Quando você leu a pergunta no título deste texto, qual resposta veio à sua mente? Vem descobrir a resposta com números!
Antes de começar no assunto deste texto, vamos relembrar um pouco o que aconteceu meses atrás, ainda na época das campanhas eleitorais. Em um dos programas Roda Viva com os candidatos à presidência, quando perguntado qual seria o papel do Ministério da Educação em sua eventual gestão e se o ensino superior público federal deveria estar nesta pasta ou no Ministério de Ciência e Tecnologia, o candidato à presidência em questão, em meio a uma fala que não respondeu a pergunta, disse a seguinte frase sobre a pesquisa científica: “nós somos carentes nessa área, nós não temos pesquisa no Brasil, coisa rara”. Juntamente com outros fatores na época, essa fala gerou diversas manifestações tanto online quanto nas ruas que mostravam que existe pesquisa no Brasil. Aqui no Portal Deviante, essa fala gerou também uma semana especial de textos falando sobre a pesquisa científica brasileira. KATCHIM!
No texto de introdução dessa semana especial de meses atrás, mostrei por uma análise do número de artigos publicados na plataforma SciELO que estamos vivendo no período em que a pesquisa científica brasileira está em seu momento de maior produção da história do país.
Hoje, aquele mesmo candidato é nosso presidente eleito. E como já era esperado, nestes poucos mais de 100 dias de governo, entre diversas confusões no Ministério da Educação que continuam mesmo após a troca de ministro, vemos notícias e mais notícias que indicam um verdadeiro projeto de sucateamento da educação pública do país.
Uma das últimas novidades neste “projeto” foi a diminuição do trabalho desenvolvido nas universidades públicas do país numa fala do presidente em entrevista: “Nas universidades, na questão da pesquisa… você não tem. Poucas universidades têm pesquisa e, dessas poucas, a grande parte está na iniciativa privada”.
Usando o mesmo critério do texto feito na época das eleições, irei mostrar que mais uma vez nosso atual presidente disse inverdades e quem faz, de verdade, pesquisa no Brasil.
Desta vez consegui dados de uma plataforma internacional, a Elsevier, que, segundo próprio site, é “uma empresa global de informações analíticas que contribui com instituições e profissionais para o progresso da assistência à saúde e da ciência melhorando seu desempenho em benefício da humanidade”. Quem trabalha ou já trabalhou com pesquisa com certeza já utilizou alguma vez na vida alguma das ferramentas da Elsevier, sendo que aqui irei falar sobre o ScienceDirect.
Tal como a SciELO, que usei no texto anterior, o ScienceDirect é uma plataforma de publicação de textos completos de artigos de revistas e livros de referência. Com mais de 14 milhões de publicações em mais de 3.800 periódicos e mais de 35.000 livros, a plataforma apresenta conteúdo nas mais diversas áreas de Ciências Exatas e Engenharias, Ciências da Saúde, Ciências da Vida e Ciências Sociais e Humanas.
Fazendo uma busca avançada pela ferramenta Scopus (que é a ferramenta de análise de dados da Elsevier) podemos encontrar uma análise de dados baseada nas publicações do ScienceDirect que apresentem o Brasil como país principal ou filiado (ou seja, se o autor principal ou pelo menos um dos co-autores está alocado em instituições brasileiras).
No mesmo período que os dados da plataforma SciELO foram analisados no texto anterior, somando as publicações brasileiras na plataforma ScienceDirect, obtemos que o total de publicações entre 1998 e 2017 é de 836.421 artigos (ou capítulos de livros)! Ou mais de três vezes a quantidade de publicações na plataforma brasileira, indicando a preferência pela publicação em plataformas internacionais, como já havia citado no texto anterior sobre o tema.
Foram feitas quase 400.000 publicações a mais no período 2008-2017 em relação à década anterior (1998-2007) e as publicações dentro de todo o período 1998-2017 correspondem a aproximadamente 90% das publicações brasileiras na plataforma (que apresenta dados desde 1823). Como já tínhamos concluído na análise dos dados da plataforma SciELO no texto anterior, mais uma vez podemos ver que a pesquisa científica brasileira está em seu momento de maior produção da história do país. Como já temos o ano de 2018 completo, pelo gráfico acima, podemos ainda observar que a produção continua crescendo ao longo dos anos.
Mas isso tudo eu já tinha mostrado meses atrás, certo? Se você acompanha os textos do Portal Deviante ou se você viu alguma notícia na época das manifestações, você já sabia que existe muita pesquisa no Brasil, sim! O que eu vim mostrar hoje tem a ver com a produção nas universidades públicas.
