Quando nos deparamos com os idiomas asiáticos, como o mandarim, que é o foco desse texto, tomamos um susto em ver vários símbolos estranhos que a gente nem sabe como ler. Porém os chineses, pensando em disseminar seu idioma, fizeram algo que facilita muito sua aprendizagem: adaptaram aos caracteres que o mundo ocidental está acostumado. A isso, eles dão o nome de pīnyīn.
Retomando os caracteres chineses
Eu já falei dos caracteres chineses e como eles representam mais conceitos do que sons. Esse texto e outros que venham a sair sobre o assunto você pode conferir aqui.
É possível, inclusive, que um mesmo som seja representado por caracteres diferentes. É o que ocorre por exemplo com o número 1, que se escreve 一, e a primeira parte da palavra médico, a palavra inteira é 医生. Tanto 一 quanto 医 são lidos iguais, mas escritos diferentes.
A leitura desses símbolos pode ser representada por “yī”. É como se fosse um “i” falado de forma mais longa e com um tom agudo. Vocês podem ouvir nesse vídeo sobre números em mandarim:
O que é o Pīnyīn?
Notaram que usei uma representação do som do caractere 医 com as letras que estamos acostumados, “yī”? Essa representação do som é justamente o pīnyīn. Aliás, “pīnyīn” é um pīnyīn da palavra 拼音.
É possível fazer o paralelo do som com outras línguas. Nas minhas aulas, a professora sempre colocava uma referência do som de uma palavra inglesa. Por exemplo, o som de um “g” no começo do pīnyīn deve ser lido como no “g” da palavra inglesa “gold”.
Claro, eu poderia dizer que no português seria o mesmo som de “gol”, mas o fato de já ensinarem com uma equivalência na língua inglesa é interessante, porque mostra a preocupação em um ensino da língua voltado para as pessoas que falam inglês (a maioria dos ocidentais que estão aprendendo mandarim).
Além disso, a aproximação com o português seria mais difícil em alguns sons. Vou usar as palavras em inglês, vocês podem colocar no google tradutor. Ele tem uma função de falar a palavra que é ótima para pegar as sutilezas do som.
A dificuldade de adaptar os sons pra exemplos da língua portuguesa ocorreria, por exemplo, na diferença do “Z”, que tem um som de “tz”, como no final da palavra inglesa “kids“, e do “C”, que tem um som de “ts”, como no final de “cats.
O mesmo problema nos difíceis sons do “zh”, que soa como um “dj” da palavra “junk”, “ch”, que soa como “tch”, da palavra “church” (esse a gente tem no “tchau”) e o “sh”, como na palavra “shirt”, sem o t que existe no ch (um tchau, só que o do meu avô, que charmosamente falava só “chao” pra se despedir).
Claro que pra quem conhece o alfabético fonético internacional, o problema da representação do som seria resolvido facilmente. Porém a ideia do pīnyīn (e da forma como eu expliquei os sons) é que o ensino do idioma seja acessível mesmo a quem não tem o domínio dos fonemas.
Uma coisa que achei interessante no meu curso é que, antes de eles ensinarem qualquer coisa, ensinaram os sons. A princípio eu critiquei isso, porque sons desvinculados de sentido são bem difíceis de aprender. Porém eu entendi o porquê depois de um tempo.
Em primeiro lugar, o mandarim não tem tantos sons quanto outras línguas com que estamos acostumados, então não é difícil aprender.
Em segundo, como o pīnyīn é criado para representar o som, há nenhuma (ou quase nenhuma) variação no som das letras. Ou seja, não vai ter um caso igual o “x” da língua portuguesa, que pode ter som de “cs” (anexo), de “ch” (enxame) ou de “z” (exame).
Iniciais
Os chineses pensam muito a partir das sílabas, porque cada símbolo, quase sempre, representa uma sílaba. Então o pīnyīn de cada caractere é composto por 3 partes: uma inicial, uma final e um tom.
A gente pode fazer uma analogia e pensar que um inicial é como a consoante da sílaba, uma final é como a vogal e o tom… bom, deixa pra quando chegarmos lá.
O mandarim possui apenas 21 iniciais, ou seja, apenas 21 sons que começam uma sílaba. Bom, têm também 2 sons neutros, que são iniciais que ou não são pronunciadas ou são pronunciadas como finais.
Você pode conferir o som das 21 iniciais padrões nesse link. É bom saber que esse é um som sem considerar mudanças de tom e finais.
Funciona como o “p”, o som da sílaba muda (pa, pe, pi, po, pu), mas o som causado pelo “p” é o mesmo. Outra coisa legal é que a playlist de vídeos mostra não só o som, mas a posição da boca, língua e a passagem do ar.
Já as iniciais neutras são o w, que é associado ao som de “u”, e o “y”, que é associado ao som de “i”.
