“Você fica em um estado de êxtase tão grande que se sente quase como se não existisse. Minha mão parece independente, e eu não tenho nada a ver com o que está acontecendo. Eu simplesmente estou lá sentado e assistindo, em um estado de admiração.”
Se você assistiu Soul da Disney, já sabe do que estou falando.
O filme conta a história de Joe Gardner, um pianista em busca do seu sonho de viver da música. Em uma das primeiras cenas do filme, Joe entra neste êxtase quando está tocando piano e a Pixar nos brinda com um deleite visual de luz e cores para ilustrar isso. Assim que o músico começa a se concentrar cada vez mais na música e no que está fazendo, ele entra no que é conhecido como estado de flow.
Este é um estado em que tudo o que está ao nosso redor some e nossa própria existência é suspensa. Esquecemos de comer, perdemos a noção de tempo e nada mais importa. Todo mundo já passou por isso. Seja jogando videogame, seja lendo um livro ou, se você for um pianista, tocando uma boa música.
Mas a frase ali em cima não é do Joe.
É de um compositor de carne e osso. É um trecho de uma das inúmeras entrevistas do pesquisador e psicólogo húngaro, Mihaly Csikszentmihalyi, o criador da Teoria do Flow.
A história da pesquisa que resultou nesta teoria começa, como todas as outras pesquisas, com uma pergunta: qual o segredo da felicidade?
Seria dinheiro? Sabemos que ter renda o suficiente para cobrir nossas necessidades nos deixa felizes. E se ainda sobrar uma grana extra, podemos ficar mais felizes ainda. Mas existe um estudo mostrando que cerca de 30% dos americanos se declaram muito felizes, independentemente da renda.
Então o dinheiro pode trazer felicidade, mas só até certo ponto. Quando atingimos um certo nível de renda (alguns estudos até delimitam em cerca de U$25mil/ano), o nosso nível de felicidade para de ser influenciado por ela.
E foi isto que motivou Mihaly a buscar entender mais sobre isso. Quais são os verdadeiros motivos que fazem as pessoas ficarem felizes? Então ele começou a fazer o que um psicólogo faz: ouvir pessoas.
“É quase como se você não precisasse pensar, é como se tudo acontecesse automaticamente. . . é como se você estivesse no piloto automático, para não ter pensamentos. Você ouve a música, mas não sabe que está ouvindo, porque faz parte disso tudo.”
Este trecho agora é de um patinador, também entrevistado por Mihaly. Percebe o padrão? :)
No filme da Pixar, existe uma excelente analogia pra isso. Se você não assistiu, um aviso: talvez a próxima linha seja um spoiler então pule um parágrafo. Aviso feito, existem vários personagens no filme que entram em flow e suas almas (para usar o trocadilho do título) vão para um outro lugar, onde ficam livres de obstáculos físicos e do próprio tempo.
E como entrar neste estado?
Tanto no filme quanto na vida real existem algumas condições que facilitam a nossa entrada no flow. Segundo Mihaly, precisamos pelo menos de três delas:
- A atividade que estamos fazendo precisa ter um objetivo claro: qual é o resultado que eu espero com esta atividade?
- Precisamos ser informados de alguma maneira se o que estamos fazendo está dando certo (ou errado): quanto falta para eu terminar esta atividade com sucesso?
- E talvez o principal, as nossas habilidades precisam estar em equilíbrio com o dificuldade da atividade. Eu consigo fazer esta atividade?
Na teoria do flow, o pesquisador mapeou vários estados mentais e os relacionou em um gráfico. Na maior parte do tempo estamos no ponto central dele.
Assim fica bem intuitivo entender como buscar o estado de flow nas atividades que estamos realizando. Se a nossa sensação é de ansiedade ao realizar alguma tarefa, talvez o desafio para completá-la esteja acima de nossas habilidades. Por outro lado, se a sensação é de tédio, certamente o desafio proposto é muito simples para o nível de nossa habilidade.
O fato é que parece que existe um método para buscar o nosso flow. E talvez ele seja uma boa maneira de realizarmos nossas tarefas mais felizes.
Ou de sair do corpo, que também pode ser bem doido.
Referëncias:
O segredo da felicidade: https://www.ted.com/talks/mihaly\_csikszentmihalyi\_flow\_the\_secret\_to\_happiness?language=pt-br
Soul: https://www.youtube.com/watch?v=hWBxoH4-4yw
Marcel Leal é designer, criativo, pai do Rafael e da Luiza. Não existem coisas chatas, a gente só não descobriu o que elas tem de legal ainda.