“Levante a mão, entre no clima. Batendo palma, na levada do axé
Levante a mão, entre no clima. Batendo palma, só pra ver como é que é…
Oh, oh, oh, oooh! Que terror!
Oh, oh, oh, oooh! Na dança do vampiro”.
A temática vampiresca sempre movimentou bem mais do que a nossa imaginação. A relação que estabelecemos com o oculto ou mesmo o obscuro parece exercer sobre nós um fascínio tremendo e o arquétipo vampiresco traz inúmeros elementos representativos de nós mesmos, desde a literatura de Bram Stoker até a mais recente tetralogia de vampiros brilhantes. Essa quase historiografia vampírica os coloca em constante e natural oposição a uma outra força: os Lycans ou, simplesmente, os licantropos. A pentalogia Underworld, ou Anjos da Noite, aborda especialmente esse antagonismo.
Para entender melhor essa relação opositora é importante perceber as mensagens ditas nos detalhes. Por exemplo, tanto vampiros quanto licantropos projetam a sua essência sobre o ser humano. Ou seja, ganham forma por meio do homem mesclando a sua natureza à natureza humana conduzindo ao hibridismo. Em outras palavras, manifesta-se no indivíduo a sua essência humana junto à vampírica ou à lycan.
O ponto interessante dessa leitura é que, isoladamente, vampiros e licantropos já possuem uma rivalidade que se desenha sob a forma de razão vs. instinto. E essa rivalidade é lançada constantemente sobre a raça humana entendendo-os como seres inferiores. A relação de hierarquia que se estabelece, portanto, põe os humanos em posição variável ora como servos, ora como simples animais.
O pano de fundo para isso é composto de elementos bastante próprios da história das relações humanas. Em diversos aspectos, principalmente na franquia Anjos da Noite, é possível observar o esqueleto da servidão que se volta, inclusive, contra a própria humanidade. Nesse sentido, emerge o senso de comunidade, aparentemente distinto do exercido pelos seres humanos assim como se apresenta distante entre vampiros e licantropos. Opõem-se através das duas raças o simbolismo de uma elite contra a massa.
De um lado, os vampiros com “espírito” altivo e de nobreza buscando manter seus privilégios e lida com a memória de maneira a manter vivo um passado distante. Dentro dos clãs vampiros existe a relação de vassalagem mantida dentro dessa temporalidade própria, que acompanhou a noção de progresso apenas em parte.
Do outro lado, os Lycans, são comumente atrelados à selvageria por conta da forma como a sua natureza se exprime, ou seja, substituindo a forma humana por uma forma animalesca. Seus ideais de comunidade demonstram uma hierarquização mais flexível, com tons revolucionários e, mais nitidamente, de luta de classes. A forma como lidam tanto com a temporalidade estritamente de seu mundo “fantástico” quanto com ela atrelada à humana também é distinta da forma com que se comportam os vampiros, pois denotam terem se adaptado às transformações.
Possivelmente é essa distinta maneira de lidar com o tempo que sustenta o conflito que se constrói na pentalogia, pois na história como um todo sempre há o retorno ao aspecto dos vampiros sustentarem sua posição. Isso é expressado através de detalhes como residências amplas a fim de dar conta da coletividade. Esta, por sua vez, se desenvolve ao redor dos anciãos e de um conselho que rege todos os clãs determinando as suas ações. Ironicamente, elas são sempre pensadas com o objetivo de garantir a sobrevivência da espécie, o que os afasta de uma ideia mínima de ajuntamento social e os coloca em condição instintiva. Para tanto, se utilizam de mecanismos que manifestam o exercício da força.
Essa força é devolvida com a mesma intensidade contra os vampiros na adaptação dos licantropos às transformações sociais e culturais construindo o caminho de equilíbrio entre os lados antagônicos. Nesse sentido, demonstram a “evolução” no seu lado ao dominar o instinto e a ferocidade tornando-se capazes de ir e vir entre as formas físicas denotando maior conhecimento sobre a natureza humana. Isso significa também o entendimento do quão fundamental é a complementaridade entre as duas naturezas que os constituem.
Nesse sentido, a adaptabilidade via mistura ganha tonalidades românticas através do romance de Lucian e Sônia. São personagens simbólicos dentro dos simbolismos e analogias que a história proporciona, pois Lucian é um líder nato. É aquele que é o primeiro a adentrar o universo vampiro ocupando um lugar intermediário, sem ser a fera a ser dominada, mas também sem ser um igual. Em caráter comparativo, Lucian é um capitão do mato. O que o distancia dessa figura colonial histórica é o seu engajamento com o seu “povo” e com a sua respectiva causa. É personagem que tem uma expansão de consciência sobre si e sobre o meio em que está inserido.
Essa mesma consciência lhe imprime a distinção entre ele e seus antecessores incapazes de retornar à forma humana. Por isso, são considerados animais incapazes de pensar e sentir. Contudo são esses mesmos “animais” que armam uma emboscada quase fatal para Sônia deixando transparecer a influência que o pensamento elitista dos vampiros exercia sobre Lucian.
Mas também o movimenta em prol da própria liberdade e dos demais lycans. Sônia, em contrapartida, é, ao mesmo tempo a realização da consciência de Lucian quando espera um filho dele, o gatilho para sua revolta e concretização do seu intento a partir de sua morte, um símbolo de um novo tempo de possibilidades e uma ameaça, assim como seu filho.
Pois, no seio de uma micro sociedade que se sustenta com base na força, mudanças constituem uma ameaça natural e a chance de um ser melhor em todas as esferas significa a ruína do sistema. Por isso, também, o casal é símbolo de traição para os vampiros, tendo em vista o acolhimento dispendido a Lucian e o fato de Sônia ser parte da nobreza. Em suma, o que se explicita nesse cenário é o antagonismo entre dividir e conquistar vs. unir e fortalecer.
Além disso, Anjos da Noite utiliza a clássica rivalidade entre licantropos e vampiros suscitando a primeira disputa, de Caim contra Abel. Nesse sentido, as duas raças seriam oriundas de um mesmo ancestral, na pentalogia, Corvinus. Isso traz em si alguns simbolismos, pois Corvinus se relaciona a “corvo” um animal que está ligado ao elemento da noite, de grande inteligência e que também representa a passagem para o outro mundo.
Por fim, Anjos da noite é uma obra que mostra a fuga do lugar comum, que transpassa categorias sociais em diversas medidas. E o faz inserido em um contexto de projeção das relações sociais e mesmo de uma perspectiva de luta de classes sobre a rivalidade entre duas raças – a princípio – imaginárias.