A Ilha de Páscoa é considerada por muitos como um lugar extremamente misterioso. Não é por pouco, trata-se do pedaço de terra mais isolado do mundo. É ocupada por povos, em sua maioria, polinésios, porém com registro genético de indígenas sul-americanos (o que por si só já levanta várias questões). A ilha também teve uma queda populacional acentuada e misteriosa (tendo um auge populacional de pelo menos 15 mil habitantes — reduzidos a poucas centenas nos primeiros registros de contato com povos europeus), diversas hipóteses tentam explicar essa queda, esse talvez seja o tópico de outro texto publicado aqui.

Porém, o mistério que mais chama atenção acerca da Ilha de Páscoa envolve os Moais, os grandes bustos esculpidos em pedra que são espalhados por toda sua extensão e em grande número, pouco menos de 1000 esculturas. As estátuas são esculpidas em rocha vulcânica (abundante na ilha) e muito provavelmente são representações de antigos membros de tribos locais.

Ian Sewell – IanAndWendy.com – Photo gallery from Easter Island

O maior mistério — muito debatido por ambos ufólogos conspiracionistas e pesquisadores sérios, é como ocorreu o transporte desses Moais da pedreira onde foram esculpidos até o local onde se encontram. A questão permaneceu um mistério por séculos, os moais são muito pesados e alguns são genuinamente gigantes (o maior tem 10 metros de altura!). Por conta disso, diversas teorias foram propostas e testadas, levando em conta as tecnologias que os habitantes locais tinham em mão, para descobrir como se deu a realização deste transporte.

Por exemplo, a arqueóloga Jo Anne Van Tilburg propôs, em 1998, uma maneira elaborada de transporte envolvendo tábuas e troncos de madeira usados como “rodas” no transporte do Moai, que era transportado na horizontal. O teste foi feito, a conclusão é de que é possível fazer o transporte por esses métodos, mas demandaria uma quantidade gigantesca de pessoas e o processo seria quase impraticável com os moais maiores e mais pesados.

A ilha foi descoberta em 1772, Questionamentos sobre o transporte dos Moais datam (*pelo menos em documentação*) de 1889. O primeiro relato vem das lendas locais da ilha, os habitantes dizem que as estátuas andaram magicamente até o seu local destinado, foi dito a Thomson (1889) que os Moais foram “imbuídos com o poder de andar sobre as sombras”, Metraux (1940) reconta que “As estátuas moveram-se por uma distância e então pararam”.

Durante dezenas de anos, a hipótese maluca das estátuas terem caminhado até o seu local destinado foram ignoradas pela comunidade científica. Em contraponto, a teoria foi abraçada por conspirólogos e ufólogos, principalmente após o lançamento do livro “Chariot of The Gods”, que foi o predecessor da ufologia moderna, inspirando o show de televisão “Alienígenas do Passado”, exibido no canal History.

O show de TV apresenta uma teoria sobre o transporte dos Moais na ilha: Os Moais realmente “andaram” até seu destino, na verdade, eles flutuaram usando uma tecnologia alienígena chamada “mana”… é sério.

Entretanto, a ciência chegou a uma resposta muito mais crível do que tecnologia alienígena nos últimos anos (sério? não creio). Então, como que foi feito este transporte? Bom, na verdade, tudo indica que os moais realmente andaram. O artigo “The ‘walking’ megalithic statues (Moai) of Easter Island”, publicado em 2012 no Journal of Archaeological Science, explica essa história.

Ok, na verdade os moais não andavam de verdade (aaaah 😕), mas pareciam andar. Para explicar como isso acontece, temos que levantar 2 informações importantes:

 

1- Os Moais não eram transportados na sua forma anatômica final

Duas diferenças prevalecem: os olhos, que só são esculpidos quando a estátua se encontra no seu *Ahu* (local final onde eram colocados), e (a mudança anatômica mais importante para explicar o movimento dos Moais) a envergadura dos moais é consideravelmente diferente, com uma diferença acentuada entre os ombros e a base, que é posteriormente esculpida e corrigida.

