Há 350 mil anos — resultado do processo evolutivo dos primatas — surgia, no chifre da África, o Homo sapiens. Há 300 mil anos, o Homo sapiens já havia se espalhado por todo o continente africano. Mais tarde, há 100 mil anos, já estavam habitando o leste do Mediterrâneo e há 80 mil anos já chegavam à China. A velocidade de expansão do Homo sapiens é muito impressionante e isso se dá, principalmente, pela grande capacidade de adaptação da espécie em diferentes biomas. Atualmente, o Homo sapiens está presente no mundo todo, com mais de 7,5 bilhões de indivíduos espalhados em cada cantinho do globo terrestre. A questão é: será que nós evoluímos de lá pra cá? Com todo o avanço das habilidades humanas ao longo do tempo, será que ficamos imunes à evolução?

Sentido da dispersão do ser humano por todo o planeta

Um breve contexto histórico

Nós nos desenvolvemos muito ao longo desses milênios, mas o ponto de inflexão foi na chamada Revolução Agrícola. Esse ponto foi há 12 mil anos, quando os seres humanos começaram a domesticar plantas e animais. Com a transição do nomadismo para o sedentarismo, as primeiras sociedades agrícolas começaram a expandir muito rapidamente, os humanos começaram a se reproduzir mais e, consequentemente, tornaram-se grandes civilizações. Com isso, veio doenças, pragas, insetos e isso acabou proporcionando um ambiente totalmente insalubre. A mortalidade infantil era absurda e a expectativa de vida dos indivíduos dessas vilas não era maior que a dos caçadores-coletores. O melhor exemplo disso está no livro Sapiens, de Yuval Noah Harari.

Trecho sobre a Revolução Agrícola:

“Os caçadores-coletores conheciam os segredos da natureza muito antes da Revolução Agrícola, já que sua sobrevivência dependia de um conhecimento íntimo dos animais que eles caçavam e das plantas que coletavam. Em vez de prenunciar uma nova era de vida tranquila, a Revolução Agrícola proporcionou aos agricultores uma vida em geral mais difícil e menos gratificante que a dos caçadores-coletores. A Revolução Agrícola certamente aumentou o total de alimentos à disposição da humanidade, mas os alimentos extras não se traduziram em uma dieta melhor ou em mais lazer. Em vez disso, se traduziram em explosões populacionais e elites favorecidas. Em média, um agricultor trabalhava mais do que um caçador-coletor e obtinha em troca uma dieta pior. A Revolução Agrícola foi a maior fraude da história.”

Sim, a Revolução Agrícola foi algo que levou o ser humano a enfrentar a desnutrição, a escassez da variedade de alimentos, doenças e insalubridade. Mas nem tudo se traduz em mazelas e adversidades. À longo prazo, a Revolução Agrícola também trouxe o desenvolvimento tecnológico, artístico, arquitetônico e linguístico. Durante essa fase também foi desenvolvida estruturas políticas, o conceito de propriedade privada, a invenção da roda, a plantação de cereais, o aprimoramento da escrita, da agricultura, da matemática e da astronomia.

Toda essa evolução e desenvolvimento da humanidade trouxe, também, um desenvolvimento gigantesco da medicina e da produção em larga escala de alimentos. Agora um dos maiores problemas da humanidade é a obesidade e não a desnutrição. A mortalidade infantil é quase nula e a maioria das doenças são tratáveis e/ou já foram erradicadas. Então a seleção natural parou de agir? Agora desde o menos adaptado ao mais adaptado passam seus genes adiante. A pessoa é míope? Temos óculos. Quebrou qualquer membro do corpo? Consertamos. Tem tal doença? Toma esse remédio que melhora. Temos comida em abundância, paramos de depender exclusivamente da produção agrícola e passamos a produzir coisas industrializadas. A medicina avançou tanto que as pessoas podem pagar pra se modificarem esteticamente, algo inconcebível há algum tempo atrás. Hoje, uma pessoa comum, tem mais conforto na sua sala do que reis e imperadores sequer sonhavam em ter.

