Bom dia! e bem-vindas e bem-vindos a mais um Spin de notícias, o seu giro diário de informações científicas… em escala subatômica. Aqui é a Debbie Cabral e mais uma vez trago para vocês um Spin em formato escrito. Vamos falar de Linguem de violência e resistência? Voltamos também com o comprimido efervescente de gramática!! Uhuuuu
– violência e abuso domésticos em tempo de Covid-19
– ativismo online anti-estupro
– comprimido efervescente de gramática: cadê o sujeito?
Shiu shiu shiu shiu Spin de notícias!
A Universidade de Aston, em Birminham, no Reino Unido, é hoje uma das referência em linguística forense. E agora, no começo do ano letivo, o departamento fez um Simpósio e deixou as palestras disponíveis on-line. A que eu trouxe para vocês hoje é um projeto da Dr. Emma Richardson e Profesora Elizabeth Stoke chamado Reporting domestic violence and abuse during the COVID-19 pandemic: A conversation analytic study of 999/101 calls (em tradução livre Denunciando violência e abuso domésticos: um estudo analítico de conversação de chamadas de 999/101). É um vídeo de pouco mais de 10 minutos, então, se você entende inglês e se interessa pelo assunto, vale acessar o link aí no post e ver o original.
Como todo mundo sabe, com a pandemia de Covid-19 veio a necessidade de lockdown, ou seja, ficar em casa. Para algumas pessoas, no entanto, isso significa estar em contato 24h por dia com seu abusador. Como se não bastasse isso, os pontos de estresse que aumentam a chance do abuso acontecer estam todos juntos e misturados, como mostra Dr. Richardson: aumento do consumo de álcool, problemas econômicos (a incerteza de trabalho, por exemplo). Além disso, pessoas que frequentavam grupos de apoio tiveram que parar, as idas ao médico diminuiram, fazendo com que reduzisse as chances das pessoas que sofrem abuso pedirem ajuda, como a indicação dos médicos a centros de referência em caso de estupros, por exemplo.
As helplines viram então um aumento de denúncias de abuso e é a linguagem usada nessas ligações que o projeto vai analisar. Será que a forma dessas denúncias é a mesma de antes do lockdown? Se é diferente, em que aspectos é diferente? Como os atendentes dessas helplines têm respondido e como o projeto pode ajuda-los a ter uma resultado mais efetivo?
A Dra Richardson traz um exemplo bem rapidinho de como o problema é apresentado, ou seja, como a pessoa que liga diz que está sofrendo abuso/violência. Ela mostra que há uma mitigação do que acontece. Por exemplo, “eu estou com um probleminha”. A pessoa também justifica o comportamento do abusador, querendo dizer que esse não é o comportamento normal. “Ele tem problemas de saúde mental e está bebendo muito por causa do lockdown”. A ideia do projeto, então, é poder trabalhar junto à polícia e às helplines de caridade que lidam com isso, pensando em treinamento e qual a melhor forma de ajudar essas pessoas.
Vamos para o segundo tópico do dia. Online Anti-Rape Activism: Exploring the Politics of the Personal in the Age of Digital Media (em tradução livre, Ativismo online anti-estupro: explorando o politico do pesoal em era de mídia digital) é o ebook de acesso livre da Rachel Loney-Howes. Obviamente, não faz sentido eu falar do livro todo aqui, mas o link está no post para quem quiser mais detalhes. Eu quero começar com a tradução do relato que a autora traz no primeiro capítulo.
“Já faz quase 30 anos que aconteceu comigo e a sociedade continua culpando as mulheres por estupro, ao invés de culpar os homens. Minha filha está exposta aos mesmos perigos que eu estive: há 25% de chance de que ela será estuprada ou sofrerá abuso sexual na sua vida. Se acontecer com ela, como aconteceu com sua mãe, é estatisticamente improvável que ela denuncie – apenas 10-15% das vítimas de estupro denunciam. Caso denuncie, ela só terá 6% de chance de ver o estuprador ser considerado culpado em um tribunal. Quando falando de estupro, não houve muita mudança nas últimas três décadas” (p.1)
É um relato do blog Herbs and Hags. A Dr. Loney-Howes traz o dado assustador da OMS, que estima que 1 a cada 6 mulheres no mundo já sofreu pelo menos um estupro (ou tentativa de um) depois dos 18 anos.