O y aparece justamente no exemplo do número 1. Já o “w” aparece no número 5, 五 ou wǔ. Os dois estão no primeiro vídeo.
No caso de wǔ, o “w” não é pronunciado, pois é o mesmo som de “u”. Na verdade, no vídeo você vai perceber que o som é meio que uma montanha russa de “u”; começa mais agudo, desce e depois fica agudo de novo. Porém isso não é por causa do “w”, mas do tom, que vamos falar daqui a pouco.
O “w” será pronunciado se estiver junto de outra final, como em “eu”, 我 wǒ, que você pode ouvir abaixo.
Finais
As finais exercem o papel das vogais nas silabas. Além das que correspondem às nossas vogais (a, e, i, o, u) existem as combinadas (ia, ei, ou etc.) e algumas um pouco diferentes do que estamos acostumados no português.
O “ü” é igual a no alemão. Tem um som meio que de um “i” nasal e feito com a boca arredondada. Vocês devem reconhecer em nomes como Müller ou Bündchen, apesar de que a gente acaba puxando mais pro i que no alemão.
Além desses, temos vogais terminadas em “n” e “ng”. As terminadas em “n” (an, en, in, on, ian, uan, uen etc.) têm um som igual às palavras terminadas em “n” no inglês (ou as terminadas em “m” no português”. Já as terminadas em ng (ang, eng, ong, iang, iong etc.) têm um som igual os terminados em “m” no inglês.
A diferença é que o “n” é mais aberto, termina fechando a boca, já os terminados em “ng” (ou m no inglês) tem o som mais fechado, terminam fechando a boca.
O vídeo abaixo mostra a diferença de “sum” (soma) e “sun” (sol) no inglês. Por ele vocês entendem a diferença. Tem uma introdução em inglês, mas os exemplos não demoram pra aparecer.
Tom
Pra fechar nossa sílaba, além da inicial e da final, temos o tom.
Eu já falei um pouco dele no primeiro texto, quando comentei que o mandarim é uma língua tonal e falei da diferença entre mãe e cavalo se falam como “ma”, mas se diferenciam pelo tom.
O mandarim tem 4 tons, além do tom neutro. No pīnyīn, os tons são representados por esse “acento” que é colocado em cima das letras. São bem intuitivos, porque o tom segue o sinal que o representa.
Usando nosso exemplo do “ma”, o primeiro tom é o que faz a palavra mãe “mā” 妈. É um tom agudo e contínuo representado por esse risco em cima da final. Ele é pronunciado como se você estivesse abrindo a boca pro médico olhar sua garganta e falando “āāāāāāāāā”.
O segundo tom é representado igual um acento agudo, como em “má” 麻, que é uma planta fibrosa (como a maconha). A pronúncia começa grave e sobe. Solte aí um “a” como se você não tivesse entendido direito o que uma pessoa falou, “ã?”, ou mesmo um “what?”
O terceiro tom é a montanha russa. Começa mais grave que os outros dois, fica um pouco mais grave ainda e depois sobe de novo, embora não chegando a ficar tão agudo quanto os outros (é o tom mais grave de todos). Ele é representado por um acento circunflexo ao contrário e está presente no cavalo “mǎ” 马 e soa bem parecido com alguém falando “really?” (acho que o “hein?” do português funciona também).
O quarto tom está em “mà” 骂, que significa repreender, e é representado como nosso acento grave da crase. Como o símbolo indica, ele é o contrário do segundo tom: começa alto e termina baixo. Soa como se você estivesse decepcionado e soltasse um “ahhh”.
Você pode conferir os 4 tons no vídeo:
Também pode conferir essa imagem mostrando a altura (o pitch) dos tons:
E pra fechar, o tom neutro é pronunciado de forma rápida e é representado pela falta de qualquer “acento”. Ele é usado em “ma” 吗, que é uma partícula utilizada para transformar uma afirmação em pergunta de “sim” ou “não”.
Por exemplo. Como afirmação:
Você bebe café.
你喝咖啡
Nǐ hē kāfēi
E como pergunta:
Você bebe café?
你喝咖啡吗
Nǐ hē kāfēi ma?
Fechando
Acho que deu pra entender um pouco mais da língua chinesa, além de conhecer essa forma de representação que eu acho fascinante e considero até uma ferramenta de soft power, porque facilita que as pessoas de boa parte do mundo aprendam de forma mais fácil a língua.
Pretendo ainda fazer mais um texto sobre a parte mais fácil da língua chinesa que é a gramática e, sério, que gramática simples. Faz você ter raiva das mil conjugações e tempos verbais que precisa lembrar quando vai aprender uma língua nova (ou o próprio português). Mas isso fica pro futuro.
大家再见
Dàjiā zàijiàn
Ou: até mais pessoal!