Sabemos que a ciência é construída por meio de um método: o método científico, e que o mesmo deve ter características próprias. Deste modo, é importante diferenciar ciência de pseudociência, e entender o que é pensamento científico, senso comum e pensamento religioso.

O senso comum vem da forma como se interage com o mundo, como se recebem as tradições, e como se ajustam essas tradições para a experiência individual. Existe aqui uma certa subjetividade, existe tentativa e erro.

Por exemplo, quando se faz o bom e velho cafézinho do dia a dia. Alguns gostam dele mais fraco, outros preferem mais forte. Alguns aprenderam com suas mães, outros aprenderam pela primeira vez com um vídeo do Youtube. É importante perceber que não existe certo e errado, e que cada um chegou no resultado que funciona melhor para si próprio.

Já o pensamento religioso é infalível, inquestionável, dogmático. O que se afirma é aquilo e ponto. Ele se apoia na tradição, na crença, e por isso mesmo permanece da mesma forma por muito tempo.

E, por fim, o pensamento científico. Segundo Carl Sagan, “a ciência é mais que um corpo de conhecimento, é uma forma cética de interrogar o universo, com pleno conhecimento da falibilidade humana”. Então, percebemos que a ciência é um empreendimento coletivo, já que não poderia ser feita por uma pessoa apenas, e também percebemos que os conhecimentos são obtidos, interpretados à luz de um ecossistema científico e podem ser confrontados.

A parte final da citação de Sagan, “com pleno conhecimento da falibilidade humana”, talvez seja a chave aqui. Nós, humanos, produzimos ciência; e nós, humanos, somos passíveis de falhas. E precisamos saber que falhamos, onde e como, e de que maneiras podemos nos corrigir e aprimorar.

O conhecimento científico precisa ter essa abertura, e ser sempre questionador. É por isso que o Stephen Hawking diz que “o maior inimigo do conhecimento é a ilusão do conhecimento”. É aí que mora o perigo. Ao achar que se sabe tudo, não se busca mais, não se questiona. Interrompem-se as pesquisas, os aprofundamentos, fica-se estagnado.

Em qualquer área de estudo é importante se atualizar o tempo todo, e nunca parar de estudar. A busca é fundamental, e a humildade também. Os cientistas e a ciência têm que ser humildes para poder reconhecer seus erros. 

No decorrer do tempo, vemos mudanças em todas as áreas do conhecimento. Preconceitos são questionados, propõe-se uma maior conscientização, temos mais tecnologias e pesquisas são aperfeiçoadas. E quando olhamos para trás, percebemos que algumas coisas mudaram. Questões sociais, como lidar com a diversidade, como cuidar do meio ambiente, a importância de racionalidade nos cuidados de saúde, são exemplos de tendências modernas que são frutos de aprendizado coletivo.

Trago um caso da Nutrição. Em um livro de receitas do Açúcar União, publicado na década de 70, se afirma que:

Palavras da nutricionista Dra. Elvira Iglésias Antonelli, responsável pela Seção de Nutrição do Serviço Escolar, o qual se encarrega do problema da alimentação dos alunos de quase duas mil escolas desta Capital e do Interior:

Conforme pesquisas efetuadas em nosso meio escolar, o baixo nível de nutrição constitui uma das mais poderosas forças contra o progresso físico, mental e social da criança. O período de desenvolvimento da criança escolar se caracteriza por uma grande atividade que exige grandes gastos de energia. O lanche ideal deve fornecer entre 400 a 600 calorias, 50% das quais são fornecidas pelo açúcar e outros carboidratos.”

De fato, Dra. Elvira tem razão, criança privada de açúcar é desnutrida e enferma. Ouça a opinião do seu pediatra: sem dúvida ele será o primeiro a recomendar o Açúcar União.

Além da má construção argumentativa, ao se apoiar em um argumento de autoridade, a Dra. Elvira, e a autoridade vaga da “opinião do seu pediatra”, quando lemos isso em 2023, nossas reações são ou dar risada, ou achar um absurdo.

Já mostrei esse trecho para vários colegas e vários alunos e nenhum deles concordou com a citação, e desconfio que mesmo num grupo muito maior de pessoas ainda continuaria obtendo as mesmas reações: rir ou achar absurdo, ou uma mescla dos dois.

Em 2023 estamos todos preocupados com a alimentação, com muito mais informações sobre Nutrição, tentando levar uma vida mais fitness. Não é a realidade de todos, mas é certamente uma tendência. Assim, depois de uma geração ou duas, fica muito mais fácil olhar para trás e reconhecer as besteiras de outra época.

Aliás, mesmo individualmente, é decerto mais fácil enxergar os erros do passado do que os erros do presente. E talvez seja por isso que temos um conflito de gerações com nossos pais e avós. Nós, da nossa geração específica, com seus conhecimentos, suas questões culturais, e toda a sua construção, talvez possamos enxergar melhor algumas “besteiras” de épocas passadas, por estarmos com outros óculos, inseridos em outra ótica. E disso vêm discussões e até brigas entre gerações por simplesmente não sermos capazes de concordar.

Claro, gerações mais novas não estão certas em tudo, e dependendo do caso é o contrário: são as gerações mais velhas que têm a nos ensinar. Mas falando sobre ciência, e construção do conhecimento como um todo, passando também por conhecimentos filosóficos, sociais e artísticos, talvez seja importante estar mais antenado. Não necessariamente mais jovem, de acordo com o que diz o RG de cada um, mas mais aberto às mudanças e atualizações que tanto as áreas de humanas quanto as áreas de exatas e saúde vão propor no passar dos anos.

Bom, mas se percebemos pelo exemplo do açúcar União que é não é tão difícil reconhecer uma besteira como tal olhando para trás, o que podemos fazer para reconhecer as besteiras da nossa época? Elas certamente estão aqui, em todas as áreas de produção de conhecimento, causando algum tipo de estrago que só vai ser reconhecido posteriormente.

Sem os óculos que gerações futuras terão, somente com os óculos da nossa geração atual, como fazemos para enxergar essas besteiras? Fica o questionamento, alertando para a importância de se conhecer o método científico, suas ferramentas; e ter a humildade de reconhecer nossos erros, estar em busca constante, nos colocando no lugar de eternos aprendizes.