 

 

2 – O Moai de transporte tem o centro de massa voltado mais para a frente:

Como dá para ver na linha vertical pontilhada nas imagens acima, as estatuas têm o centro de massa fora da base para o transporte (devido às diferenças na forma e o peso da cabeça), isso faz com que as estátuas pendam para a frente. Os cientistas chegaram nessas informações analisando centenas de fotos de moais concluídos e incompletos dispersos pela ilha. No artigo, montou-se um modelo 3D do Moai no seu estado de transporte, abaixo:

Utilizando dessas informações, podemos explicar como os Moais “andaram”: utilizando 3 cordas, algumas pessoas e a boa e velha energia cinética.

De acordo com o artigo, descrever o movimento moai como “andar” é conceitualmente consistente com nossa própria locomoção usando pedais. Tanto a estátua “andando” e nossos passos representam mecânicas que podem ser modeladas como um pêndulo inverso: um pêndulo simples que é virado de cabeça para baixo para que a massa oscile para frente e para trás a partir de uma base fixa.

Pêndulos conservam energia e podem permanecer em movimento por algum tempo enquanto houver atrito mínimo durante cada balanço. Ao mover-se para caminhar para a frente, um pedal em seu pé é colocado no chão. A partir desse ponto, nosso centro de massa — localizado ao longo da linha vertical do centro da barriga — segue o caminho de um arco enquanto levantamos nosso quadril oposto e balançamos uma perna para a frente. O pé da frente eventualmente atinge o chão e o arco desacelera até parar nessa direção. Nesse ponto, a energia cinética é mínima, mas a energia potencial desse lado está no máximo. À medida que se avança para o próximo passo, a energia potencial é convertida de volta em energia cinética e continua o movimento para frente. Trata-se da física básica da caminhada.

A caminhada dos Moais usa deste princípio, aproveitando-se da envergadura que faz com que o Moai penda para a frente, e utilizando movimento coordenado para lados opostos, ocorre a transferência de energia de um lado para o outro, o que gera o movimento para a frente. Uma vez em movimento, há relativamente pouca perda de energia para o atrito, fazendo necessária a adição de pouca energia adicional no sistema — apenas puxadas relativamente leves no lado oposto. A corda posicionada nas costas da estátua tem o objetivo de impedir a queda dela para a frente.

Eu sei que parece muito complicado, calma, não feche a página. Quer saber uma forma fácil de visualizar como este movimento foi feito? Simples, em 2011, um grupo de pesquisadores e voluntários foram até o Havaí para testar essa hipótese, como dá para ver na imagem.

Easter Island moai ‘walked’, Nature Newsteam

Não é o bastante para você? Tudo bem. O mais legal é que eles não só tiraram fotos, como gravaram a caminhada do Moai!

Espero que tenha gostado do texto!

 

Fontes:

Carl P. Lipo, Terry L. Hunt, Sergio Rapu Haoa, The ‘walking’ megalithic statues (moai) of Easter Island, Journal of Archaeological Science, Volume 40, Issue 6, 2013, Pages 2859-2866, ISSN 0305-4403, https://doi.org/10.1016/j.jas.2012.09.029.

Clark Liesl, PBS NOVA. The Secret of the Sledge. Disponível em: https://www.pbs.org/wgbh/nova/easter/dispatches/19980502.html.

Clark Liesl, PBS NOVA. Past Attempts. Disponível em: https://www.pbs.org/wgbh/nova/easter/move/past.html

EASTER ISLAND FOUNDATION. Ahu and Moai. Disponível em: https://islandheritage.org/intro-to-easter-island/ahu-and-moai/.

Ioannidis, A.G., Blanco-Portillo, J., Sandoval, K. et al. Native American gene flow into Polynesia predating Easter Island settlement. Nature 583, 572–577 (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-2487-2

Metraux, A., 1940. Ethnology of Easter Island. Bishop Museum, Honolulu.

Thomson, W.J., 1889. Te Pito te Henua, or Easter Island, Report of the U.S. National Museum for the Year Ending June 30, 1889. U.S. Government Printing Office, Washington D. C, pp. 447e552.

WIKIPEDIA. Ilha de Páscoa. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ilha_de_Páscoa.

Fonte da imagem de capa: https://d5y9g7a5.rocketcdn.me/wp-content/uploads/2020/01/moais-historia-e-teorias-sobre-sua-criacao-1.jpg