Você conhece o SUS? Mas tipo, conhece mesmo ou ele é como aquele colega distante que você só dá um oi de vez em quando? Se você leu meu texto anterior aqui, sabe que quero transformar você e o SUS em BFF’s (melhores amigos para sempre hahahaha). Mas vamos ao que interessa, lembram que na abertura dessa série melhor que GOT, falei dos princípios organizativos do nosso sistema de saúde? Então, hoje iremos conversar sobre a hierarquização, que atualmente organiza o SUS em redes.

As Redes de Atenção à Saúde (RAS) é como se organiza todo o rolê que vai te ajudar quando você adoece – ou até mesmo antes disso. Nelas diferentes graus de complexidade dos serviços são articulados para garantir a integralidade e continuidade do cuidado em um ciclo completo de atendimentos – desde a consulta, até o acesso aos medicamentos ou terapias.

A origem da estruturação da saúde em redes data de 1920, no Reino Unido pós Primeira Guerra Mundial. A ideia geral era de que uma organização ampla intermediasse os serviços de saúde, que deveriam ser eficazes na atenção às demandas da população atendida. Tudo isso deveria ser acessível para a galera toda, incluir cuidados preventivos e curativos, além de não se restringir aos hospitais e centros de saúde, contando com assistência domiciliar.

Outro pontapé na estruturação em redes foi a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, sob a organização da OMS em 1978, em Alma-Ata, no Cazaquistão. A declaração produzida no evento tem como ponto central a importância da atenção primária a saúde para uma promoção eficaz e universalizada.

Experiências focadas na Atenção Primária à Saúde, com delimitação territorial do cuidado aconteceram em países como Canadá, Noruega, Suíça, Holanda, Espanha, França, Alemanha, Inglaterra, Irlanda e Chile. Evidências apontam (listei todas no fim do post) que sistemas de saúde estruturados em rede, cuja atenção primária é bem consolidada, resolutiva e ordenadora do cuidado, apresentam melhores indicadores de saúde quando comparados a outros sistemas.

Desde seu início, as RAS surgem como respostas às demandas de saúde da população. Dessa forma, são diretamente impactadas pelas mudanças estruturais e conjunturais sofridas pelo país, como o envelhecimento populacional, transição epidemiológica, mudanças de gestão, avanços tecnológicos e verba destinada à saúde.

No Brasil não seria diferente, mas aqui as necessidades vêm triplicadas. Explico: somos uma espécie de país em transição, aí temos demandas de saúde típicas de países em desenvolvimento. Assim, nossa carga de doenças é composta por problemas relativos à 1) Infecções, saúde reprodutiva e desnutrição; 2) Doenças crônicas e fatores de risco a elas associados, como tabagismo, obesidade, hipertensão; e 3) Crescimento da violência e mortes por causas externas, como acidentes de trânsito e assassinatos. O desafio está em conseguir conciliar as constantes mudanças no cenário do país com a capacidade resolutiva da rede.

Desde 2010, o Ministério da Saúde estabeleceu algumas diretrizes para implantação e funcionamento das RAS no SUS, através da portaria 4.279/10. Dessa forma, as redes devem possuir alguns componentes estruturais básicos: Centro de comunicação, a atenção primária; pontos de atenção secundária e terciária; sistemas de apoio, sejam eles diagnósticos ou terapêuticos, de assistência farmacêutica, teleassistência e informação em saúde; sistemas logísticos, registro eletrônico, prontuários, sistemas de acesso regulado à atenção e sistemas de transporte em saúde; e por fim, o sistema de governança da rede, formado pelas Comissões Intergestoras.

No modelo atual das nossas terras tupiniquins, temos a rede essencial e as complementares. Na parte essencial é onde estão os 3 porquinhos da atenção – primária, secundária e terciária –, já as complementares, são redes temáticas, sancionadas através de portarias do Ministério da Saúde visando a atender demandas específicas da população.

Segue o clubinho das complementares:

Rede Cegonha – regulada pela portaria 1.459/11, busca garantir às mulheres condições adequadas para o planejamento reprodutivo, gravidez, parto e puerpério. São 4 os componentes dessa rede de atenção à saúde materno-infantil: pré-natal; parto e nascimento; puerpério e atenção integral à saúde da criança; e sistema logístico de transporte sanitário e regulação.

Estrutura de funcionamento da Rede Cegonha

Rede de Urgência e Emergência (RUE) – implementada pela portaria 1.600/11, é composta pela Promoção, Prevenção e Vigilância em Saúde; Atenção Básica; Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU); Unidades de Pronto Atendimento (UPA’s); Sala de Estabilização; Força Nacional do SUS; hospitais e atenção domiciliar. Seu maior desafio é promover atendimento 24 horas para situações agudas de saúde.

Estrutura de funcionamento da RUE

Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) – coordena o cuidado à saúde mental, sendo regida pela portaria 3.088/11. Fazem parte dela: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de Acolhimento (UA), Ambulatórios de Saúde Mental, Comunidades Terapêuticas, Hospital-dia, SAMU, UPA e sala de estabilização.

