Com essa pergunta, você deve ter pensado: como assim, a cor do meu nome? É possível que meu nome tenha alguma cor? E estou aqui para lhe dizer que sim. Existem pessoas pelo mundo que enxergam cores em nomes, em letras, e até mesmo em sons, entre diversas outras situações que envolvem cheiros, sabores e sensações.
Sinestesia é uma rara condição neurológica de cruzamento sensorial. O que isso significa? Bem, um sinesteta – é assim que chamamos pessoas que vivenciam essa condição – é capaz de enxergar flashes de cores quando ouve algum som, notar personalidades em letras e números, entre outras situações totalmente involuntárias. Atualmente, dentro do complexo sinesteta contabilizou-se cerca de 73 traços cognitivos distintos, o que chamamos de tipos de sinestesia. A sinestesia pode ser dividida em dois grupos que de certa forma se sobrepõem: sinestesia projetiva, e sinestesia cognitiva ou categorizada. A primeira, que é mais conhecida, corresponde a indivíduos que, quando recebem um estímulo sensorial, obtêm reações em demais sentidos. Já a sinestesia cognitiva envolve grupos de coisas que somos culturalmente influenciados a categorizar, como números, letras, cheiros, sabores ou cores. Temos como exemplo desta a sinestesia grafema-cor, que consiste em visualizar cores para determinados números e letras.
Ainda não existe um consenso sobre como a sinestesia ocorre, mas uma das teorias mais aceitas é a da ativação cruzada. O cérebro é composto por um complexo de conexões, caminhos, células e partes que formam o sistema sensorial. No cérebro de um não sinesteta, esses caminhos são separados, ou seja, as informações não se misturam. O laranja é percebido como laranja, o vermelho como vermelho, o gosto de banana como gosto de banana, e assim segue. Enquanto isso, no cérebro de um sinesteta, ocorre a chamada ativação cruzada. O que acontece é que esses caminhos se transpassam, ativando regiões adjacentes do cérebro, causando as sensações sinestetas. Um exemplo disso é que a experiência de identificar cores em grafemas (letras e números) pode ser explicada devido a ativação cruzada de uma das regiões cerebrais responsáveis pela percepção e processamento visual, a região V4 do córtex visual.
A descrição dessas sensações pode remeter a experiências com o uso de drogas alucinógenas ou até mesmo a algum tipo de doença mental. Entretanto, segundo Sean A. Day, presidente da IASAS (Associação Internacional de Sinestetas, Artistas e Cientistas) e professor na Universidade de Ohio, a sinestesia não passa de uma característica do ser humano, assim como a cor dos olhos ou do cabelo. A implicação de que a sinestesia é uma doença mental sugere que sinestetas precisam de algum tipo de tratamento ou cura, o que não é verdade. Em fato, a maioria dos sinestetas não deseja mudar sua condição. A raridade dessa condição não torna ela algo anormal, mas sim, uma forma do cérebro processar os sentidos.
É difícil saber exatamente o quão raro o fenômeno é, mas alguns cálculos apontam que aproximadamente 3,7% das pessoas têm algum dos, até então, 73 tipos de sinestesia. Destes, metade possui mais de um tipo. O site daysyn.com, de Sean A. Day, dispõe de uma tabela que mostra alguns desses tipos. Os dados são baseados em arquivos de 1143 sinestetas que dispõem de uma ou mais manifestações da sinestesia. Observando esse grupo, concluiu-se que alguns dos tipos mais comuns são grafema para visão (61,26%), unidades de tempo para visão (22,96%), tons musicais para visão (18,05%) e sons gerais para visão (16,21%).
A cantora, compositora, atriz e produtora musical Stefani Joanne Angelita Germanotta, mais conhecida como Lady Gaga, faz parte da lista de artistas sinestetas. Em uma entrevista em Singapura, ela relata que quando compõe, ouve melodias, letras, mas também visualiza cores: “Eu vejo uma parede de cores. Por exemplo, ‘Poker Face’ é um âmbar profundo, quando você assistir ao show, verá essa cor” (em tradução livre). Já a cantora e compositora canadense Alessia Cara conta que a sinestesia a ajuda a definir se as partes da música se complementam: “[…] se um certo som de bateria soa roxo, e a música soa roxo, então eu sei que eles meio que encaixam”.
