Uma lembrança que tenho dos meus tempos de criança, é quando os adultos se despediam em alguma festa de família ou evento social e diziam um para o outro a frase “Saúde e paz, o resto a gente corre atrás”. Esse tipo de ditado era comum para quem viveu a infância no final dos anos 90 e começo dos anos 2000, quando as relações eram muito diferentes se comparadas às de nosso tempo atual.
Mas o que isso realmente significa?
Sabemos que o direito à saúde é muito importante, e que ele inclusive está disposto na nossa Constituição Federal de 1988, um marco da redemocratização brasileira, e muitas vezes chamada de Constituição Cidadã. Esse documento normativo tem dois artigos que serão abordados nesse texto e que são importantes para a efetivação da saúde em território nacional.
Um desses é o artigo 6°, que elenca os direitos sociais previstos na nossa legislação:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Outro artigo também bastante importante e que trata do tema é o 196 que diz:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Com base em tudo isso podemos entender que o nosso ordenamento jurídico se preocupa muito com a saúde e com os temas inerentes a ela, visto sua proteção ser muito importante para o bom funcionamento da sociedade e o efetivo respeitos aos Direitos Humanos e aos direitos fundamentais. Por essa razão temos ótimos mecanismos que são usados para que as pessoas possam ter acesso aos remédios como a farmácia popular e também em casos de atendimentos médicos com o uso do Sistema Único de Saúde (SUS).
Mas o que acontece quando o Estado não consegue garantir o acesso à saúde?
O Brasil é um país de dimensões continentais, o que torna as questões que envolvem o direito à saúde e sua efetivação bastante complexas. Por essa razão existem dois conceitos importantes quando falamos de acesso à saúde, que são a reserva do possível e o mínimo existencial.
A reserva do possível é o argumento de que mesmo que o Estado precise oferecer saúde a seus cidadãos, ele possui uma capacidade econômica limitada, e por essa razão não consegue oferecer tratamentos e medicamentos a todos. Diante disso, muitas vezes as pessoas que não têm seus pedidos atendidos buscam, por meio de processo judicial, o acesso que é garantido a todos pela nossa constituição.
Já o mínimo existencial é a definição das condições básicas de vida de uma pessoa para que ela possa ter os seus direitos protegidos pela legislação, o que inclui o direito à saúde. No artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos podemos encontrar uma definição interessante das condições básicas de vida garantidas pela declaração:
Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
Com isso podemos entender, no tocante ao direito à saúde no Brasil, que esses dois conceitos, reserva do possível e mínimo existencial, estão sempre em choque, fazendo com que a necessidade e a possibilidade da concessão de benefícios da saúde estejam em pauta nos mais diversos locais de debate.
Por mais que essa discussão não pareça ter fim, é importante que ela seja sempre deliberada, para que o acesso à saúde seja uma realidade para mais pessoas a cada ano que passa.
Não existem dúvidas de que o direito à saúde é um dos direitos mais importantes, pois sem ele os seres humanos não podem realizar qualquer outro direito, fazendo com que sua dignidade humana seja completamente abalada. Uma pessoa que está doente e não consegue buscar tratamentos ou medicamentos adequados acaba por não efetivar seus outros direitos, ficando presa em uma situação e sem conseguir ter sua saúde restaurada.
Por essas razões podemos concluir que o argumento da reserva do possível é completamente injustificado, pois o Estado precisa cumprir os seus deveres constitucionais e precisa assegurar recursos em seu orçamento para oferecer os tratamentos médicos necessários para a população. Isso pode ser feito com uma alteração no modelo de tributos e em uma atualização da forma como as verbas são recebidas pelos órgãos responsáveis pela saúde na nossa nação.