Então os humanos ficaram imunes à evolução?

Não exatamente. E para exemplificar isso, temos dois casos interessantes de “adaptação humana contemporânea”. O primeiro são os nômades do mar, os bajaus. Naturais das ilhas do Sudeste Asiático, os bajaus vivem principalmente em palafitas ou em embarcações. Hoje um ser humano comum consegue prender a respiração por alguns minutos ou segundos, já os bajaus conseguem prender a respiração por mais de 10 minutos e mergulhar a uma profundidade de até 60 metros, com uma pressão de 7 atm – como já explicado no meu último texto. Eles mergulham para conseguir artefatos para produção de artesanato e, é claro, para caçar.

Bajau nadando no fundo oceânico para caçar

Mas como eles mergulham tão bem? Existe algo chamado resposta de mergulho. Isso significa que, quando você mergulha e prende a respiração, seus vasos sanguíneos se comprimem, seus batimentos cardíacos diminuem e seu baço se contrai. É ai que entra o diferencial dos bajaus. O baço deles são bem maiores do que o normal, o que já foi observado na maioria dos mamíferos marinhos, como em focas. Os baços dos mamíferos marinhos chegam a ser desproporcionais ao resto do corpo, isso ajuda bastante no mergulho.

O outro caso interessante são os famosos xerpas. Eles vivem no alto dos Himalaias, no Nepal. Por tradição, os xerpas são comerciantes e fazendeiros. Eles cultivam principalmente: batata, cevada e trigo. Apesar de eles serem essencialmente comerciantes e fazendeiros, entre eles há uma posição de destaque: os guias. É como se fossem nosso advogados, engenheiros ou médicos. Uma posição de prestígio social. Os guias são os xerpas que ajudam as pessoas a escalarem e a explorarem os Himalaias, atuando tanto em passeios turísticos como auxiliando os alpinistas. Eles possuem um salário mais elevado e um maior respeito na comunidade do que os carregadores.

Xerpa no alto dos Himalaias

Recentemente foi publicado um estudo na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) feito na Universidade de Cambrigde, no Reino Unido, onde constataram que as mitocôndrias de suas células eram mais eficazes e produziam mais energia. Qualquer xerpa deixa um alpinista de elite no chinelo. Eles são incrivelmente adaptados à altas altitudes, assim como os bajaus são adaptados ao mergulho em grandes profundidades.

E pro futuro? [Seção achismo]

Um próximo passo garantido da humanidade é a “auto evolução”. Hoje nós já conseguimos editar geneticamente com precisão os seres humanos. Sendo assim, podemos forçar alguma característica genética e passar o gene adiante até a população inteira adquirir ao longo das gerações. Particularmente, vejo essa capacidade biotecnológica como a internet e/ou a ciência no geral.

Ilustração da técnica de CRISPR

Por exemplo: a internet é uma das melhores ferramentas já inventada pelo ser humano, mas ela não é algo com um valor preestabelecido de “bem” ou “mal”. Ela está disponível para todos, alguns usam para fins acadêmicos e outros para aplicar golpes. O conhecimento científico se encaixa no mesmo raciocínio, não possui um valor intrínseco. Dominamos a fissão nuclear e a usamos para produzir energia elétrica e também para fazer armas de destruição em massa. Construímos usinas nucleares e bombas atômicas com o mesmo conhecimento, mas aplicado de maneiras diferentes.

A engenharia genética tem um grande potencial de eliminar doenças crônicas e hereditárias das pessoas antes mesmo de elas nascerem. E isso é bom, né? Mas também pode surgir um maluco que queira trazer a eugenia de volta. Não sabemos o rumo que isso levará, a ética nem sempre é seguida e o ser humano é imprevisível.

Conclusão

No geral, a resposta para a pergunta no título é não. A evolução nunca para, mas é imperceptível em relação à efemeridade do ser humano. Ela é um processo contínuo e longo, e, enquanto reproduzirmos mais membros da espécie, ela continua.