Marina Lambrini Diamandis, também conhecida como Marina and the Diamonds, é uma sinesteta: “Quando estou compondo, alguns acordes são de cores diferentes. […] Enquanto construo um álbum e o produzo, eu o baseio na paleta de cores que tenho em mente“. Também integrante da lista, a cantora e compositora neozelandesa Lorde relata que a sinestesia definitivamente molda o tipo de música que ela compõe: “Algumas melodias, mesmo que sejam boas, não são coloridas para mim, e eu só componho com cores, você sabe, então eu estou definitivamente compondo de um jeito específico por causa da minha sinestesia”. Já Pharrell Williams contou em um programa de rádio, em 2013, que sua sinestesia é o único jeito dele identificar como algo soa. “[…] eu sei quando algo está afinado, pois ou corresponde a mesma cor ou não corresponde. Ou parece diferente e errado”.
Quando pensamos em pintores, temos como exemplo a artista Melissa McCracken. Melissa pinta músicas. Em entrevista para a plataforma Broadly, Melissa relata que “as guitarras são, normalmente, douradas e angulares e o piano é mais mármore e seco, por causa dos acordes.”. Melissa também conta que nem todos os sinestetas enxergam as músicas com os mesmos tons coloridos: “Conheci outro pintor com sinestesia e, para termos um termo de comparação, ambos pintamos “Little Wings”, de Jimi Hendrix. As peças ficaram completamente diferentes, o que prova o quão subjetivo é. Adoro estudar a arte de Kandinsky, porque ele também tinha sinestesia, mas os seus quadros são muito mais geométricos”.
Essa é uma questão muito relevante. Quando tantos estímulos sensoriais são registrados ao mesmo tempo, pode-se pensar que o sinesteta deve se sentir sobrecarregado de alguma forma. Sean A. Day explica, em entrevista para o Uol, que para quase todos a sinestesia não interfere de forma alguma na vida cotidiana. É como se fosse qualquer um dos demais sentidos. “Com o olfato, qualquer pessoa pode sentir cheiros muito agradáveis, como café fresco, biscoitos caseiros e perfumes exóticos. No entanto, também pode sentir cheiros desagradáveis, como vômito ou o odor de banheiros públicos extremamente sujos”. Ele ainda exemplifica que no nosso cotidiano a maioria dos cheiros que sentimos acabam passando batido, e é da mesma forma com a sinestesia.
Apesar de ainda haver pouco conhecimento científico sobre ela, conclui-se até então que a sinestesia nada mais é do que uma condição neurológica rara. Não é uma doença, não é anormal, e não há nada que indique, até então, que afeta qualitativamente a saúde mental e/ou a vida dos indivíduos que a possuem. É como se fosse um – ou mais – sentidos extras, vertentes dos 5 sentidos originais.
E você? Tem curiosidade em saber se você possui algum tipo de sinestesia? Existem diversos testes espalhados pela internet – a maioria em inglês (como, por exemplo, o disponibilizado no site synesthesia.com) – com a finalidade de diagnosticar sinestetas por aí. Entretanto, a busca pelo conhecimento em relação a essa condição já ajuda bastante. Esta é uma forma de vivenciar o mundo, de visualizá-lo, senti-lo, cheirá-lo ou até mesmo saboreá-lo (será que o criador do picolé sabor pedacinho-do-céu, aquele bem azul, era um sinesteta? Nunca saberemos…).
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Dhiulyane Farias Gomes Fuentes, mais conhecida como Dhiulyane Gomes, ou só Dhiu. 20 anos, Graduanda em Psicologia. Apaixonada por música e livros, militante nas horas vagas, aspirante a cientista e pesquisadora. Fã da Débora Noal, Beyoncé, e Emicida. Sonha em viajar pelo mundo, pintando tudo de AmarElo, tirando a dor do peito do outro, e provando que o Preto é Rei. Ah, sim, eu sou a filha da professora Daiane, e neta da professora Maria do Carmo!