No dia 23 de maio de 2017, Real Madrid e Flamengo assinaram ao contrato de transferência do que se tornaria a segunda maior venda da história do futebol brasileiro. Nela, o atacante Vinícius Júnior deixaria o time rubro negro rumo à Espanha, ao custo de 45 milhões de euros. A venda foi tão grande, que só era superada pela de Neymar, que foi do Santos para o Barcelona em 2013, ao custo de cerca de 86 milhões de euros. A volta das grandes transações no mercado brasileiro de futebol trouxe à tona uma velha questão aos jornais esportivos: quais as maiores transações de todos os tempos?
Nesta reportagem comentando a venda do atacante temos a seguinte lista das maiores vendas, a partir de clubes nacionais, para 2017. Adicionamos à lista outras três grandes vendas de 2018, dos jogadores Arthur, Rodrygo e Lucas Paquetá. A lista fica assim:
Das 13 transações 10 foram realizadas nos últimos 10 anos, o que sugere que o investimento dos clubes em seus quadros de jogadores tem aumentado vigorosamente. No entanto há uma outra história escondida por trás dessas vendas e precisamos transformar esses números para que ela fique clara.
Comparações de valores através do tempo encaram sempre um grande problema. A inflação. Falo um pouco sobre a inflação e seu efeito sobre o dinheiro aqui, mas, em resumo, a inflação é o aumento generalizado de preços na economia e ela tende a ocorrer sistematicamente, mesmo que em pequena escala, nas economias atuais. Esse processo faz com que através dos anos, o dinheiro passe a valer cada vez menos.
Para tudo! O dinheiro pode valer mais, ou menos? Meus $10,00 não vão continuar valendo sempre… $10,00? A resposta é sim…. e não. De fato, se você carregar uma nota de $10,00 ao longo de 10 anos, por exemplo, o valor NOMINAL da nota não irá mudar, continuará sendo $10,00. Mas o valor REAL do dinheiro pode ser diferente. Me acompanhe.
Imagine que antes dos 10 anos se passarem você consiga pagar por um corte de cabelo com $10,00. No final desse período, se não tivermos inflação, você deverá conseguir pagar pelo corte de cabelo da mesma forma, pois os preços se mantiveram estáveis. Mas caso nesse meio tempo tenhamos visto uma inflação de 50%, por exemplo, embora você possa chegar no fim do período com os $10,00 em mãos, esse dinheiro não será mais capaz de comprar as mesmas coisas que comprava antes, pois os bens (e serviços) da economia terão subido seus preços em cerca de 50%. Nesse caso, o corte de cabelo estaria agora custando $15,00 e seus $10,00 não seriam mais suficientes para comprar esse serviço. Dizemos nesse caso que o PODER DE COMPRA do dinheiro diminuiu, pois a mesma quantidade de dinheiro compra menos bens e serviços.
Isso já deve te dar alguma intuição sobre os problemas em se comparar valores monetários através do tempo. Na economia chamamos de nominais os preços que ainda têm incorporados a eles o valor da inflação, enquanto os preços reais são aqueles que têm seu valor corrigido, mostrando de forma mais acurada o poder de compra do dinheiro. Quando comparamos valores através do tempo, temos de ter certeza de que comparamos valores reais ao invés de nominais.
Vamos continuar nosso exemplo, mas suponha agora que você ganhasse um salário de $1.000,00 antes dos 10 anos se passarem e agora, depois desse período e recebendo alguns aumentos, passou a receber um salário de $1.400,00. Você deve estar numa situação financeira mais confortável, certo?
Para compararmos os salários nos dois períodos precisamos limpar o efeito da inflação. Para acompanhar essa mudança nos preços podemos utilizar os ÍNDICES DE PREÇOS. O Brasil tem vários índices de preços, cada um com sua especificidade, mas todos eles têm o mesmo propósito: mostrar como determinados preços flutuaram em certo período. Assim, para fazer a correção só precisamos aplicar a fórmula:
Sendo (i) o período de referência para o seu cálculo, o tempo para onde você quer levar os valores nominais, enquanto (j) é o período que sofrerá a atualização. Aplicando a fórmula ao exemplo, para a inflação de 50%, temos:
Ou seja, sendo (i) o tempo presente e (j) o passado de 10 anos atrás, concluímos que no passado, $1.000,00 comprariam a mesma quantidade de bens que $1.500,00 reais compram depois de 10 anos. Então, mesmo com os aumentos de salário, levando-o para $1.400,00, você ainda estaria recebendo menos do que há 10 anos.
Agora vamos voltar para a lista das maiores vendas do futebol brasileiro. Em primeiro lugar, vamos utilizar a taxa de câmbio de cada período para mostrar o valor das vendas em reais.
Essa atualização já traz algumas mudanças para o nosso ranking. Assim, pode parecer que a venda mais lucrativa da história para um clube brasileiro foi a do Neymar em 2013, acompanhada pelas de Arthur, Rodrygo e Vinícius Jr., mas se nós descontarmos a inflação, trazendo todos os números para valores reais, para índices de 2018 vemos o seguinte:
Neymar continua lá em cima! A transação do ex santista foi realmente tão alta que se manteve no topo, mesmo com os ajustes de câmbio e inflação no período. Mas temos outros números que surpreendem. A transação que fica em segundo lugar passa a ser a do Denílson, que vem lá de 1998 e antes era a última em nossa lista! Isso mostrando que, à época, a renda da venda do jogador foi muito alta. O mesmo efeito ocorre com a transação do Robinho, de 2005, que sai da 11ª posição para a 7ª, depois da correção monetária.
Vamos lembrar que com o passar do tempo o alcance do futebol como negócio tem crescido, assim como a arrecadação dos clubes, então à época a transação do Denílson pode ter representado um percentual enorme da arrecadação do seu clube de origem. E claro, só por essa lista também não podemos dizer com toda a certeza que conhecemos todas as transações que geraram as maiores arrecadações da história do futebol brasileiro, porque podemos estar perdendo alguma outra transação vultuosa no passado, que não tenha sido contemplada na lista original, por não terem sido considerados os valores reais, desde o início.
Assim como aconteceu para a lista das maiores transações do futebol brasileiro, frequentemente matérias tratam de outros temas, cometendo o mesmo erro. Então fique atento! A atualização pela inflação é um passo muito importante para que vejamos com clareza qual a verdadeira história contada por nossos dados.
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