Enquanto o pulmão se enche de ar e tenta absorver o máximo de oxigênio possível, o coração pulsa para que o sangue passe por este pulmão. O sistema cardiovascular e o sistema pulmonar trabalham juntos para que nosso corpo obtenha todo oxigênio possível. Trabalham em conjunto. Assim, quando um está mal, o outro pode ser afetado.
Coração e pulmão.
Órgãos que estão fisicamente próximos, e mais, compartilham seu trabalho de forma sinérgica. Logo, respirar uma tonelada de fumaça com os mais diversos componentes tóxicos pode chegar até o coração, mesmo com alguns mecanismos de filtragem que temos em nosso corpo.
Para começar a desenvolver essa ideia, primeiro, vou compartilhar uma série com você. Recentemente comecei a assistir “This is Us”, um drama familiar em que a cada episódio nossos olhos ficam mareados, seja de felicidade ou tristeza. Não darei spoiler aqui, não citarei personagens, mas usarei de exemplo apenas uma situação que ocorre na série.
PARE! Caso não queria nenhum spoiler da segunda temporada.
Último Aviso!
Avisado!
Bom, no texto de hoje vou falar sobre o sistema cardiovascular e o respiratório. Mostrar que sua sincronia e trabalho de equipe são importantes. Além disso, vou comentar sobre poluentes do ar e dos males da crescente onda de cigarros eletrônicos (vape).
“THIS IS US“
Voltando à série.
Uma personagem da série “This is Us” tem seu destino traçado desde o início. Assim, o roteiro leva-a até um local em chamas. Lá ela (a personagem) fica por um período considerável, absorve toda aquela fuligem e todos os compostos formados quando há um incêndio. Estes poluentes inalados entram no sangue através do sistema respiratório. O pulmão acaba “sobrecarregado”, mesmo após sair das chamas, e esta sobrecarga tem uma consequência no sistema cardiovascular.
O pulmão recebe um ar pesado e pobre em oxigênio. Por sua vez, o coração percebe essa queda. Logo, o sistema cardiovascular e pulmonar se sobrecarregam. Por consequência, morbidades cardiorrespiratórias podem ocorrer, tal como uma parada cardiorrespiratória (parada do pulmão e coração) ou um infarto cardíaco.
O relato acima traz os efeitos agudos de uma grande quantidade de poluentes. Contudo, enquanto você está no trânsito ou se aquecendo dentro de casa se utilizando de uma lareira, os poluentes chegam até você de uma forma mais “diluída”. Por esse motivo, o processo é lento e não o percebemos até que os seus efeitos levam a outras doenças (como hipertensão arterial ou até diabetes tipo 2).
AMBIENTES POLUÍDOS
Estamos cercados dos mais diversos compostos que podem afetar nosso coração e/ou pulmão. Além de produtos manufaturados, como o BPA-a (bisfenol a) ou de metais como chumbo, mercúrio e cádmio, que podem passar por um processo de bioacumulação, também sofremos com a poluição.
Estes poluentes são encontrados no ar (ozônio, óxidos de nitrogênio, matéria particulada, dentre outros) e podem ter um efeito ainda maior no sistema cardiovascular em temperaturas mais extremas, o que se torna um problema geral devido às mudanças climáticas.
De acordo com o “Global Burden of Disease (GBD)”, há uma estimativa de que 9 milhões de mortes ocorreram em 2019 devido à poluição. Além disso, 61,9% ocorreram por eventos cardiovasculares, como infarto e derrame. Diversos mecanismos danosos podem evoluir para que haja problemas cardiovasculares com resultado morte.
Exposição aos poluentes pode se dar por diversas portas, tais como pulmonar, cutânea ou gastrointestinal. Desse modo, após inalado ou absorvido, alguns mecanismos lesivos iniciais são desencadeados, tais como estresse oxidativo e processos inflamatórios. As consequências disso podem ser hipertensão arterial, disfunção endotelial, diabetes tipo 2 e aterosclerose. E, por fim, infartos ou até a morte.
