Pelo menos nos últimos 6.000 anos, os seres humanos têm usado pimentas em suas refeições. A pimenta não só adiciona picância e sabor, mas também ajuda a conservar os alimentos. Os povos nativos das Américas Central e do Sul já cultivavam pimentas por seu sabor e ardor muito antes da invenção das geladeiras, e serviam também como um método de manter o alimento livre de mofos — abundantes em regiões tropicais, úmidas e quentes — e conservar suas características originais por mais tempo. Atualmente, são cultivadas principalmente cinco espécies diferentes de pimentas, e suas variações. A substância responsável pelo ardor é um longo composto químico chamado capsaicina, que pode ser consumido por humanos à vontade, ou melhor, ao gosto do freguês. Também já existem meios de sintetizar artificialmente a capsaicina, para uso medicinal em cremes para alívio dos sintomas de psoríase e artrite, por exemplo.
Mas por que essas plantas começaram a produzir capsaicina em primeiro lugar? Ou, de uma perspectiva evolucionária, que vantagem o ardor oferece às pimentas que o criaram?
Em 2001, o Professor Josh Tewksbury e sua equipe investigaram a hipótese de que as pimentas produzem capsaicina para desencorajar certos tipos de animais de comerem seus frutos. No Arizona, eles utilizaram as pimentas chiltepine locais (Capsicum annuum var. glabrusculum), juntamente com algumas variedades de pimentas não picantes de uma espécie boliviana chamada Capsicum chacoense, em testes de alimentação com pássaros e roedores.
Os resultados mostraram que ratos e marmotas evitam frutos picantes, mas pássaros como o sabiá de bico curvo os adoram. Os pesquisadores atribuíram essas descobertas ao fato de que os pássaros não têm receptores de sabor para a capsaicina, mas os mamíferos têm canais especiais de receptores de sabor, chamados canais de potencial receptor transitório (TRP).
Quando a capsaicina se liga a este canal de receptores, desencadeia a entrada de íons de cálcio nos neurônios próximos. Quando esses neurônios são agitados pelos íons de cálcio, resulta naquela sensação característica de ardência. Como os pássaros não têm esses receptores, eles não sentem dor ao comer até as pimentas mais ardidas.
Eles também observaram que quando os roedores comiam as sementes de pimenta, triturando-as com seus molares, nenhuma das sementes era capaz de germinar. O consumo pelos sabiás, por outro lado, resultou em taxas de germinação semelhantes às das sementes de controle. Isso fez sentido intuitivamente, pois os pássaros são importantes dispersores de sementes para muitas plantas. As pimentas direcionam seu ardor aos roedores que trituram suas sementes, enquanto encorajam os pássaros benéficos a dispersar suas sementes por áreas distantes.
Mesmo com esses resultados, uma questão instigante permaneceu. Por que uma das pimentas usadas no experimento, Capsicum chacoense, produz tantos frutos que não são picantes?
A equipe foi até a Bolívia, um dos berços da história evolutiva das pimentas, e de onde era essa variedade, para encontrar populações selvagens dessa espécie. E observaram a relação entre as espécies de animais presentes na área e o ardor das pimentas. Nem a presença de roedores nem de pássaros pareciam influenciar quantas plantas em uma população local produziam frutos picantes.
O primeiro animal que se correlacionou com o ardor das pimentas foi um pequeno inseto de um grupo chamado Hemiptera. Esses insetos usam uma probóscide, ou língua semelhante a uma agulha, para perfurar o fruto e beber o suco apimentado.
A capsaicina provavelmente repele insetos assim como repele roedores (no caso dos insetos, eles drenam o fruto causando seu apodrecimento antes da maturação e não favorecem a dispersão). Os cientistas descobriram que dentro de uma população de plantas, o número médio de marcas de perfuração nos frutos se correlacionava com a proporção de plantas que produziam ardor.
No entanto, os insetos não foram o único bicho a causar danos. À medida que o número de buracos de forrageamento de insetos aumentava, também aumentava a quantidade de mofo nas sementes. Fungos do gênero Fusarium são notórios patógenos de sementes que afetam muitas culturas agrícolas em todo o mundo. À medida que a quantidade de mofo visível na semente aumentava, as chances de sobrevivência da semente diminuíam.
