste novo lugar, ser pobre ou rico, macho ou fêmea, branco ou preto não faz diferença, como fez no mundo preconceituoso e exploratório que colapsou. Assim, o caminho que os castores encontram se limita a muita organização, gestão e trabalho. Será?

Um mundo igual ao dos humanos

Organização, gestão e trabalho: elementos que parecem tão humanos. Um pequeno grupo de castores, frente às difíceis condições e poucas porções de comida e água, inicia uma luta pela sobrevivência e com o objetivo de fundar um acampamento. Neste local, os adultos se dividem em atividades, onde começam a coletar madeira e bagas para iniciar a estruturação que os levará às condições de enfrentar o clima.

As atividades são pesadas e exigem muito trabalho. É a regra, nesta etapa inicial da história do jogo, castores terem de trabalhar por jornadas longas, superiores a 18 horas, e, no pouco tempo que resta, repousarem ao relento com claros sinais de desnutrição e desidratação. Alguns não sobrevivem, o que faz do ambiente um lugar triste e com menos mão de obra.

Mostrar a realidade dos castores

Castores que dormem ao relento e com sede após uma jornada exaustiva de 19 horas de trabalho

Fica claro que essa rotina muito se assemelha a uma rotina de um trabalhador do mundo que colapsou. Numa lógica perversa de produção e acumulação, bilhões de humanos foram submetidos a longas horas de árduo de trabalho, e em troca recebiam nada mais do que o necessário para sobreviver. Embora, a capacidade de produzir comida, medicamentos, moradias tenham sido gigantesca, a maioria da população mundial não teve acesso ao que poderia encher sua barriga, curar sua gastrite e proteger das intempéries. Como consequência, tal regime de trabalho gerou bilhões de explorados doentes que garantiam a produção e o acúmulo para outros raríssimos humanos.

Produtividade cada vez maior e concentração de poder político e econômico para poucos gerou o caos climático, além de muito sofrimento para a maioria da população. Os castores não aceitam esse mundo que destruiu os humanos e por isso, na sua reestruturação, vão superar esse sistema falido que durou tempo demais.

Trabalho para desenvolver

O trabalho, discutido por muitos pensadores, é fundamental e obrigatório para que a vida aconteça. Dessa forma, não existe a possibilidade da vida se prolongar sem o ato de trabalhar. Cientes disso, os castores trabalham muito, principalmente no momento embrionário em que se reorganizam. A falta de comida e água é uma ameaça constante e os meios para consegui-los são complicados. Qualquer erro ou desperdício pode ser fatal.  Então, se trabalha e MUITO.

No entanto, o resultado do trabalho é compartilhado entre todos da comunidade, o que gera um ambiente equilibrado capaz de suprir as necessidades básicas. Assim, desenvolve-se novas técnicas e ferramentas para aumentar a produtividade e garante-se o acesso aos recursos para todos; supera-se a lógica do acúmulo para poucos.

De tal maneira, constroem-se campos para produção de madeira e alimentos, maquinários para coleta de água e transformação de matérias-primas, processos automatizados de logística e construção. Ao longo do tempo, entre cada crise climática que seca rios e contamina terras, com muito trabalho comunitário, surge um sistema de produção que os altos riscos de sobrevivência são controlados. Com isso, o trabalho traz um real desenvolvimento, em que a fome e a sede deixam de ser a principal das preocupações.

Acampamento desenvolvido. Nota-se os geradores de energia, os prédios das fábricas, os campos de plantação, os estoques de alimentos e produtos e as moradias.

Já se trabalhou demais!

Uma sociedade com segurança alimentar, desenvolvimento tecnológico e ampla distribuição de recursos percebe que uma longa e exaustiva jornada de trabalho não é o que ela precisa. Em Timberborn, após quilômetros de represas terem sido erguidas e toneladas de comida terem sido armazenadas, os castores atingem um nível de maturidade em robótica que permite construir robôs-castores que não precisam de comida e dormitórios, além de produzirem 50 por cento a mais.

Dois robôs desenvolvidos pelos castores com o propósito de substituir a força de trabalho por tecnologia.

Há um novo paradigma completamente construído neste ponto. A nova tecnologia surge não para aumentar a produtividade e manter os castores em suas atividades pelas mesmas intermináveis horas, tal como aconteceu com os humanos dentro do sistema produção que os extinguiu. Ela surge para substituir o trabalho dos castores, que agora abandonam as fábricas e plantações e vão se dedicar a atender as expectativas criadas por seus desejos e suas culturas.

Em vez de ver um castor sujo de resina de pinheiro, é possível encontra-lo em uma banheira de hidromassagem, num banho gostoso de lama. Em vez de se deparar com um castor numa serraria rodeado de tábuas, o encontramos em um tablado de madeira onde ele se diverte ao balanço de uma vibrante dança.

Nova rotina dos castores, em que aproveitam o dia em rodas de socialização e pista de dança.

Os castores tem muito apreço pela qualidade e dignidade de vida da comunidade. Eles possuem desejos dos mais banais, como comer uma cenoura além de mirtilo, até os mais espirituais, ao se venerar o monumento do grande castor que rege suas crenças. Dessa forma, se atinge um ponto de desenvolvimento em que a sociedade por inteira tem capacidade de suportar as mais intensas secas que ainda assolam o mundo, enquanto leem um bom livro ou pintam suas caudas para mostrar o símbolo que os unem.

Um mundo bom para quem?

Fica nítido durante a gameplay que a vida é muito difícil quando se parte de uma realidade material com baixos níveis de estruturação e recurso. No entanto, com a prosperidade acelerada por uma lógica de coletivismo, é possível sobressair às condições mais adversas e atingir uns altos níveis de prosperidade global. Dessa forma, Timberborn apresenta uma possibilidade de uma vida melhor, a qual nos faz, antes de mais nada, nos questionar para quem que o mundo hoje está bom. Para os humanos? Bem, para alguns sim, para quase todos, não. Os castores, que construíram em sintonia com a natureza e suas necessidades e desejos, vivem numa situação nova e diferente, em que um mundo bom é para os povos castores.