Brasil, 1904, mais especificamente, Rio de Janeiro. O surto de febre amarela em 1850 havia deixado a população tão preocupada que até D. Pedro II saíra do Rio e fora se refugiar em Petrópolis, de tanta infestação de mosquitos. A imagem do Brasil para a Europa nesse começo dos 1900 era praticamente de um insetário (não que hoje não seja rs), e até navios prometiam a travessia da Europa para a Argentina sem passar pelo Brasil, para acalmar seus clientes.
A febre amarela era conhecida como o “vômito negro”, por causa da hemorragia que causa em várias partes do organismo, e atingia a todos, independente do poder aquisitivo. Já se sabia na época que a doença era transmitida por um inseto vetor, portanto, a infestação das cidades com os mosquitos era um pavor para os que lá viviam. Ainda, a varíola, doença hoje erradicada pela vacinação em massa, assolava a população brasileira.
Rodrigues Alves assume como presidente do Brasil em 1902 e, por já ter perdido uma filha para a febre amarela, resolve por um fim a essa mazela e contrata o médico sanitarista Oswaldo Cruz, que põe em ação uma série de medidas para acabar com os mosquitos, além de tornar a vacinação contra a varíola obrigatória. Para acabar com os mosquitos, a equipe de Oswaldo Cruz visitava as casas do Rio de Janeiro para fumegar com inseticidas, diminuindo assim a presença de vários tipos de mosquitos, responsáveis por transmitir diferentes doenças infecciosas. Essas medidas diminuíram de fato o surto de febre amarela, entre outras doenças.
Ao conseguir a aprovação do congresso para tornar a vacinação contra a varíola obrigatória e invadir as casas dos cariocas para fumegar os mosquitos, Oswaldo Cruz comprou uma briga com a população do Rio de Janeiro e também com os alunos da Escola Militar da Praia Vermelha. Em 10 de novembro de 1904, uma revolta estudantil levou pessoas para a rua que protestaram contra as ações consideradas invasivas da equipe de Oswaldo Cruz. Os protestos eram contra a invasão das casas e a obrigatoriedade de se injetar algo que a população não sabia o que era.
Dois dias depois, 4 mil pessoas saem para as ruas em direção ao Palácio do Catete e, nos dias que seguiram, bondes foram incendiados, e por causa dos militares da Praia Vermelha, essa revolta quase vira um golpe militar! Até 14 de novembro foram 3 mortes de rebeldes e nenhuma do lado do governo, mas os combates continuaram. Em 16 de novembro, o governo declarou estado de sítio, e revogou a obrigatoriedade da vacinação contra a varíola. A polícia aproveitou os tumultos para excluir os que perambulavam pela cidade e os mandou ao Acre, para trabalharem como seringueiros, mas muitos não resistiram ao tratamento e à viagem. A revolta deixou 30 mortos, 110 feridos e 945 presos e, desses presos, 461 foram mandados ao Acre.
Bom, hoje sabemos que a varíola foi erradicada e os únicos exemplares do vírus encontram-se em laboratórios com altíssima segurança, como o Center for Disease Control nos EUA. Só que o que essa revolta nos ensina? O que podemos concluir desse comportamento de recusa?
Como imunologista eu sempre acho que se alguma pessoa recusa uma vacina, é porque: 1. não sabe o que tem nela. 2. não sabe como aquilo pode te proteger. Ou seja, falta de informação. Não podemos exigir que a população que não tem acesso à educação básica entenda o que é proteção pela memória do sistema imune, dose integral, dose fracionada, macacos como reservatórios e não como transmissores… A lista de termos jogados para a população só nessas primeiras semanas de 2018 é longa demais e cabe a nós, cientistas, educadores e entusiastas do método científico, esclarecer o que é fato, o que é inferência, o que é teoria da conspiração.
O pânico gerado na população está tão evidente, que aposto que você, leitor, já passou na frente de um posto de saúde e viu as filas quilométricas, ou mesmo enfrentou estas filas para você mesmo tomar a vacina. Ao mesmo tempo, muitas pessoas que se consideram “entendedoras do assunto” estão usando as redes sociais para enumerarem motivos para não tomarmos a vacina da febre amarela. Minha sugestão não é para ignorar o que as pessoas falam, mas para criar o hábito de checar os fatos que estão sendo ditos antes de repassa-los. Ao checar, você, leitor, aprende sobre o assunto e garante que as pessoas que você quer informar recebam os fatos e não as inferências, os achismos, a pseudociência, as fake news.
Para saber mais como as vacinas funcionam de uma maneira geral, tem uma entrevista onde eu explico para quem não é da área como uma vacina é desenvolvida e porque elas funcionam!
Cronologia Revolta da vacina 1904