Pode ser que, a princípio, seja um pouco contra intuitivo conhecermos mais sobre o universo que está tão mais distante do que o oceano que está logo ali. Afinal, cerca de 71% da superfície da Terra é coberta por água. Desses, 97% é água salgada. Sendo assim, como é possível conhecermos mais sobre o cosmos do que nosso próprio quintal? É por que não temos interesse? É por não ser importante ou ser algo irrelevante? Vamos descobrir!

Antes de responder, vamos analisar alguns fatos:

  1. No final dos anos 40, pós Segunda Guerra Mundial, a exploração mais profunda do oceano até então era de, acreditem, apenas 900 metros;
  2. Em 1953, alcançamos o topo do Monte Everest. Sim, foi mais fácil escalar 8.848 metros do que mergulhar 1.000 metros;
  3. Na década seguinte, em 1969, Neil Armstrong pousava em solo lunar com a Apollo 11 e nada de avanços significativos na exploração oceânica;
  4. Já no século XXI, mais precisamente em 2002, possuíamos um mapa 3D mais detalhado de Vênus do que dos relevos oceânicos;
  5. Mesmo hoje em dia, com plataformas de petróleo espalhadas por todo o mundo, extraindo inúmeros barris por dia a partir da perfuração do solo oceânico, conhecemos muito pouco.

Ok, mas qual o motivo disso? Quando falamos da exploração dos oceanos, devemos ter três coisas em mente: a escuridão, a pressão e o tamanho dos oceanos. Esses são os principais obstáculos que impedem uma ampla exploração e mapeamento dos oceanos.

A escuridão

Para falarmos da escuridão, destaquemos a importância da luz. O fitoplâncton é o maior exemplo da importância da luz solar no ambiente aquático. Trata-se de um produtor primário em ambientes aquáticos. Os produtores primários representam a base de qualquer cadeia alimentar. Eles realizam a fotossíntese com a luz proveniente do sol e oxigenam a água e a atmosfera. Acredita-se que os fitoplânctons são responsáveis por 70% de todo o oxigênio disponível na atmosfera. Devido a isso, as costas oceânicas abrigam a maior parte da biodiversidade marinha.

Até os 200 metros de profundidade chega luz suficiente a todos os seres. Mas a partir de 200 metros, a intensidade da luz solar começa a diminuir aos poucos. Por volta dos 1.000 metros de profundidade, uma ótima lanterna de mergulho não ilumina mais que 25 metros a frente. Para se ter uma ideia do quanto a falta de luz influencia na exploração, só conseguimos observar uma lula-gigante em seu habitat natural — a 1.000 metros de profundidade — em 2013. Antes esses animais eram encontrados somente em barrigas de baleias ou mortas em praias.

A pressão

O que é a pressão e por que ela é um obstáculo na exploração dos oceanos? Você deve ter aprendido na escola que, se você escalar uma montanha, o ar fica mais rarefeito e a pressão atmosférica diminui. Alpinistas que escalam o Everest precisam de cilindros de oxigênio para chegarem ao topo. Você já se perguntou o porquê disso?

Basicamente, a pressão é a força exercida pelo ar — ou pela água — em um determinado ponto. Nesse ponto, a força é maior ou menor dependendo do quanto de ar existe em cima de você, a chamada coluna de ar. Portanto, quanto mais próximo ao nível do mar, mais pressão. E, quanto maior a altitude, menos pressão. Veja essa ilustração abaixo:

Ilustração de pressão atmosférica comparando as lacunas de ar em São Paulo e Santos

Como a cidade de São Paulo está a 750 metros de altitude, há menos ar em cima da cidade e, consequentemente, a pressão é menor. Já em Santos, ao nível do mar, a pressão é maior pois existe mais ar em cima da cidade. Essa é a famosa coluna de ar.

Quando falamos do ar, a pressão é muito menos agressiva. A diferença de 750 metros entre São Paulo e Santos é desprezível e não tem efeito prático na vida das pessoas. Não é mais difícil morar em São Paulo devido à altitude. Talvez seja em La Paz, que fica a 3.640 metros de altitude, mas não em São Paulo.

A lógica da pressão na água é a mesma, mas ao invés de colunar de ar, é coluna de água. E, como a água é muito mais densa que o ar, a coluna de água é muito mais agressiva.

A cada 10 metros que mergulhamos no mar, aumenta 1 atm de pressão. Logo, se ao nível do mar temos 1 atm, quando mergulhamos 10 metros no mar, temos 2 atm. Abaixo temos uma imagem que talvez ajude a entender essa lógica.

Ilustração da pressão atmosférica no oceano em camadas

Agora as coisas começam a ficar bizarras. Quando os mergulhadores chegam aos 60 metros de profundidade, a pressão é forte o suficiente para transformar o ar do cilindro em gás tóxico. A pressão no oceano é implacável e mesmo em profundidades pequenas ela faz uma diferença enorme. Quando chegamos a 400 metros de profundidade, torna-se necessário um submarino. Um ser humano até consegue mergulhar a uma profundidade dessas, mas é preciso um traje de mergulho tão complexo quanto de astronautas! Por este e outros motivos, acaba sendo mais fácil explorar o espaço e chegar à Lua.