A autora passa pela história de como ativistas dos feminismos conseguiram, a partir da década de 70, o reconhecimento público de que estupro é algo que deve ser repudiado, o que já foi uma vitória. Mas trata de como até hoje as pessoas duvidam, ou ficam com o pé atrás quando se fala de uma cultura de estupro. O livro se baseia em estudos de caso, em que a autora busca “explorar até que ponto essas campanhas on-line criam um espaço para discussão sobre um espectro de experiencias sexualmente violentas e as complexidades de como ou se essas campanhas concretizam ideias hegemônicas sobre estupro, trauma e vitimização” (p.3)
Ela traz análises sobre como falar do “infalável”, sobre a política do reconhecimento dos pares, sobre identidades políticas de “vítima” e “sobrevivente”, sobre as práticas jurídicas em espaços digitais. Enfim, ainda não terminei de ler, mas machei que valia a pena trazer aqui para quem quiser dar uma olhada, já que vira e mexe temos alguém no Twitter questionando de quem é a culpa em um estupro…
Vou aproveitar para deixar o link também para o Spin 398, lá atrás, em que falo sobre testemunhas vulneráveis
Maaaaaas vamos agora falar de coisa boa? Já fazia um tempão que eu não trazia para vocês o Comprimido efervescente de gramática!
Vamos lá?
Plof pssssss
Toda essa discussão que eu troxe sobre violência e de quem é a culpa me fez lembrar de um tópico interessanta para cá: onde está o sujeito?
Como eu já comentei em outros momentos e outros textos, a ordem direta no português é Sujeito, Verbo, Complemento, Extra (adjuntos). Então, quando temos essa estrutura é fácil identificar o sujeito e, consequentemente, é fácil concordar o verbo.
“A pandemia aumentou o número de casos de violência doméstica”
“Os casos de violência doméstica aumentaram durante a pandemia”
Só que, quando a estrutura foge dessa ordem direta, costuma ter muita confusão com a concordância do verbo.
Existe, em português, a opção de uma frase sem sujeito, como “choveu ontem”. E aí não tem sujeito mesmo! Mas eu vou ter situações em que a frase começa com verbo, como no exemplo sem sujeito, e o sujeito vem depois! Essa troca confunde nosso cérebro, que entende que o sujeito é um objeto, já que está vindo depois do verbo. Confuso? Vamos ver um exemplo:
“Chegaram as mulheres para depor”
“Cada vez que alguém pergunta “de quem é a culpa do estupro”, morrem três fadas da denúncia”
Essa confusão na ordem do sujeito também faz com que a concordância de feminino e masculino.
“Ninguém sabe como é feita a denúncia”
Então, como eu faço, Debbie?!
Olha o verbo com carinho. Faz um agradinho e coloca ele num exemplo com a ordem direta “A denúncia é feita”, não “a denúncia é feito”, certo?
Espero ter dissolvido esse comprimido aí pra vocês, deixando a absorsão da gramática mais fácil.
P-p-p-por hoje é só, p-pessoal! Lembro que todos os links comentados estão no post e deixe aí também seu comentário, elogio, crítica, declaração de amor ou sugestão de comprimido que queiram que eu dissolva. Lembro ainda que esse podcast só é possível acontecer por conta de seu apoio no patronato do SciCast, no Patreon, no Padrim ou PICPAY. Um grande abraço apertado e até amanhã!
Loney-Howes, R. (2020), “Prelims”, Online Anti-Rape Activism: Exploring the Politics of the Personal in the Age of Digital Media (Emerald Studies in Criminology, Feminism and Social Change), Emerald Publishing Limited, pp. i-xii.