Plantas picantes apresentavam muito menos danos fúngicos em suas sementes do que plantas não picantes. E, assim como os nativos americanos descobriram, os cientistas viram que esses fungos são sensíveis à capsaicina. Notaram isso ao colocar os fungos em placas de Petri com quantidades variáveis de capsaicina e observarem que maiores quantidades de capsaicina resultavam em menos crescimento fúngico.
Em toda a Bolívia, populações de pimentas que estão em áreas mais úmidas, com mais insetos e onde os fungos são mais prevalentes, contêm uma maior proporção de plantas picantes do que lugares mais secos com menos insetos, onde os fungos não crescem tão prontamente. Clima, insetos e mofo influenciam o quão picante o Capsicum chacoense pode ser.
Portanto, produzir a capsaicina é um mecanismo de defesa da planta. Mas quando ela não está em um ambiente tão hostil, acaba sendo um mecanismo muito caro; do ponto de vista metabólico da planta.
A molécula é relativamente grande e contém muito nitrogênio, que é fundamental para a construção de outras proteínas e DNA. Além disso, como uma consequência da produção de capsaicina, as folhas de plantas picantes têm mais estômatos. Os estômatos são “buracos” nas folhas das plantas, protegidos por um par de células especiais que controlam quanto gás passa pela folha, e ter muitos estômatos significa que uma planta perde mais água quando transpira, um passo necessário para realizar a fotossíntese e produzir açúcares.
Como resultado, quando ocorre uma seca ocasional, as plantas picantes não se saem tão bem quanto as plantas não picantes. Plantas não picantes têm uma vantagem sobre as picantes durante a seca, produzindo mais sementes e, portanto, mais descendentes do que suas contrapartes picantes.
Para pimentas selvagens, as pressões seletivas conflitantes de patógenos fúngicos e seca resultam em um polimorfismo, um caso em que algumas pimentas são picantes e outras não.
Mas afinal, como as pimentas se tornaram tão populares e variadas, saindo do seu berço latino-americano para ̶b̶o̶t̶a̶r̶ ̶f̶o̶g̶o̶ conquistar o mundo?
A pimenta é um membro da família Solanaceae. É uma planta diploide (uma célula possui 2 cópias de cada cromossomo), facultativa (seu metabolismo consegue se adaptar às condições locais) e autopolinizadora (não depende apenas de polinizadores para reproduzir e uma mesma flor pode se polinizar, produzindo uma semente viável, embora esse método resulte em menor variedade genética). Suas parentes próximas incluem batata, tomate, berinjela, tabaco e petúnia.
A pimenta picante é uma das culturas domesticadas mais antigas do Hemisfério Ocidental e é a especiaria mais cultivada no mundo, sendo um ingrediente principal na maioria das cozinhas globais.
A pimenta picante tem uma grande variedade de usos, incluindo em produtos farmacêuticos, agentes de coloração natural e cosméticos, como planta ornamental e até como ingrediente ativo em muitos repelentes de defesa. Ela também fornece muitas vitaminas, minerais e nutrientes essenciais que têm grande importância para a saúde humana.
Em 2011, os 20 principais países produtores de pimenta cultivaram 33,3 milhões de toneladas de pimenta picante em 3,8 milhões de hectares (estatísticas da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO)). Na última década, a produção mundial de pimenta picante aumentou em 40%.
A planta se originou na América Central e do Sul e eventualmente cruzou os oceanos nas mãos de comerciantes.
Os astecas, incas e maias cultivavam pimentas. O termo “chilli” de pimenta ardida vem de palavras astecas. Os incas até usavam pimentas como uma forma de moeda de troca.
Colombo chamou as pimentas que viu crescendo nas Índias Ocidentais de “pimiento”, porque teria pensado que eram a planta do tipo “pimienta”, cultivada nas Índias Orientais. Ele foi dolorosamente surpreendido ao descobrir que as pimentas das Índias Ocidentais eram incrivelmente picantes. Em suas várias viagens ao Novo Mundo, Colombo coletou muitas variedades de pimentas apimentadas e doces e as levou de volta à Espanha. As pimentas imediatamente ganharam popularidade e se espalharam para a África, Índia e Extremo Oriente antes de se tornarem populares no restante da Europa e América do Norte.
