Ai gente, isso é uma coisa horrível. Não façam. Em inglês tem dois nomes, a tradução direta que é “fishing with electricity” e “Electrofishing”, esse segundo, infelizmente, é um nome muito maneiro.

Basicamente, você pega uma fonte de energia, como uma bateria, pega um transformador para ajustar a tensão, coloca os dois eletrodos de energia na água, e isso vai gerar um campo elétrico que vai zoar o sistema nervoso central do peixe que vai ficar paradinho, e você pode pegar ele “sem causar muitos danos”.

Ninguém entende muito bem o processo, mas sabem que temperatura e salinidade são variáveis a se considerar. Se a água estiver muito quente, a condutividade sobe; se a água estiver muito salgada, a corrente passa pela água e não pelos peixes, então o método é utilizado só em lagos, rios e riachos. Em correntes unidirecionais os peixes nadam em direção ao ânodo (carga negativa), e isso ajuda o pescador, pois ele já fica com uma rede preparada para capturar o animal. Com correntes alternadas, eles fazem pulsos de energia de baixa frequência (menos de 30 Hz) que afetam todos os peixes da área, inclusive juvenis e larvas no substrato.

Existem três tipos de pesca elétrica:

  • Mochila – backpack a bateria ou gasolina (parece com a mochila de prótons dos Caça Fantasma)
  • Carrinho de mão flutuante – tote barge (é uma jangada com um motor em cima)
  • Barco – stun boat (o barco em si é um dos eletrodos, e uma vara com o ânodo é colocada na água. Usando uma rede suspensa)

A mochilinha não pode ser usada em ambientes com macrófitas (plantinhas), correntes fortes ou ambientes fundos. Frequentemente as baterias não estão finamente ajustadas, fazendo com que os peixes sofram convulsões e contrações tetânicas demasiadas (espasmos musculares), podendo quebrar a coluna e até morrer de asfixia ou de sangramento espontâneo nas guelras. Pesquisadores descobriram que a pesca elétrica causa danos letais em mais de 50% dos peixes afetados. Por seu alto nível de crueldade e ineficácia, também sendo classificada como poaching (caça furtiva), alguns países estão banindo e proibindo a pesca elétrica, como o Parlamento Europeu em 2018, a França em 2019 e o Reino Unido em 2021.

Fig 1 Pesca elétrica portátil

A preocupação é que às vezes a frequência está ajustada para o peixe que você quer capturar, mas a corrente elétrica também afeta outros peixes num mesmo ambiente e isso pode fazer com que você acabe afetando e às vezes até matando espécies ameaçadas ou juvenis da própria espécie que você quer pesquisar.

Fig 2 Pesca elétrica com jangada

Em condições de água com uma corrente um pouco mais forte, a pesca elétrica pode subestimar a abundância do peixe que você quer coletar, pois os peixes que se imobilizaram podem ser arrastados para longe de você sem você perceber; e em condições de água relativamente parada, a pesca elétrica pode pegar muito bem o peixe que você quer, mas afetar muitos outros organismos de um ecossistema muito sensível.

Os efeitos relatados na reprodução são não conclusivos. Pesquisas mostram que podem afetar embriões dentro dos peixes, mas foram pesquisas muito pontuais em tilápia. Mas sabemos que a pesca elétrica pode causar danos devastadores em regiões mais sensíveis como ecossistemas de poças temporárias, ou lagos pequenos. O alcance do campo elétrico vai atingir animais mais sensíveis, podendo matar espécies ameaçadas e podendo causar danos nos animais que seriam a próxima geração, reduzindo a capacidade das populações de se manterem estáveis.

Fig 3 Pesca elétrica de barco.

Meu amigo Marcelo, especialista em peixes de poças temporárias, tem isso a acrescentar:

“A pesca elétrica não afeta apenas indivíduos isolados, mas também a estrutura das comunidades biológicas e os ecossistemas como um todo. A remoção de organismos-chave durante as amostragens pode reduzir a diversidade local e desequilibrar as redes tróficas” (Penczak et al., 1994). Quando predadores ou presas são removidos, isso pode alterar a competição por recursos e comprometer as interações ecológicas essenciais para o equilíbrio do ambiente.

A microfauna, composta por pequenos organismos que habitam o sedimento e as colônias de microalgas, também é profundamente afetada. A eletrificação pode causar a morte ou a desorientação desses organismos, prejudicando funções ecossistêmicas cruciais, como a decomposição de matéria orgânica e a ciclagem de nutrientes (Lobón-Cerviá et al., 1994). Além disso, estudos indicam que a exposição à corrente elétrica pode reduzir a taxa de sobrevivência de ovos e embriões de peixes, comprometendo a regeneração das populações (Buchwalter et al., 2010).”

Em resumo, a pesca elétrica é um método que tem mais motivos contra seu uso do que a favor, e eu acho particularmente cruel. Se mais da metade dos peixes que você quer morrem, e uma grande quantidade de animais não relacionados também morrem, é tão ruim ou pior que pesca de arrasto, em que todo o bycatch é jogado fora. Mas isso é tópico para outro texto…