
A saúde pública e coletiva pode, e por muitas vezes deve, ser o centro de diversas discussões na sociedade atual. Sobre essa perspectiva temos o exemplo do uso de celulares na escola, as questões climáticas até a pandemia do vício de sites de apostas que vem ocorrendo no Brasil. Tudo isso mostra e traz uma série de desafios para a evolução do sistema de saúde brasileiro.
No texto vamos colocar o SUS no centro de debates atuais e tentar entender como a saúde pública no ano de 2025 pode estar, ou não, preparada para esses novos desafios, falando hoje de celulares nas escolas.
A proibição
Janeiro de 2025 entrou em vigor a nova lei (link) que proíbe os alunos da educação infantil e dos ensinos fundamental e médio de usarem aparelhos eletrônicos portáteis pessoais, como celulares, tablets e relógios inteligentes, durante a aula, no recreio ou nos intervalos. Tal fato gerou um forte debate sobre a proibição do uso de celulares nas escolas.
Entre o que está previsto na lei tem-se por exemplo: telas permitidas para fins pedagógicos sob orientação de educadores, ou para casos de acessibilidade e inclusão de alunos com deficiência; uso permitido em situações de estado de perigo, estado de necessidade ou caso de força maior; dentre outras.
Tal discussão traz à tona os malefícios que o uso constante de telas pode vir a trazer, sejam os impactos no desempenho acadêmico, desenvolvimento de habilidades cognitivas e na saúde mental de crianças e adolescentes (link).
Importante destacar que o Brasil é um dos países que mais passa tempo em telas (cerca de 9h diárias de acordo com dados da SECOM), sendo isso em todas as idades, incluindo crianças e adolescentes. De acordo com pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (link), em 2022:
- 92% da população com idade entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no país, sendo o celular o dispositivo mais usado por crianças e adolescentes.
- 86% dos usuários de 9 a 17 anos e 96% dos usuários de 15 a 17 anos possuíam ao menos um perfil em redes sociais.
Ainda de acordo com a SECOM (link) acredita-se que a pandemia de COVID-19 acelerou o processo de inclusão digital em no público menor de idade, uma vez que espaços físicos foram limitados e o meio digital se tornou a alternativa viável para meios de ensino, interação e entretenimento.
Esse processo de migração para o uso intensivo de dispositivos eletrônicos resultou numa mudança significativa em como crianças e adolescentes vivenciam a própria infância, ocupam seu tempo livre e se relacionam socialmente com amigos e conhecidos.
Já existe uma ampla bibliografia que associa o aumento de transtornos mentais ao uso de telas, como a pesquisa da UFMG (link), que concluiu que “72% das crianças que participaram do estudo encontraram aumento da depressão associado ao uso excessivo de telas.”
A mesma pesquisa ainda aponta que
a participação em redes sociais foi responsável por aumentar o risco de depressão em meninas, uma vez que o conteúdo fornecido nas redes é de corpos perfeitos, gerando comparação e afetando a saúde mental.

(imagem 1, criança jogando no celular dentro da sala de aula, fonte: banco de imagens)
De acordo com matéria do site Outra Saúde (link), com o crescente uso de celulares, a chamada revolução digital, houve uma mudança significativa no comportamento social, o que de certa forma impacta a vida de crianças e adolescentes.
Entender quais os prejuízos de estar em contato constante com um mundo online, cheio de propagandas e discursos, muitas vezes maléficos, em um dos desafios da saúde pública. Uma vez que está resultando em um aumento considerável de quadro de transtornos mentais, frente a isso qual o papel do SUS?
Políticas públicas
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem como objetivo geral a proteção integral desse público, englobando uma série de direitos sociais como: o direito à vida, a educação e a saúde.
Já o SUS tem, entre os seus pilares fundamentais, a universalidade, ou seja, todos têm direito ao atendimento em saúde gratuita nos mais diversos níveis. Para que a saúde se mantenha universal é necessário que esteja sempre atualizada em diversos novos aspectos que a modernidade traz.
Nesse contexto, como essas duas políticas públicas já bem estabelecidas podem auxiliar no enfrentamento do vício de celulares por pessoas jovens?
De acordo com o ECA, a criança e o adolescente têm o direito à liberdade. Para citar diretamente a Lei:
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Considerando que o acesso a internet na sociedade atual é fundamental em diversos aspectos, que podem englobar também a liberdade do indivíduo, deve-se buscar equilíbrio, uma vez que esse livre acesso a internet pode ser maléfico para esse público.

