Os patinetes vão resolver nossos problemas de mobilidade urbana?

Resposta: não sei, mas não custa olharmos um pouco dos dados e como a dinâmica funciona :-)

Nos últimos anos houve um grande aumento nos serviços de meios de transportes de uso compartilhado.  Talvez as bicicletas sejam o caso mais comum. Diversas cidades implementaram um ou múltiplos programas de bicicletas compartilhadas. A forma de pagamento e regras mudam de programa para programa, mas no geral o ciclista paga por tempo ou um valor fixo pela diária ou mês e pode utilizar as bicicletas disponíveis. A grande vantagem destes serviços é que os pontos de origem e destino não precisam ser os mesmo. Isto torna este serviço conveniente para integração com outro modos como o metrô. Pode-se, por exemplo, utilizar uma bicicleta de casa até estação de metrô e depois outra bicicleta do metrô até o local de trabalho. No caso de bicicleta de uso individual, o viajante teria que carregá-la durante a viagem do metrô o que não é permitido ou não é conveniente na maioria das cidades.

Essa tendência não se limita apenas a bicicleta. Atualmente existem sistemas parecidos também para carros. Serviços como o Car2Go e ZipCar oferece aluguel de carros por períodos bem menores do que as tradicionais diárias de aluguel de carro. Mais recentemente, os patinetes elétricos também entraram na jogada. Será que isso trará grandes mudanças na mobilidade urbana?

Um aspecto central para mobilidade e transportes em geral é o fato de que se locomover não agregar valor. Raramente nos deslocamentos entre dois pontos simplesmente para aproveitar o trajeto. Nos deslocamos para o nosso destino para fazer algo útil no destino e o trajeto na maioria das vezes é apenas mais um dos inconvenientes. Basicamente sempre procuramos reduzir a inconveniência da nossa viagem. A consequência disso é que no geral buscamos reduzir custos e tempos de viagem. Ainda que em diversos casos aceitemos pagar tarifas maiores ou pedágios para reduzir certos inconvenientes, essa demanda não é tão flexível quanto em outras áreas. Por exemplo, no dia a dia muitos de nós vamos a restaurantes baratos, mas vez ou outra ou em ocasiões especiais, aceitamos pagar um pouco mais por um restaurante melhor.

Isso faz com que o resultado destes programas sejam parecidos com outros modos de transporte: as pessoas usam, mas é um grande desafio que os operadores se mantenham por frequentes prejuízos; ou estes serviços não são utilizados devido aos preços mais altos. Esse padrão é comum com transporte público, por exemplo, que no geral é subsidiado (de fato, há bons argumentos para demonstrar que até o transporte por carro é largamente subsidiado também, mas este assunto fica para outro texto). De forma similar, serviços como Uber e Lyft ganharam grande mercado, porém também possuem significativo prejuízos operacionais – ou seja, são subsidiados (por investidores) também.

Com as bicicletas a experiência mundial sugere o mesmo padrão. Na China entre 2016 e 2018 houve uma febre de startups de programas de compartilhamento de bicicletas. Com poucas exceções, todos os programas pararam de operar por falta de lucratividade. Nos Estados Unidos houve diversos programas que não decolaram, porém observa-se um consistente crescimento no total de uso compartilhado, como observado no gráfico abaixo:

Total de viagens por ano de programas de uso compartilhado (Fonte: NACTO)

O crescimento deste programa pode ser visto como uma boa notícia, porém duas coisas precisam ser observadas: os programas que têm crescido consistentemente como o de Chicago e Nova York possuem parcerias ou suporte ou monopólio de operação com a agência local. No caso do programa de Nova York, o Citi bike, não há dados operacionais, mas acredita-se que opera no vermelho também, apesar de ser o maior programa em operação atualmente.

O gráfico acima dá uma ideia do potencial dos patinetes (scooter). Em apenas um ano, a utilização do serviço já se compara com os de bicicletas. Os patinetes apresentam vantagens importantes com relação às bikes: (i) são mais leves que bicicletas e portanto mais fácil de operar. Parte do custo da operação destes serviços acontece reposicionando patinetes e bicicletas que “sobram” em áreas de baixa demanda para áreas de maior demanda; (ii) contando com o motor e devido sua leveza, a viagem pode ser menos cansativa comparado a uma caminhada ou bicicleta; (iii) diferentemente das bicicletas, muitas cidades permitem – ou não têm regulação – para utilizar de calçadas e portanto pode fazer a jornada mais segura.

Tudo de bom, certo? Bom, ainda temos que analisar se estes serviços pode ser mais sustentáveis devido ao menor custo ou por conseguir subsídios devido a maior conveniência. No entanto, há outro grande problema nisso tudo: infelizmente, há um grande surto de acidentes, incluindo mortes com os patinetes. O gráfico abaixo mostra a estatística de acidente para os Estados Unidos nos últimos anos. Um aumento de 222%.

Estatística de acidentes por 100 mil habitantes nos Estados Unidos. Figura retirado de Fonte: Forbes on-line. Dados originais de um estudo publicado na JAMA Surgery.

Devido ao acréscimo no número de acidentes, agências ao redor do mundo começaram a regular a operação de patinetes. Em alguns países foram impostos limites de velocidade enquanto em outros foram limitados ao uso apenas na rua ou em ciclofaixas. Algumas cidades proibiram; a cidade de Nova York, por exemplo, proíbe desde 2004. 

É claro que a regulação é necessária devido ao número de acidentes. Por outro lado, os patinetes podem perder seu apelo. E você leitor, o que acha que vai acontecer?

Referências

Relatório da NACTO do total de viagens.

Artigo na Forbes on-line discutindo número de acidentes. Os dados da Figura foram retirados do estudo neste link.

Imagem de capa retirada daqui.