Quando colaborar e competir não são tão antagônicos assim. Vamos conversar sobre coopetição!
No ano passado, eu escrevi um texto sobre como a colaboração tem um papel importante na Ciência. Para construir o conhecimento científico, os cientistas precisam compreender bem o estado da arte de seus campos de pesquisa, que envolve identificar as descobertas feitas por outros cientistas. Nesse contexto, é muito comum que diferentes cientistas trabalhem juntos durante suas pesquisas, além de divulgarem os resultados alcançados de modo que a comunidade científica analise e reveja a pesquisa desenvolvida. Dessa forma é possível que outros pesquisadores verifiquem as ideias, encontrem falhas ou reproduzam os resultados alcançados, além de permitir o uso do conhecimento produzido em descobertas futuras. E, em tempos de COVID, isso acaba se tornando mais perceptível, com diferentes equipes buscando um mesmo resultado: formas de mitigar o impacto e tratar a doença.
Porém, teve um aspecto da colaboração que não comentei na época, que ocorre mais fortemente na indústria, mas também pode ser observado na ciência: a coopetition ou coopetição.
Antes de definir o termo, é importante pontuar que cada vez mais as organizações precisam buscar parceiros que as ajudem a obter vantagem competitiva e melhorar seu desempenho. O curioso é que a maioria dos relacionamentos colaborativos acabam ocorrendo entre concorrentes, dando indícios de que a colaboração entre concorrentes não é algo incomum e que a competição e a colaboração não são mutuamente exclusivas.
A coopetição representa um modelo de relacionamento interorganizacional que combina dois conceitos opostos para alcançar vantagens de ambos:
- Na competição, os indivíduos agem para maximizar seus próprios interesses, independente do impacto que isso pode causar aos demais envolvidos
- Na colaboração, os indivíduos agem para maximizar o interesse mútuo por meio de ações conjuntas
O termo não é novo, tendo sido cunhado por Raymond Noorda na década de 1980 e posteriormente promovido pelo livro “Coopetition”. Porém, alguns pesquisadores do tema argumentam que a coopetição pode ser algo bem mais antigo, inclusive identificando o uso do conceito por Kirk Pickett, em 1913, para descrever o relacionamento entre negociantes de ostras
“You are only one of several dealers selling oysters. But you are not in competition with one another. You are cooperating to develop more business for each of you. You are in coopetition, not in competition” [Czakon, Mucha-Kus e Rogalski, 2014]
(Tradução livre: “Você é apenas um entre vários negociantes de ostras. Mas vocês não estão competindo entre si. Vocês estão cooperando para desenvolver mais negócios para cada um de vocês. Vocês estão em coopetição, não em competição”)
A partir das diferentes definições de coopetição encontradas na literatura, é possível concluir que a coopetição é mais do que uma simples mistura de colaboração e competição. Muitas vezes, ela é entendida como uma nova mentalidade/processo/fenômeno que representa a relação paradoxal que surge quando partes independentes, que estão engajadas em um mesmo negócio/segmento, estão simultaneamente em guerra e paz: elas cooperam em algumas áreas para atingir objetivos mútuos e melhores resultados individuais/coletivos; e, ao mesmo tempo, competem por pedaços maiores desse ambiente que compartilham.
A coopetição é identificada em diferentes áreas de pesquisa (Contabilidade, Ciência Comportamental, Ciência da Computação, Engenharia, Gestão, Marketing, Pesquisa Operacional) e segmentos (Aviação, Biotecnologia, Química, Construção, Defesa, Comércio eletrônico, Educação, Finanças, Governo, Saúde, Tecnologia da Informação, Manufatura, Varejo, Turismo, Treinamento, Transporte), oferecendo vários benefícios aos participantes, tais como: resolver problemas coletivamente; cumprir objetivos estratégicos; acessar recursos necessários e material raro; reduzir custos; aumentar produtividade/desempenho; reduzir riscos; melhorar qualidade; melhorar resultado financeiro; compartilhar conhecimento/experiência; inovar; desenvolver tecnologias; melhorar vantagem competitiva; acessar novos mercados etc.
Porém, ela também apresenta desafios aos envolvidos:
- é um investimento incerto;
- pode criar benefícios limitados e/ou tensões/conflitos;
- é necessária para lidar com diferentes expectativas;
- pode aumentar os custos de operação/ coordenação/ controle;
- pode gerar certa perda de flexibilidade/ liberdade/ controle devido ao compartilhamento de recursos;
- pode facilitar o compartilhamento indevido de conhecimento para competidores;
- viabiliza riscos de oportunismo e falta de confiança/compromisso etc.
Bem, agora que você sabe que colaborar e competir não são tão antagônicos quanto parecem, deixe nos comentários se você já experimentou alguma situação de coopetição. Eu vivo nessa relação com os demais professores do programa de pós-graduação que atuo, colaborando em vários projetos de pesquisa, mas também competindo com eles toda vez que solicito financiamento para pesquisa às agências de fomento 😊
Fonte da imagem de capa: https://dialoguereview.com/coopetition-in-the-new-economy/