Estrutura de funcionamento da RAPS

Viver sem limites – surgiu pela portaria 793/12, é a Rede de Atenção à Pessoa com Deficiências. É formada por 3 componentes: Atenção Básica; Atenção especializada em reabilitação auditiva, visual, física, intelectual e em múltiplas deficiências; Atenção Hospitalar e de Urgências.

Eixos do programa Viver sem Limites

Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas – integra a Política Nacional de Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas, incluindo a prevenção e controle do câncer. Suas ações, tendo como base a portaria 438/14, estão fundamentadas na vigilância, informação e monitoramento; promoção da saúde; e cuidado integral.

Estrutura de funcionamento da Rede de Atenção à Saúde das Pessoas com Doenças Crônicas

Todas as RAS que querem fazer parte do clubinho do SUS precisam ter 6 características: relações horizontais entre os pontos de atenção, ou seja, não pode querer ser a Regina George e ter suas súditas – para mais informações, assista Meninas Malvadas –; a Atenção básica tem que ser a ordenadora do rolê porque é quem acompanha de perto as necessidades do território; as ações precisam ser pensadas em função das necessidades de uma população específica; deve oferecer atenção integral e contínua; cuidado multiprofissional focado na interdisciplinaridade; devem compartilhar metas e compromissos através de indicadores quantificáveis.

Até aqui foi tudo lindo, não é? Mas você deve estar se perguntando: e por que danado eu estou há um tempão esperando uma consulta, exame ou cirurgia, se tudo está tão bem amarradinho assim? Porque, apesar de bem desenhadas, as RAS nem sempre são bem implementadas, o que – junto com mais mil e um fatores – contribui para sua eficiência não tão eficiente.

E como seria possível ter uma rede de saúde que conseguisse dar conta do recado? Bom, de acordo com a galerinha que estuda o assunto (listados no final desse post), existe alguns itens necessários ao bom funcionamento dessa sinfonia, se liga:

  1. Ter uma economia de escala: o que, traduzindo, significa a diminuição dos custos a médio e longo prazo, conforme aumenta a quantidade de coisas que a rede faz. Por exemplo, em vez de comprar uma máquina caríssima de tomografia para um centro de referência que possui pouca demanda para esse exame, encaminhar os pacientes ao hospital próximo, que tem o aparelho – nesse caso, considerando a aquisição de mais um, já que o uso nesse local é maior.
  2. Quantidade aliada a qualidade: vai soar meio óbvio, mas para uma rede de saúde ser bem-sucedida, ela precisa possuir recursos – financeiros, humanos, de material – em quantidade suficiente para sua demanda, sempre atentos aos parâmetros estipulados pelo Ministério da Saúde.
  3. Facilidade de acesso: a rede deve trabalhar para minimizar ao máximo as barreiras de acesso do usuário, seja por questões geográficas, disponibilidade do serviço, condição socioeconômica ou até mesmo falta de conhecimento sobre os dispositivos de saúde existentes.
  4. Disponibilidade de recursos: não só financeiros, mas também humanos, tecnológicos e físicos. Para garantir a eficiência é importante que, quanto menor o recurso, mais ele deva ficar concentrado; mas se o din din tiver sobrando, espalha para o clubinho todo.
  5. Integração vertical: não tem nada a ver com a arquitetura, gente. Aqui estamos falando da gestão única entre as esferas de governo, articulando os serviços nos âmbitos municipal, estadual e federal.
  6. Integração horizontal: é quando todo mundo faz a dança da cordinha (brincadeira, não resisti), mas é quase isso. Basicamente é juntar a galera do rolê que faz a mesma coisa, para evitar duplicidade dos serviços.
  7. Substituições: em time que está ganhando, se mexe sim. E a substituição é esse processo de análise e reorganização dos serviços, para que sejam executados de forma mais eficiente.
  8. Definir regiões de saúde: é a abrangência de determinada RAS. Podem ser chamados de distritos, territórios ou regiões sanitárias e nessa divisão podem ser adotados critérios geográficos, socioculturais ou epidemiológicos.
  9. Níveis de atenção: fundamentais para estruturar o cuidado e garantir a economia de escala, desde a atenção primária – com menor densidade de tecnologia – até a atenção terciária.

E por hoje é só, pessoal! Deixem suas contribuições, dúvidas, elogios ou críticas nos comentários e aguardem que logo logo vamos para mais um passeio com o nosso menino SUS.

REFERÊNCIAS:

As redes de atenção à saúde

Diretrizes para Organização das Redes de Atenção à Saúde do SUS

Glossário Saúde de A a Z

Implantação das Redes de Atenção à Saúde e outras estratégias da SAS

Manual instrutivo da Rede de Atenção às Urgências e Emergências no Sistema Único de Saúde (SUS)

Portaria nº 4.279, de 30 de Dezembro de 2010

Redes de Atenção à Saúde: a atenção à saúde organizada em redes