Tarsila do Amaral tinha 18 anos quando pintou seu primeiro quadro o “Sagrado Coração de Jesus”. Natural de Capivari, no interior de São Paulo de família bastante tradicional, ela teve condições de estudar na Espanha, em Barcelona.
Às vésperas de terminar seus estudos, este primeiro quadro de Tarsila é um reflexo de como era a arte europeia no início do século XX: tradicional, por vezes religiosa, buscando retratar a realidade como a vemos.
E foi nesse contato com a pintura que, pra nossa sorte, Tarsila despertou o desejo de se desenvolver como uma artista e viria a se tornar um sinônimo do modernismo no Brasil.
Aos 20 anos ela retorna ao Brasil, se casa e tem uma filha, Dulce. Mas o casamento não dura muito. Com o marido exigindo que ela abandonasse sua arte, ela se separa e segue para Paris para retomar seus estudos, em 1920.
Lá ela frequentou a Académie Julian, por onde passaram grandes artistas como Duchamp e Matisse e, 2 anos depois, já teve uma de suas telas selecionadas para uma exposição no Salão dos Artistas Franceses.
Foi neste mesmo ano de 1922, a exatos 100 anos da data de hoje, que aconteceu a balbúrdia da Semana de Arte Moderna.
Como ela ainda estava em Paris, acabou não participando. Mas ainda em 1922 ela teve contato com os baderneiros que organizaram o evento no Teatro Municipal de São Paulo.
Sua amiga Anita Malfatti, também pintora, apresentou a ela os poetas Menotti Del Picchia, Mário de Andrade e Oswald de Andrade — com quem já começou a rolar um clima…
Esta turma começou a se reunir no ateliê de Tarsila e ficou conhecida como o Grupo dos Cinco, liderando todo o movimento modernista que teve seu estopim naquela semana.
O modernismo foi um rompimento com uma estética erudita e conservadora, influenciada principalmente pelos europeus. A ideia principal era renovar a arte com a valorização de temas e linguagens essencialmente brasileiras.
Nada mais de métricas perfeitinhas nos poemas, nem representações perfeitas da realidade nas pinturas. A arte deveria ser a expressão de sentimentos e emoções de seu povo, de sua cultura.
É neste ideal que, em 1923, Tarsila do Amaral pinta a obra “A Negra”. Ela parte para uma representação mais primitiva, com uma dose de influência cubista, e distorce membros e feições.
Neste quadro, ela, de família tradicional, buscou memórias de sua infância quando era comum mulheres negras, filhas de escravos, cuidarem das crianças de seus patrões. Com um olhar fixo, um semblante impávido e até a pose lembrando um pouco, esta obra já foi chamada de “a Monalisa Brasileira”.
Mas o quadro mais importante de Tarsila do Amaral foi realizado 5 anos depois, em 1928 como um presente para o seu crush — que virou um casamento por 3 anos — Oswald de Andrade. E ele ficou bastante empolgado e impressionado com o quadro, descrevendo como a “coisa mais incrível que ela já tinha feito”.
No quadro, a artista retrata, nas cores do Brasil, um homem disforme sentado, quase um monstro, meio pensativo em frente a um cacto “explodindo em uma enorme flor” como ela mesma descreve. Isso mesmo. O que você achava que era um sol é a flor do cacto. De nada.
Quando recebeu o presente, Oswald começou a enxergar que a figura que estava ali representada no quadro era um índio, um canibal que iria “devorar a cultura”.
Ele e seu amigo, também poeta, Raul Bopp, foram buscar no Tupi o nome para a obra e batizaram aquela figura de “Abaporu”. A palavra significa algo como “o homem que come gente”.
Esta obra foi a semente para Oswald escrever o Manifesto Antropofágico, que dizia que precisávamos repensar nossa essência, sem dependências culturais. Era preciso “deglutir” as técnicas e influências europeias, digerir e produzir uma identidade própria.
O manifesto, junto com a Semana de Arte Moderna, marcam o início do Modernismo Brasileiro, que influenciou toda uma geração de artistas a refletir sobre sua própria produção e identidade nos anos seguintes.
E Tarsila do Amaral segue como um sinônimo deste movimento, e também como uma das artistas brasileiras mais valorizadas pelo mundo todo!
“A Caipirinha” foi leiloada por 57 milhões de reais para um colecionador brasileiro e o MoMA de Nova York pagou cerca de 80 milhões de reais para ter em seu acervo a obra “A Lua”, outro marco artístico da pintora.
Mas a obra mais valiosa segue sendo o Abaporu que, por toda sua história e importância, está estimada em 40 milhões de dólares.
Mais ou menos um bilhão de reais.