Estão percebendo a diferença absurda? Quando falamos de pressão atmosférica, no ar, os 750 metros de diferença entre Santos e São Paulo não mudam nada. Mas apenas 400 metros de profundidade no mar, são precisos submarinos. Por isso achei necessário introduzir a pressão atmosférica primeiro, como base de comparação.

Agora vamos ao fundo do mar, o habitat das criaturas mais bizarras do planeta. Com mais de 10.000 metros de profundidade, a Depressão Challenger é o lugar mais profundo do oceano. Para se ter uma ideia do quão absurdamente profundo é isso, vamos fazer uma comparação básica: o lugar mais alto versus o lugar mais fundo.

A Depressão Challenger possui uma profundidade de 10.923 metros, enquanto que o Monte Everest possui uma altura de 8.848 metros. Ou seja, a Depressão Challenger é tão profunda que daria pra colocar o Monte Everest dentro dela e ainda faltaria aproximadamente 2.000 metros para chegar até a superfície do oceano!

Nós mal conseguimos mergulhar mais de 400 metros sem a ajuda de submarinos. Agora imagine a pressão no fundo da Depressão Challenger!! Usando a lógica do aumento de pressão conforme os metros de profundidade, chegamos a um total de 1.100 atmosferas de pressão no fundo da Depressão Challenger. Com 1.100 atmosferas, cada 6 cm² tem um peso aplicado de uma Torre Eiffel. Ou seja, mais de 10 mil toneladas. Sim, é isso mesmo. Cada 6 cm² no fundo da Depressão Challenger possui um peso de 10 mil toneladas! Nessa profundidade, bolas de aço são esmagadas pela pressão como se fossem feitas de gel. E, por incrível que pareça, há vida nessas profundidades. As chamadas criaturas abissais. Peixes dos mais variados tipos e formas.

O tamanho

Como dito anteriormente, 71% da superfície terrestre é coberta por água. Além disso, a média de profundidade dos oceanos é de, aproximadamente, 3.000 metros. Somente com esses dois aspectos já fica bem evidenciado o tamanho do oceano. É muita água. Nós conhecemos bem até os 200 metros de profundidade, além disso nós não exploramos quase nada.

O fenômeno que deixa ainda mais explícito o tamanho do oceano chama-se bioluminescência. A bioluminescência é a produção de luz por seres vivos através de processos bioquímicos, como é o caso dos vaga-lumes. Apesar do vaga-lume ser o exemplo mais conhecido, a maior parte dos animais que usam esse aparato evolutivo vivem nos oceanos. Assim como o olho, a bioluminescência é uma característica homoplástica, ou seja, surgiu independentemente várias vezes na história evolutiva. O mar é tão grande que podemos afirmar com certeza que a bioluminescência é o modo de comunicação mais comum do planeta. Sim, mais do que gestos, expressões, cheiros, cores ou sons.

Exemplo de bioluminescência no mar

Conclusão

Podemos concluir que o maior motivo para não explorarmos tanto o oceano é a limitação tecnológica, além de ser muito caro e trabalhoso. Cerca de 90% do oceano ainda não foi mapeado e conhecemos apenas 1/3 da biodiversidade marinha. Walter Smith, geofísico da Agência Americana Ocêanica e Atmosférica (NOAA), apresentou um estudo que estimou as dimensões do esforço que seria necessário para mapear todo o oceano além dos 500 metros de profundidade. O resultado foi impressionante: seriam necessários 40 embarcações, 5 anos de trabalho e cerca de 3 bilhões de dólares. Colocar isso em prática seria um trabalho árduo. É claro que, para padrões de economia mundial, 3 bilhões não é tanto dinheiro, mas 3 bilhões de investimento para pesquisa científica? Isso é impensável na maioria dos países e, no Brasil, chega a ser cômico pensar nisso. Com esse custo de tempo e dinheiro, esse projeto seria um dos maiores investimentos científicos da história, bem como o Grande Colisor de Hádrons (LHC).

O mar, assim como o espaço, é algo fascinante. Pela grandeza, riqueza e complexidade. Quando se fala em biodiversidade, é comum pensar nas florestas tropicais, mas é nos oceanos que está a maior diversidade de espécies do planeta, mesmo conhecendo muito pouco. Formas de vida que jamais imaginaríamos.

Deixando o romantismo de lado, é muito importante que preservemos os oceanos. Além do fato de ter a maior biodiversidade do mundo, ele é importantíssimo para nós, como civilização. Todos nós dependemos dos oceanos para a sobrevivência. Os oceanos regulam a temperatura do planeta, são os maiores produtores de oxigênio e interferem diretamente nos tipos climáticos. Portanto, é preciso estudá-lo e preservá-lo.


Pedro Henrique. Programador e aspirante a físico. Especialista em transformar café em código e texto.