É fato que ambientes poluídos, como os de grandes cidades, podem sobrecarregar nosso organismo e tudo isso está diretamente relacionado com ambos os sistemas que tratamos aqui (cardiovascular e respiratório).
POLUIÇÃO ATIVA
Mesmo que possamos fugir desses locais poluídos, ainda há pessoas que procuram de tudo para “injetar” compostos danosos, como em casos de uso do cigarro eletrônico (e-cigarro), “vaping devices”. Este cigarro entrou no mercado internacional no ano de 2007, por isso, ainda não se sabem todos os efeitos negativos que pode trazer a longo prazo. Após alguns anos, em 2019 fora cunhado o termo EVALI, que significa “Dano pulmonar associado com uso de vape/e-cigarro” (e-cigarette or vaping product associated lung injury).
Diferente do cigarro tradicional, vape apresenta uma composição diferente e é vendido para os mais jovens como uma alternativa “mais saudável” ou até como uma forma de “parar de fumar fumando”. Talvez até seja mais benéfico que o cigarro tradicional se usado para parar totalmente o fumo, mas ainda não existem dados suficientes para afirmar isso.
Apesar o vape de não apresentar grande quantidade de toxinas e se afirmar conter o mínimo possível de componentes (apesar de existir as mais variadas composições e marcas), a nicotina (com dose ajustável) precisa se evaporar, entrar no pulmão e atingir a corrente sanguínea – pulmão e coração. Para que seja possível a entrega da nicotina, usam-se compostos como propilenoglicol (usado em fabricação de maquiagens) e glicerina vegetal (usado como aditivo alimentar).
Na imagem abaixo pode-se observar alguns dos efeitos de longo prazo e curto prazo que ocorrem no pulmão e coração.
Ainda, sobre o EVALI, observou-se que o vape pode causar um processo inflamatório semelhante à de uma pneumonia lipídica (com gordura no pulmão). Quando se analisa o lavado pulmonar, pode-se ver células com gordura dentro (macrófagos fagocitando lipídeos). Um dos principais responsáveis é um produto conhecido como acetato de vitamina E (VEA), o qual está presente na maioria dos casos do EVALI quando se faz um lavado brônquico.
Como decorrência disso, temos cada vez mais casos de famosos com EVALI que fazem campanhas contra o vape, como é o caso do cantor sertanejo Zé Neto. Vale lembrar que se trata de um produto que chegou faz pouco, por isso sabe-se pouco sobre efeitos colaterais a longo prazo e não há fortes regulações.
POR FIM
Os danos nos pulmões e coração causados por poluição ambiental, como fumaça de carros, ou até por metal pesado (acumulado) no peixe que você ingere não ocorrem totalmente por sua culpa. Nesses casos, só o que pode tentar fazer é escolher outro local para viver e para comprar seus alimentos.
Por outro lado, o fato de querer parar de fumar um cigarro convencional é um avanço, mas pense duas vezes, em usar o “e-cigarro” para isso, pois pode não ser a melhor alternativa.
Enfim, escolhas. O Personagem em “This is Us” escolheu entrar em um local em chamas e você (ou seu colega) escolheu fumar.
Bom, por hoje é isso. Deixe seu comentário caso tenha alguma dúvida.
Não fume! E até a próxima!
Deixo aqui as referências usadas em meu texto.
1. Rajagopalan S, Landrigan PJ. Pollution and the Heart. N Engl J Med. 2021;385(20):1881–92.
2. Chand HS, Muthumalage T, Maziak W, Rahman I. Pulmonary toxicity and the pathophysiology of electronic cigarette, or vaping product, use associated lung injury. Front Pharmacol. 2020;10(January):1–7.
3. Tsai M, et al. Effects of e-cigarettes and vaping devices on cardiac and pulmonary physiology. J Physiol. 2020;598(22):5039-62.