Bom dia! e bem-vindas e bem-vindos a mais um Spin de notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala subatômica. Aqui é a Debbie Cabral e esse Spin saiu em 4 Coronian no calendário Dekatrian ou who cares no calendário da régua torta. Nele, continuamos a falar de linguística forense e voltamos com o comprimido efervescente de gramática.
No programa de hoje:
– Perguntas guiadas e precisão das testemunhas
– No comprimido efervescente de gramática, regência
Shiu shiu shiu shiu Spin de notícias!
Eu já falei sobre perguntas no ambiente forense em dois outros spins de notícia: o 398, em que falo sobre testemunhas vulneráveis, e o 522, sobre como funcionam as entrevistas policiais. O tema terminou me ficando tão caro que foi objeto de análise da minha dissertação do segundo mestrado.
A linguística forense – eu já trouxe essa afirmação outras vezes – apesar de ter várias áreas, já que as áreas da própria linguística são variadas, tem duas grandes divisões de propósito. Uma é hands on, prática, em que vemos o resultado no aqui e agora, como linguistas como peritos forenses que identificam autoria de textos ou treinam policiais para se passarem por crianças para prender predadores sexuais na internet. A outra área é mais voltada para reforma de modelos forenses. Reformas que podem não ser feitas ou que podem acontecer só depois que os pesquisadores que as sugeriram já nem estejam mais vivos…
Enfim, a análise de perguntas em ambientes forenses pode ter as duas aplicações. Quando há um treinamento, por exemplo, para policiais falarem com crianças e suas perguntas não serem invalidadas no tribunal é a área prática. Quando observamos que os advogados desqualificam vítimas usando mitos sobre estupro com perguntas como “mas que roupa você estava usando?” ou “o que uma moça decente estava fazendo a essa hora fora de casa?”, a tentativa de mudar toda uma estrutura de questionamentos (em que o que importa é o cliente ganhar / ou não perder e não que a informação mais precisa chegue para o júri que vai decidir) é um processo muito mais demorado, de reforma.
O artigo que escolhi para falar hoje é interessante porque já fala de como lidar com perguntas guiadas, ou seja que direcionam as respostas, sem precisar esperar uma reforma maior do judiciário, mas já mostrando alguma mudança. O artigo chama Directive leading questions and preparation technique effects on witness accuracy. Em tradução livre, Perguntas guiadas assertivas e efeitos de técnicas de preparação na precisão das testemunhas. Este é um artigo de acesso gratuito, o que não é tão comum, então vale a leitura pra quem se interessar sobre o tema.
As autoras Georgina Gous e Jacqueline Wheatcroft analisaram quão precisas foram 60 testemunhas (da Inglaterra e de Gales) em simulações de julgamento (mock trials) alocadas em uma de três condições de preparação:
a) testemunhas que não receberam nenhuma informação sobre como é o processo de cross-examination(quando o advogado contrário faz as perguntas);
b) testemunhas que receberam um livreto de instrução sobre como é esse processo de cross-examination;
c) testemunhas que participaram de um protocolo de construção de rapport (Construção de rapport é quando criamos uma relação boa/de confiança com quem interagimos)
E com dois tipos de pergunta guiadas (directive e nondirective) a primeira mais assertiva e a segunda exercendo menos pressão. Por exemplo: Não é verdade que o carro era vermelho? e O carro era vermelho?
Vamos passar um pouquinho pela contextualização sobre perguntas no tribunal antes de saber o que o artigo traz como resultado:
Apesar de muitos casos darem um peso enorme ou até serem decididos baseados em relatos de testemunhas oculares, existem pesquisas que mostram quão falha é a nossa memória. Além disso, como eu já disse no outro spin, a testemunha não está numa posição em que tenha toda a liberdade para falar o que acha importante. Ela é guiada por um advogado para trazer o que é juridicamente importante e pelo outro para tentar questionar o valor daquele relato e, muitas vezes, o valor da própria testemunha. Para isso são usadas Leading Questions, perguntas que influenciam a resposta por sugerir ou deixar implícita qual é a melhor resposta. Não é verdade que você antes do ocorrido era você que queria sair com o acusado? Ou Você estava de minissaia e decote quando foi abordada na festa de madrugada? (A maioria de respostas de sim ou não, que exercem muito controle). Só que esse artigo cita várias pesquisas que mostram que esse tipo de pergunta reduz a precisão de um relato, diminui a confiança da testemunha no seu próprio relato (“será que eu to lembrando certo?”).