Na América Central e do Sul, as pimentas são plantas perenes, que podem crescer entre quatro e seis pés de altura, mas na América do Norte, as pimentas são cultivadas anualmente por serem muito sensíveis à geada.
As pimentas devem ser colhidas quando mudam de cor de verde para vermelho, amarelo, laranja, roxo ou marrom. Uma vez que ocorre a mudança de cor, as pimentas doces ficam mais doces e as pimentas apimentadas ficam mais picantes. Quanto mais você colhe as pimentas, mais elas produzem.
Em um artigo publicado nos Anais da Academia Nacional de Ciências, foi estudada a genética de mais de 10.000 amostras de pimentas de todo o mundo, e descrito como as redes de comércio de uma potência colonial podem ter espalhado as pimentas por toda parte, e como algumas das plantas acabaram doces e crocantes enquanto outras ganharam seu toque ardido.
Os pesquisadores descobriram que a Europa e a Ásia compartilham uma variedade de pimentas, sugerindo que as pimentas se moveram ao longo das rotas comerciais entre o Oriente e o Ocidente. Também havia relações entre as pimentas da Europa Oriental e as do Oriente Médio, refletindo as rotas comerciais otomanas. A equipe especula ainda que os comerciantes portugueses, que no século XVI se moviam entre a América do Sul, Europa, África e Ásia, podem ter transportado algumas pimentas com eles, ajudando a explicar as semelhanças entre as pimentas africanas e as das extremidades desse eixo.
Cada vez que as pimentas ganharam admiradores em um novo local, os agricultores fizeram suas próprias seleções ao longo dos anos; as pimentas da Europa Oriental ficaram mais doces e menos picantes, enquanto as pimentas do Leste Asiático ficaram pequenas e ardidas.
Através do melhoramento seletivo, a domesticação favoreceu certas características nas pimentas, como tamanho, forma, cor e, claro, ardência. Os ancestrais selvagens das pimentas tinham frutos pequenos, redondos, eretos e com altos níveis de capsaicinoides, os compostos responsáveis pela sua ardência.
Uma das transformações mais significativas na evolução da pimenta foi a transição da orientação do fruto de ereta para pendente. Essa mudança trouxe vantagens, como aumento do tamanho dos frutos e proteção contra exposição ao sol. A base genética dessa transição foi descoberta por estudos que identificaram o gene Up (BIG GRAIN 1-like) como um elemento chave na determinação da orientação do fruto. Mutações na região regulatória levaram ao desenvolvimento de frutos pendentes, uma característica marcante de muitas variedades de pimentas domesticadas.
Outra característica que passou por modificações substanciais durante a domesticação é o tamanho do fruto. As pimentas selvagens normalmente tinham frutos pequenos, mas através da seleção humana, foram alcançados tamanhos de frutos maiores. Genes envolvidos no crescimento e desenvolvimento do fruto, como aqueles que controlam a divisão e expansão celular, desempenharam papéis cruciais nesta transformação.
A ardência, característica marcante das pimentas picantes, também tem sido um alvo de seleção. É provável que os primeiros cultivadores humanos tenham favorecido pimentas com maior teor de capsaicina por suas propriedades de realce de sabor e potenciais benefícios à saúde. Através da variação genética natural e do melhoramento seletivo, foram desenvolvidas pimentas com diferentes níveis de capsaicina. Genes envolvidos na biossíntese de capsaicinoides, como o Pun1, foram identificados e associados aos níveis de ardência nas pimentas.
Resposta: Já que no alto de montanhas o clima costuma ser seco e há poucos mamíferos e insetos para atacar as pimentas, então é de se esperar que pimentas de cume não ardam tanto hahaha.
Referências
Perry, Linda et al. “Starch Fossils and the Domestication and Dispersal of
Chili Peppers (Capsicum spp. L.) in the Americas.” Science 315.986 (2007)Tewksbury, Joshua & Gary Nabhan. “Directed Deterrence by Capsaicin in Chilies.” Nature 412 (2001): 403-404.
Tewksbury, Joshua et al. “Evolutionary Ecology of Pungency in Wild Chilies.” PNAS 105.33 (2008): 11808-11811.