Hoje a gente vai falar de um livro de história do Brasil. História que talvez você tenha vivido e que talvez até se lembre das notícias pela TV e jornais, mas que, se eu pudesse chutar, eu diria que você não entende totalmente o impacto que causou.
O texto de hoje é uma resenha do livro Maria Altamira de Maria José Silveira para falar da Usina de Belo Monte, para falar de Rio Xingu, para falar de povos indígenas, de passado, de presente e de futuro.
Sinopse
A história do Maria Altamira começa nos anos 1970 e chega até os nossos dias. Alelí é uma mulher peruana da região de Yungay que vê sua vida ser destruída por um desastre natural de proporções gigantescas.
Por conta de um terremoto de magnitude 7,9 na escala Richter, um desmoronamento de terra e gelo cobre toda o povoado de Alelí. O Huascarán, montanha de gelo de quase 7800 metros de altitude, não suportou o terremoto e a avalanche de gelo e rochas foi fatal para Yungay e outros povoados da região. Só em Yungai morreram 17 mil pessoas e apenas 400 sobreviveram, entre eles Alelí.
Após perder quase toda sua comunidade, sua família, seus vizinhos, seu marido e sua filha Alelí tem certeza que a tragédia com sua família ocorreu por sua culpa e entra em um profundo sentimento de culpa que a faz se sentir amaldiçoada e sair de Yungay para sempre para não ter que conviver com sua dor.
Alelí passa a perambular por toda a América Latina dos anos 1970, sujeita às mais diversas violências que uma mulher sozinha e sem nada a perder pode sofrer. Alelí passa pela Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai para enfim chegar ao Brasil em 1980, vendo por onde passa as misérias e os reflexos das ditaduras nestes países.
Alelí encontra na música um pequeno refúgio de sua dor e uma forma de conseguir algum dinheiro para partir para o próximo destino. Acreditando sempre carregar uma maldição que fará as pessoas que ama morrerem, ela fica em algumas paradas apenas o tempo necessário para conseguir algum dinheiro para seguir para o próximo destino.
Tocando seu charango, instrumento típico dos países andinos e feito da casca de um tatu, ela toca por bares e boates acompanhando outros músicos.
Ao chegar ao Brasil, Alelí conhece Manuel Juruna que se apaixona instantaneamente por ela e promete levá-la para viver junto dele na aldeia em que vive na volta grande do Xingu, o Paquiçamba. Os Juruna ou Yundjá são um povo que tem poucas pessoas vivas após tantas ameaças aos indígenas.
Alelí encontra na volta grande do Xingu e junto de Manu Juruna e os Yudjá um lugar de conforto e, após se habituar a convivência deles, Alelí parece finalmente capaz de ser feliz.
Quando ocorre outra tragédia, Alelí tem certeza que carrega uma maldição que faz com que todas as pessoas que ela ama morram de forma trágica.
Partindo do Paquiçamba, Alelí chega em Altamira/PA grávida e encontra Chica, que lhe oferece abrigo. Quando a filha de Alelí nasce, temendo que a maldição se repita e que sua filha acabe morrendo, Alelí abandona Maria Altamira com mãe Chica e parte em peregrinação sem rumo pelo mundo, com medo de se apegar a alguém que possa acabar perdendo.
A partir daí passamos a acompanhar a história de Maria Altamira, filha de Alelí e Manu Juruna, criada por mãe Chica em Altamira vendo as pressões políticas durante sua infância e adolescência para a construção da Usina de Belo Monte.
Maria Altamira é filha do rio Xingu e vê na luta indígena para impedir a construção da usina uma aproximação com sua história. Sem saber muitas informações sobre sua mãe e seu pai, Maria Altamira vai para a região do Paquiçamba conhecer a história de seu pai e seus parentes.
Maria Altamira resolve se envolver ainda mais na luta indígena e promete para si mesma uma vingança em nome da sua família.
A partir daí o que eu disser é spoiler do livro.
História do Brasil dos dias Atuais
Os impactos ambientais da construção da usina de Belo Monte foram amplamente noticiados ao longo dos anos, mas o Maria Altamira traz uma visão muito particular dos impactos sociais da construção da usina. Maria José da Silveira foi para Altamira e até a volta grande do Xingu para conversar com as pessoas que sofreram na pele os impactos durante sua pesquisa para o livro. As histórias que os personagens se envolvem ao longo do livro são contadas a partir de perspectivas reais. É bastante impressionante a descrição dos problemas que os habitantes de Altamira e os indígenas sofrem em decorrência da usina.
A luta dos indígenas começou na década de 1970, quando se começou a falar na construção da usina, ainda na época da ditadura militar do Brasil. Dos anos 1970 até o término da construção da usina em 2013 muita luta indígena e de ambientalistas ocorreu para tentar barrar a construção.
As pequenas conquistas que foram alcançadas, como a construção de apenas uma das sete barragens previstas, que faria com que o impacto ambiental e social fosse ainda maior, e a mudança do nome da usina que seria usina Kararaô, (palavra da língua indígena com significado religioso), nome que foi abandonado após o protesto da índia Tuíra Kayapó que colocou a lâmina do seu facão no rosto de Muniz Lopes diretor da Eletronorte.
Tuíra Kayapó entrou para a história com seu gesto de protesto quando foi anunciado o nome dado à usina em 1989 no 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, maior evento da história naquela região.
No site Xingu Vivo tem um histórico com imagens desde os primeiros passos ainda nos anos 1970 até a aprovação da licença ambiental para construção da usina e pode ser visto aqui.
Tá tudo isso no livro. É um romance histórico brutal, mas é muito necessário de se ler. Não é uma história simples e que tem um final feliz. É Brasil puro com injustiça e tragédia.
Leia para entender nosso passado presente e futuro.
Me conta nos comentários o que achou quando ler?
Até a próxima!
Imagem da Capa: Capa do livro que tem por dentro um mapa da América Latina e por fora a volta grande do Xingu, região onde a barragem da usina foi construída inundando as terras indígenas e reduzindo muito a vazão do rio.