(imagem 2, CAPS. fonte: link)
Principalmente, pais e escolas têm papel fundamental em encontrar esse equilíbrio, porém em determinados casos o SUS pode entrar em ação, até mesmo num trabalho em conjunto. A saúde mental de crianças e adolescentes pode ser comprometida em muitos casos, e aqui entra o CAPS.
No decorrer dos últimos anos, o CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) se tornou meme, porém esse tem um papel de extrema importância em um Brasil onde a saúde mental vem se tornando um dos principais incapacitadores da população.
Dentre as modalidades do CAPS tem uma específica para o público infantojuvenil:
CAPS i: Atende crianças e adolescentes que apresentam prioritariamente intenso sofrimento psíquico decorrente de problemas mentais graves e persistentes, incluindo aqueles relacionados ao uso decorrente de álcool e outras drogas, e outras situações clínicas que impossibilitem estabelecer laços sociais e realizar projetos de vida. Indicado para municípios ou regiões com população acima de 70 mil habitantes.
Por mais que inicialmente a especialidade desse CAPS seja voltada para o uso decorrente de álcool e outras drogas, cabe a criação e ampliação dessa política pública, para lidar com o vício em celular, sem sobrecarregar esses sistema. Isso inclui formação e aprimoramento de profissionais e maior investimento.
Porém, antes de chegar ao SUS, a escola tem um papel fundamental (link):
A escola é um importante espaço social habitado pelas crianças e adolescentes. Por isso, além de ser um ambiente de aprendizado, também se torna um lugar onde não só sinais de sofrimento psíquico se expressam, mas também são percebidos.
Apesar de a escola não ser parte integrante da saúde pública, deve-se buscar meios dessa integração, aqui a gente fala de um contexto em que a escola já está sobrecarregada com suas séries de questões. O peso do vício em celulares para pessoas jovens deve ser dividido para toda a sociedade, incluindo pais e responsáveis.
Acho que até aqui entendemos um pouco, que existem políticas públicas porém essas devem ser adaptadas para esse novos desafios, tanto sistema de educação, o SUS e a sociedade em geral. Mas acho que ainda usando um pouco da teoria da saúde pública a gente pode dar um outro passo, a prevenção.
Regulação é prevenção
Eu adoro assistir filmes. Por morar no interior, a grande maioria dos longas que assisto, eu vejo em casa. Ao fazer uma atividade que eu gosto e tenho prazer em fazer, é difícil manter a concentração, volta e meia pauso o filme para olhar notificações no celular.
Isso porque eu sou uma pessoa adulta que tem dificuldade em se concentrar para fazer algo prazeroso, agora imagina um aluno adolescente no ambiente escolar manter a concentração em uma aula de física com o celular ali do lado.
As redes sociais são feitas para o vício, e como prevenir isso talvez seja um dos desafios da sociedade atual no mundo inteiro. Indo além desse debate, também vale destacar o tipo de conteúdo que crianças e adolescentes têm contato, conteúdo não apropriado para sua idade e, muitas vezes, de índole criminosa.

(imagem 3, cena da minissérie Adolescência, onde o adolescente confronta a psicóloga que o atende, Fonte: Netflix)
Na minissérie recente Adolescência (Netflix/2025), em uma cena de diálogos entre os pais, é falado que certa vez se estava assistindo vídeos sobre academia na internet e de repente aparece um conteúdo totalmente misógino de como tratar as mulheres. Qual impacto vem ocorrendo ao se ter crianças expostas a esse tipo de conteúdo?
E aqui já me encaminhando para o final do texto, eu não consigo pensar em algo diferente do que a regulação das redes sociais. Sendo essa uma das formas de prevenção aos malefícios que o acesso a internet vem trazendo para a sociedade, mas esse é um tema muito maior, que já abordei por aqui e pretendo voltar em outro momento.
Para discutir e colocar o SUS como centro de debate de diversos temas atuais do Brasil esse texto seguirá para uma segunda parte onde vou abordar as mudanças climáticas e a saúde pública. Até lá!