Durante muito tempo, tive contato com a engenharia de segurança dentro da mineração. Uma área, baseada em cuidar das pessoas, comunicar e mudar formas de entender os riscos presentes em cada atividade, que foi me conquistando e me envolvendo. Tive o prazer de atuar nela em diversos cenários, inclusive com a área de desmontes de rochas e manuseio de explosivos. Entretanto, agora surgiu um novo desafio, maior do que eu esperava, e decidi compartilhar com vocês nessa série.
Migrei no ano passado, 2017, para a área da construção civil, podendo acompanhar todo o preparo inicial e planejamento de uma obra. Sendo uma empresa pequena, que constrói um prédio por vez, tive que assumir diversos papéis e um deles, principal para o qual fui contratado, é a segurança.
Até aí, tudo bem, vida que segue como qualquer outra situação, mas estamos chegando no início das obras efetivamente e dois fatores foram cruciais para eu decidir iniciar esses registro de minhas “aventuras”:
O primeiro deles é a grande dificuldade associada ao preconceito com mudanças e o achismo enraizado, algo que será o foco dessa entrada no meu semanário, após essa longa introdução.
O segundo, e surpreendentemente feliz, é um dos donos da construtora ser um professor do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) aposentado. Ele, por não ter nessa empresa sua fonte de renda primária, deseja fazer tudo da melhor maneira possível, buscando transformar nossas operações em uma “obra-escola”, que receberá visitas técnicas de diversos engenheiros civis em formação.
Podem imaginar minha alegria e meu medo, afinal, toda novidade e expectativa geram ansiedades. Passei o último mês pensando a respeito e me entendendo com tudo, minhas mãos gelam ao pensar em falhar, mas isso me faz também ficar mais motivado e focado a estudar e dividir isso tudo com vocês.
Espero que boa parte das minhas entradas sejam sobre sucessos e dificuldades vencidas, mas não deixarei de trazer também os reais problemas e situações críticas vividas, tornando esse relato o mais rico possível, inclusive com questões mais técnicas, nas quais contarei com minha querida editora para deixar palatável.
Como mencionei acima, acabei assumindo mais de uma função, entre elas a parte de levantar orçamentos, planejamentos de compras e contratações de serviços e a pré-seleção da equipe que será utilizada na obra. Vida de engenheiro é assim mesmo, ou você ama resolver problemas e se virar ou você simplesmente sai da área técnica.
Nesse levantamento de orçamentos, coloquei, obviamente, a minha parte de segurança. Cotei com alguma empresas uma consultoria inicial, principalmente para me auxiliar com a análise de risco prévia, algo crucial que comporá o documento PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), abordado num texto futuro, e também cotei as clínicas em que iria fazer os exames admissionais da nossa equipe.
Ao apresentar, me deparei com a última pergunta que esperava, considerando o segundo fator que mencionei lá em cima, feita pelo outro dono da empresa:
– Por que você cotou isso?
– Ora, vamos iniciar as contratações de serviços e equipes, não? Precisamos já ter a documentação de segurança e medicina do trabalho toda pronta. – Respondi prontamente, pedindo socorro com os olhos para o ex-professor.
– Deixe-me reformular. A minha dúvida é: Por que cotou isso agora? O prédio não vai aparecer por trás dos tapumes por uns bons meses.
Levei alguns segundos para entender o teor da pergunta, aí me bateu… Para ele, não fazia sentido se preocupar com a documentação de segurança antes que a obra começasse a chamar atenção, pois não haveria nenhum tipo de fiscalização no local.
Isso, infelizmente, é um dos grandes problemas que vemos com segurança em todas as áreas, mas principalmente na construção civil. Os cuidados e prevenções são vistos como gastos puros, sem trazer qualquer tipo de benefício para as empresas. Apenas preenchemos documentos para satisfazer uma eventual batida fiscal ou nos defender de um pressuposto processo trabalhista. É um engano tremendo, pois, num caso crítico de acidente, nunca é lembrado do quão dispendioso, e aqui só me refiro à parte financeira mesmo, é ter um funcionário afastado, seja por conta da produtividade e falha no planejamento, seja por ter que contratar um ferista ou substituto para aquele operário.
Expliquei tudo isso e tive o apoio do outro dono, de modo que segui adiante com o orçamento e contratações. Uma batalha vencida apenas por, durante minha especialização, eu ter sido armado com argumentos numéricos e respostas “pré-prontas”. Caso contrário, tal argumentação se arrastaria por dias até eu preparar um relatório justificando tal investimento. Não escapei de fazê-lo, mas pelo menos será em paralelo com as contratações.
Quando fui embora para casa, durante o trajeto e posterior banho, fiquei pensando sobre o ocorrido. A primeira reação minha foi, como de costume, criticar o sistema e tudo mais, mas a frieza foi vindo e me dei conta de algo a mais. Esse comportamento, saindo do métier financeiro, é algo observado desde que me tornei responsável pela minha primeira equipe. As pessoas tendem a seguir as regras, de segurança nesse caso, apenas quando são fiscalizadas e punidas caso desobedeçam.
Me lembrei de um rapaz numa mineradora que se recusava terminantemente a usar a jugular do capacete (aquela fita que prende o capacete no queixo) por ter a barba sempre por fazer (a namorada gostava do estilo) e alegar que ela pinicava com a fricção do tecido. Não importou quantos exemplos diferentes eu dei, quantas situações de quase-acidente (quando um acidente tem tudo para acontecer, mas não se concretiza por pura sorte) eu presenciei ou quanto os colegas da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes, grupo de funcionários exigidos por lei que apoiam a área de segurança com sugestões e requisições) pedissem para ele fazer o certo, o rapazola só cedeu quando o engenheiro de segurança (não era eu ainda, na época) o advertiu por escrito. Obviamente, peguei ele diversas vezes com a jugular solta na frente do queixo, já que nenhum responsável estava por perto.
Ou seja, será uma grande jornada, esses próximos 36 meses. Terei certamente que lidar com pessoas cheias desses preconceitos ou com o mais terrível e temível argumento contra a segurança que já escutei: Eu faço isso assim há mais tempo do que você tem de vida!
Será um enorme prazer trazer as histórias e conhecimentos adquiridos com o tempo. Até lá, sugiro escutarem o Scicast sobre essa maravilhosa área da engenharia e medicina, no link abaixo, onde falamos sobre alguns aspectos técnicos e sobre a história de uma das funções mais essenciais, porém odiadas, da existência trabalhista.
Um enorme abraço e lembrem-se: É melhor passar uma vida usando capacete, do que um segundo acéfalo.