Pela ferramenta Scopus também é possível fazer uma análise das instituições que mais publicaram na plataforma ScienceDirect. Com as 20 instituições brasileiras que apresentam mais publicações na plataforma, temos como resultado o seguinte gráfico:
Bom, o que temos então? Dentre as 20 instituições brasileiras que mais publicaram na plataforma estão 14 universidades federais, quatro universidades estaduais e dois institutos públicos que desenvolvem pesquisa. E… nenhuma instituição da iniciativa privada. Para não ser injusta, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro aparece na 23ª posição em número de publicações e a próxima é a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul na 32ª posição. A instituição privada citada pelo presidente como exemplo de produção de pesquisa científica no país não é sequer listada entre as publicações feitas na plataforma ScienceDirect.
Mas não vamos nos ater somente a dados de uma das maiores plataformas de publicações multidisciplinares coletados por esta que vos escreve. Em janeiro de 2018, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) disponibilizou um relatório que analisa a pesquisa brasileira, baseado na análise de dados de publicações entre 2011 e 2016 em outra das maiores plataformas de publicações, a Web Of Science. Tal relatório foi produzido pela Clarivate Analytics, uma empresa que dentre outras coisas é especializada em análise de dados.
Então vamos a alguns fatos interessantes presentes neste relatório.
O Brasil foi o 13º país em quantidade de publicações na plataforma no período analisado (2011-2016) como mostrado na figura abaixo. No relatório ainda é citado que nos últimos 20 anos houve um crescimento anual na quantidade de publicações brasileiras, reflexo da recente expansão das universidades no país. Ou seja, deixando claro mais uma vez para quem ainda não tinha entendido: tem muita pesquisa no Brasil!
Uma forma de analisar a “qualidade” de um artigo é o número de citações feitos a ele em outros artigos. Ou seja, quanto mais citado é um artigo, mais relevante ele é para a área. Como o número de citações depende de alguns fatores como a área da pesquisa e também a “idade” do artigo (há quanto tempo ele foi publicado), foi realizada uma normalização do impacto do artigo por citações. Com isso, chegou-se ao resultado de que as publicações brasileiras continuam abaixo da média mundial em questão de citações em artigos posteriores, porém, houve um aumento no impacto de 18% entre 2011 e 2016, chegando ao valor de 0,86. Caso essa tendência se mantenha, em 2021 as publicações brasileiras já devem chegar à média mundial (que é igual a 1, uma vez que foi realizada a normalização dos valores).
Há bastante informação a ser analisada neste relatório, porém, como ele é aberto a todos, irei terminar o texto falando somente sobre os pontos que são relevantes na discussão que trouxe inicialmente (e incentivou a escrita deste texto). Quem quiser ver o restante do relatório, pode ver aqui.
No relatório também temos uma lista das instituições brasileiras que mais publicaram no período analisado, como podemos ver na figura abaixo.
Em comparação com a plataforma ScienceDirect, há algumas variações entre as instituições e suas respectivas posições na lista das 20 que mais publicaram entre 2011 e 2016, mas ainda assim temos 15 universidades federais e 5 universidades estaduais. Novamente, não há nenhuma instituição da iniciativa privada na lista.
Dois pontos a destacar são que a Universidade de São Paulo (USP) é a que tem a maior produção em questão de número de publicações e a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) é a que tem o maior impacto médio de citação, chegando a ultrapassar um pouco a média global. A UERJ também é a instituição que apresenta a maior porcentagem de publicações entre o 1% de artigos mais citados do mundo no período analisado.
Então:
- Além de ter muita pesquisa das mais diversas áreas no Brasil, estamos aumentando a qualidade e o número de publicações ao longo do tempo e
- A maior parte de toda a pesquisa realizada no Brasil é feita em instituições públicas, mais especificamente nas universidades federais e estaduais.
Com isso, podemos concluir que a manutenção desta tendência do aumento da pesquisa de qualidade no país só virá com investimentos na ciência e na educação para todos. Outra conclusão importante é: não falem coisas sem ver dados reais sobre o assunto, principalmente se você ocupa o cargo mais importante num país.
Quem quiser ler mais:
Textos da semana especial “Fim da Ciência no Brasil” no Portal Deviante:
A minha história com o financiamento público de pesquisa.
A problemática e a “solucionática”.
O tiro pode sair pela culatra.
Referências:
Research in Brazil: A report for CAPES by Clarivate Analytics.
Scopus. Para obter os dados com esta ferramenta da Elsevier é necessário estar logado com seu email institucional e usá-la na rede da sua instituição.