Olá, ó jovem leitor. Há muito não apareço por essas bandas e por tal me desculpo mui humildemente. Em minha última aparição, Dilma havia sido recém-impedida, Cunha havia acabado de ser preso, Temer assumia com o objetivo de tirar o Brasil da crise e as pessoas ainda riam da possibilidade de Trump assumir o poder dos EUA. O mundo gira, não, amiguinhos?
Mas hoje falarei sobre o assunto do momento. Sobre o processo de reformas pelo qual o Brasil está passando. Na verdade, não diretamente das mesmas, mas, sim, do processo. Pois das muitas análises que tenho visto por aí, o processo em si é, sem dúvida, o menos comentado.
Antes de mais nada, é bom dizer: eu concordo com a necessidade de reformar muitas das coisas que estão sendo discutidas neste momento. A previdência é e tenderá a ficar cada vez mais deficitária; a CLT precisa ser atualizada para formas de trabalho mais próximas a lógica dos anos 2010, não mais dos anos 1940-50 (e o imposto sindical é um anacronismo que precisa ser extinto). Há uma necessidade gigante de se simplificar e esclarecer o processo de pagamento de impostos e sua burocracia. E o sistema político brasileiro precisa urgentemente ser repensado a fim de não continuarmos à mercê de uma democracia de coalizão gerida por oligopólios que hoje têm se assemelhado mais a quadrilhas.
Isso não quer dizer, por outro lado, que concorde com a íntegra das propostas sendo discutidas. Diversos pontos das reformas trabalhista, previdenciária, tributária e política são conflitantes, expressam o desejo de lobbystas que não representam o interesse da população ou são simplesmente artifícios para manutenção do poder. Mas estou sendo propositalmente vago pois este não é o tema deste post. Quero falar sobre o processo e sobre a anomalia que o Brasil está passando.
Pois por mais que tenhamos passado por um processo constitucional de transição do poder executivo, dentro da lei, somente alguém mal intencionado ou de pensamento bastante obtuso não irá reconhecer a anomalia do momento político brasileiro.
Estamos sendo governados por um mandatário eleito vice-presidente nas duas últimas eleições. Após um processo de impeachment que seguiu formalmente todas as regras previstas em lei, o mesmo assumiu o lugar da presidente e governará até o término do mandato da mesma.
O problema é que no meio desse mandato este vice-presidente (e o partido que este preside) rompeu… com a chapa que o fez ser eleito. Temer e o PMDB claramente assumiram o papel (e o protagonismo) da oposição à Dilma entre 2015 e 2016 e foram prontamente seguidos e apoiados pela mesma oposição que sua chapa havia vencido na corrida eleitoral de 2014.
Mais uma vez, há de se dizer, isto não é ilegal (ainda que possamos questionar a moralidade da ação). O fato é que por alguns meses, durante o processo de impeachment, o vice-presidente tornava-se ferrenho crítico ao governo e suas ideologias e ações. Acontece que, por mais que possamos questionar o quão ideológica é de fato a política brasileira, fora justamente essas ideologias e ações que foram eleitas, em um pleito muitíssimo apertado, para serem aquelas que conduziriam o Brasil por mais quatro anos. E o vice-presidente, naquele momento, por motivos que para esse texto são indiferentes, simplesmente tornou-se contra tudo aquilo.
E assim que concluído o processo de impeachment, este vice-presidente, agora empossado como mandatário nosso do executivo, formou um novo governo baseado em premissas justamente contrárias àquelas que haviam sido legitimadas pela maioria da população votante em um processo de dois turnos e dentro da legislação eleitoral. Em outras palavras, ainda que consideremos absolutamente dentro da Constituição (e sim, não estou entrando no mérito aqui da constitucionalidade ou não do impeachment), o fato é que o Brasil a partir daquele momento não estava mais sendo representado pela ideologia, pelo partido e pelas ideias que a maioria da população havia escolhido.
E esta, amigos, é justamente a raiz do problema. O grande ponto que, ao ver deste humilde comentarista, faz toda a diferença na atual discussão das reformas: um governo que não representa legitimamente a vontade da população vem apresentando e aprovando diversas leis que alterarão profundamente a vida da mesma.
Daí podem vir argumentações diversas como “Num momento de crise dessa não vai fazer nada?!” ou até “São as reformas que precisávamos há muito tempo e não havia coragem em fazê-las!”. Mais uma vez, reforço: não entro no mérito aqui da necessidade, mas sim do processo e sua legitimidade. Ou sua ausência. O perigo de se validar processos à revelia de sua legitimidade é referendar estados de exceção, porque “são necessários”.
Finalizo, apenas, com os seguintes dizeres: somos uma República Democrática. Como tal, delegamos legitimamente o poder de decisão a mandatários democraticamente eleitos, na crença de que eles nos representarão da melhor e mais efetiva forma possível. A partir do momento em que estes mandatários não mais representarem a vontade do povo, simplesmente não há sentido de sua existência. Deixamos de viver numa república, numa democracia. Nossa política perde a legitimidade, sequer, de existir.