Quando se estuda ou trabalha no ramo alimentício, alguns conceitos podem ser um pouco confusos de entender em um primeiro momento. Seja por similaridade ou por não compreendermos a abrangência dos significados. De qualquer modo, alguns desses conceitos precisam de atenção especial na sua utilização.
Uma destas abstrações é a ideia de “segurança alimentar”, muitas vezes confundida e usada na compreensão de “segurança de alimentos”. Quando aplicados de maneira errônea, as representações podem passar ideias erradas e gerar projetos menos robustos em relação à confiabilidade conceitual e referencial.
Imagine você em um acalorado debate político de rede social. Querendo expor suas ideias com mais objetividade, você enuncia o problema da “insegurança alimentar” como se fosse “insegurança de alimentos”. De repente o outro discursista não reaje de maneira tão explicativa quanto eu sobre a disparidade apresentada, querendo descredibilizar todo seu argumento com base em um erro.
No texto de hoje, pretendo explorar as diferenças de significado entre os dois conceitos. Iremos perceber que, apesar de denotarem ideias similares, as abstrações possuem significados diferentes que precisam ser levados em consideração pelo contexto das confabulações.
Vamos começar por segurança de alimentos. Este conceito reflete todo sistema ou técnica utilizada para garantia da qualidade de alimentos no contexto de consumo. Ela pode ser dividida em atividades de gestão da qualidade, garantia da qualidade e atividades de avaliação de desempenho das ações [1]. Estas atividades visam evitar a propagação das doenças transmitidas por alimentos (DTA’s), fraudes e até mesmo a presença e escala de atividades bioterroristas.
Pode-se dizer que os Sistemas de Gestão de Segurança de Alimentos (SGSA) lidam com os diversos fatores de riscos físicos, químicos e biológicos em produções, indústrias e serviços da área alimentícia [2]. O grau do SGSA pode ser medido por métricas de qualidade tradicionais como: conformidade ao manual de boas práticas de fabricação (BPF), procedimentos operacionais padronizados (POP), análise de perigos e pontos críticos de controle (APPCC), manejo integrado de pragas (MIP) e análise da matriz de riscos.
Novas métricas de análise surgiram com as necessidades globais, agora com auditorias remotas, análise de radiação ambiental, monitoramento microbiológico, gestão de não conformidades e credenciamento de fornecedores (procurement). A propagação de Covid-19 em serviços alimentícios e outros locais de trabalho foram importantes para consolidar essas mudanças [4].
O cenário muda bastante quando falamos de segurança alimentar, por vezes referida como segurança alimentar e nutricional (SAN) [5]. Esta ideia advoga o estado de direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, na quantidade correta e com base em práticas alimentares saudáveis e sustentáveis, respeitando as atividades e a diversidade cultural dos povos.
A definição acima foi baseada na lei orgânica da segurança alimentar e nutricional, lei nº 11.346 de 15 de julho de 2006 (Losan). Como direito humano aliado ao bem-estar e soberania dos povos, a SAN sempre está em processo de mudanças sobre as condições em que se baseia. Afinal, o escopo de estudo sobre segurança alimentar é bastante vasto e envolve profissionais de diversos setores.
Para termos uma ideia de como a segurança alimentar evolui com a problemática social, podemos olhar o exemplo do nosso país comparado entre década de 90 e agora. Na década antiga, medidas antropométricas eram indicadores poderosos de segurança alimentar [5]. O baixo e o alto peso eram importantes de serem levados em consideração pois a fome era cotidiana nos lares de milhões de brasileiros.
Hoje em dia, entende-se que a insegurança alimentar pode não se expressar somente em consequências físico-biológicas. Transtornos alimentares derivados da ansiedade, desabastecimento alimentício, fome oculta de nutrientes essenciais e falta de diversidade de produtos alimentícios são exemplos de problemas relacionados com esta insegurança no presente momento.
Um indicador chave de segurança alimentar utilizado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação (FAO) é a disponibilidade calórica média diária per capita, indicando quantas calorias uma pessoa tem disponível para sanar suas necessidades energéticas. Pode ser calculado como o balanço entre alimentos produzidos, exportados e estimativas de desperdício na cadeia, com valor transformado em calorias e dividido entre o número de habitantes de certa localidade e no período de tempo pretendido.
Na esteira da dimensão psicológica e de justiça material sobre o assunto, pode-se inferir que o escopo “segurança alimentar” engloba “segurança de alimentos”, mas não o contrário. Afinal, a SAN reitera a distribuição física de alimentos com qualidade, ou seja, seguros dos pontos de vista físico, químico e microbiológico, área de atuação da segurança de alimentos.
Portando, se for entrar em discussão com alguém sobre o assunto na internet, lembre-se deste texto e saiba escolher o escopo correto dos conceitos apresentados. Acima de tudo, divulgue a redação para outras pessoas que possam estar em dúvida nestas utilizações! Obrigado pela leitura e até o próximo texto!