Uma das soluções que hoje é ventilada é a preparação das testemunhas para o interrogatório. Essa prática, comum em filmes americanos, tem ficado cada vez mais comum na Inglaterra e no País de Gales. Ainda assim, muita pesquisa ainda precisa ser feita para identificar em que exatamente essa preparação deve consistir. A proposta desse artigo é
– ver se a consciência de protocolos de construção de rapport, que já são usados por policiais em interrogatórios, pode ser benéfico para a testemunha no tribunal;
– ver se perguntas guiadas mais ou menos assertivas ajudam ou atrapalham na precisão das respostas;
– ver como, nessas situações, se dá a relação demonstração de confiança e precisão das testemunhas.
As 60 pessoas viram um vídeo de um atropelamento e tinham que testemunhar em uma simulação, sendo perguntadas pelo que seria o advogado de quem atropelou, ou seja, ela foram cross-examined.
Qual foi o resultado da pesquisa?
Com relação à precisão, as perguntas menos assertivas (nondirective) resultaram em maior precisão do que as mais assertivas (directive). Não houve efeito significativo na diferença de preparo das testemunhas, mas pôde-se perceber uma tendência de que as testemunhas que tiveram o preparo foram um pouco mais precisas do que as que não tiveram. O fato de não ter sido uma diferença significativa levou as pesquisadoras a sugerirem que sejam feitas pesquisas com grupos maiores que 60 pessoas e com mais tempo de preparo
Com relação à confiança, nenhum efeito significativo foi observado nem nos tipos de pergunta, nem no preparo das testemunhas.
Quanto à relação entre precisão e confiança, de novo, as pesquisadoras não encontraram nenhum efeito significativo.
Comprimido Efervescente de Gramática
Regências serão eternamente um problema ou não são problema nenhum! Hahahahahah!
O que acontece é que não existe necessariamente uma razão para que determinada preposição siga determinado verbo, substantivo ou adjetivo. Quanto mais usamos, menos dúvidas temos. Ninguém fala ‘Eu gosto café com açúcar’. Primeiro porque café com açúcar não dá, segundo porque o verbo gostar está tão presente no nosso dia-a-dia que já vem ‘no automático’. Pensando em um exemplo menos comum que gostar: “fazer referência”. Ninguém “faz referência livro”. A frequência com que usamos ajuda, mas também o fato de só ter essa opção. Não existe nenhuma situação hoje em que referir ou fazer referência não seja seguido da preposição ‘a’.
Já o verbo atender é um problema eterno porque pode não levar nada ou ser seguido de ‘a’. Atender um cliente ou atender a um pedido. A “regra” diz que se é pessoa, não tem preposição, se é ‘coisa’, tem. Fácil! Decorei! O problema é quando usamos um querendo dizer o outro. O manual do Estadão, por exemplo, entende que atender “telefone, campainha, bairro, cidade, região” não tem preposição porque está relacionado ao atendimento de pessoas… Então são ‘coisas’, mas não usamos a preposição. Então, o ideal é entender a ideia: Atender no sentido de prover um serviço não tem preposição.
Só que isso, vira decoreba mesmo… não tem muito jeito… Então vamos olhar alguns desses:
‘Expectativa’, leva ‘de’? Expectativa de que algo aconteça ou expectativa que algo aconteça? Basta pensarmos em um exemplo mais fácil (menor/fora de frase): expectativa de vida. Expectativa vida não rola, então esse “de” está grudado no substantivo essa é sua regência em qualquer situação. Na expectativa de ganhar o jogo, o atleta treinou como nunca.
‘Visar’, no sentido de objetivar (que é o que sempre usamos), leva preposição a. A decisão visa à melhora do atendimento. A outra situação é visar como mirar/olhar, mas NUNCA usamos nesse sentido, então, podemos ignorar.
‘Implicar’, no sentido de ter como consequência/ resultar, não leva nada. O alto número de votos implicou sua reeleição. De acordo com o Manual do Estadão, se tiver dois complementos, aí usa-se a preposição, implicar alguém em algo: a investigação do Ministério Público implicou o presidente em milícias. Só que nesse caso, o sentido muda, assim como irmãos que implicam um com outro
P-p-por hoje é só,p-p-pessoal! Lembro que todos os links comentados estão no post e deixe lá também seu comentário, elogio, crítica, declaração de amor ou sugestão de comprimido que queiram que eu dissolva. Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, no Patreon, no Padrim ou PICPAY. Um grande abraço apertado e até amanhã!