Chegamos enfim na ultima parte da trilogia de textos que busca analisar o tema do terceiro capítulo do livro “As Origens do Totalitarismo” e que tem como premissa entender como esses movimentos se organizam e surgem de forma organizada. Por isso resta ainda a conclusão da nossa análise sobre essa temática.
Em um regime totalitário o absoluto poder e monopólio da autoridade por parte do líder é evidente em seu relacionamento com o chefe de polícia que, num pais totalitário, ocupa o cargo público mais poderoso, porém nunca estando o mesmo em posição de tomar o poder ou exercer suas vontades com maior autonomia. Essa falta de poder absoluto porém, não impede o chefe de polícia organizar a máquina sob seu comendo segundo os princípios do poder autocrático.
Essas técnicas de governo podem parecer de certa forma simples e eficazes e asseguram não apenas um absoluto monopólio do poder, mas a certeza incomparável de que todas as ordens serão sempre obedecidas, não importa o que aconteça. A multiplicidade de órgãos e organizações asseguram a completa independência do ditador em relação aos seus subordinados possibilitando as súbitas e surpreendentes mudanças da política no pais pelas quais o totalitarismo é conhecido e famoso.
A razão para que essa extraordinária eficiência nunca tinha sido vista antes em uma escala global, são bem simples de se explanarem, pois deixam bastante claro o plano e os motivos do seu sucesso frente a sociedade. A multiplicação de cargos destrói todo o senso de responsabilidade e de competência, e não apenas representa um aumento tremendamente oneroso e improdutivo de administração mas também um problema quanto a produtividade, pois o trabalho genuíno é constantemente atrasado por ordens contraditórias até que o comando do líder venha decidir a questão.
Pode-se usar como exemplo a Alemanha nazista que no início demonstrou certa tendência a conversar a mão de obra técnica e administrativa com o intuito de continuar lucrando com os negócios e exercer o domínio econômico sem tanta interferência. Mesmo quando a guerra eclodiu a nação ainda não estava totalmente totalitarizada e ainda tinha alguns respiros de uma sociedade mais democrática que respeitava os direitos individuais.
Porém o processo de radicalização totalitária começaria quase que imediatamente depois do começo da guerra, pode-se até imaginar, que Hitler tenha começado para justamente acelerar o processo de uma forma que teria sido completamente inconcebível em tempos pacíficos. Foi justamente nessa época que surgiram os programas de extermínio e deportação em massa que visavam limpar o mundo das raças conhecidas como inferiores, pelo menos aos olhos do regime.
Uma vez então que o totalitarismo permanece no poder, fieis aos dogmas originais de seu movimento, as notáveis semelhanças entre os expedientes organizacionais do movimento e o chamado estado totalitário não devem causar qualquer surpresa. A divisão entre membros do partido e simpatizantes agrupados em organizações de vanguarda, levam a coordenação de toda uma população, organizada agora como apenas simpatizantes, transformando os mesmos em uma grande classe privilegiada e também criando um super partido de várias pessoas que formam a nova elite.
O líder então, nessa dupla capacidade de chefe de estado e líder do movimento, continua a concentrar em si mesmo um máximo de falta de escrúpulos e uma aparência de normalidade capaz de gerar confiança sendo uma das principais diferenças entre o movimento e o estado totalitário é que o ditador pode e necessita praticar a arte totalitária de mentir com mais consistência e em maior escala do que o líder do movimento. Isso em partes, é consequência automática da ampliação dos escalões de simpatizantes e em parte, resultado do fato de que uma declaração desagradável vinda de um estadista, não é tão fácil de revogar quanto a de um demagógico líder de partido.
Mentir para o mundo inteiro de moto sistemático e seguro só é possível sob um regime totalitário, onde a qualidade fictícia da realidade de cada dia dispensa a propaganda, por isso que na fase que antecede o poder os movimentos não se podem dar ao luxo de esconder a esse ponto os seus verdadeiros objetivos, afinal, o que eles visam é inspirar organizações de massa. Porém como exemplo, depois de terem legitimado a possibilidade de exterminar os judeus como insetos usando gás venenoso, não era mais necessário que a propaganda falasse que eles eram insetos.
Falando então das formas autenticas de domínio totalitário, são apenas duas que são conhecidas hoje, a ditadura do nacional socialismo que começou a partir de 1938 e a ditadura bolchevista que começou em 1930. Essas formas de domínio diferem basicamente de outros tipos de governo ditatorial, despótico ou tirânico, sendo suas características essencialmente totalitaristas não podendo resultar de sistemas unipartidários.
O objetivo visto nos sistemas unipartidários não é apenas de se apoderar da administração do governo, mas sim, através do preenchimento de todos os postos com membros do partido, atingir uma completa amalgama de estado e partido, com sorte, após a tomada de poder o partido se toma uma espécie de organização de propaganda do governo. O sistema então se torna total apenas no sentido negativo onde o partido governante não tolera outros partidos nem oposição, nem admite qualquer liberdade política, uma vez no poder se transforma em uma ditadura partidária, monopolizando o poder do partido, sendo garantido pelo estado.
A revolução iniciada pelos movimentos totalitários tem uma natureza consideravelmente mais radical, pois após a tomada do poder, se procura manter conscientemente todas as diferenças essenciais entre o estado e o movimento e evitar que as instituições de oposição do movimento sejam absorvidas pelo governo, elas tem que ser eliminadas. Porém, o problema de se apoderar da máquina estatal sem se fundir a ela é resolvido quando se permite que ascendam na hierarquia do estado somente membros do partido cuja importância seja secundaria para o movimento, mantendo assim o poder concentrado dentro dos seus.
Porém, acima do estado, e por trás de múltiplas fachadas do poder ostensivo, num labirinto com cargos compartilhados e por baixo de todas as transferências de autoridade e em meio a um caso de ineficiência, está o núcleo do poder do pais, os supereficientes e supercompetentes serviços da polícia secreta. A importância da polícia como único órgão do poder e o desprezo em relação ao poder do exército, caracterizam os regimes totalitários e podem ser explicados pela consciente abolição da diferença entre um pais estrangeiro e o pais de origem, entre assuntos externos e assuntos domésticos.
Antes mesmo de legitimar o seu poder, o movimento já conta com a presença da polícia secreta, e de serviços de espionagem com ramificações em outros países, com seus agentes recebendo bem mais dinheiro e autoridade, no decorrer do regime, do que o serviço tradicional de espionagem militar, e tornam-se muitas vezes chefes secretos de embaixadas e consulados no exterior. Em outras palavras, podemos dizer que as ramificações internacionais da polícia secreta são decisivas, pois transformam a política ostensivamente externa do estado totalitário no assunto potencialmente doméstico do movimento totalitário.
Contudo, essas funções que a polícia secreta exerce para preparar a utopia totalitária do futuro domínio global, são secundarias em relação aquelas exigidas para pôr em pratica no presenta, a ficção totalitária em determinado pais. O papel dominante da polícia secreta na política doméstica dos países totalitários muito contribuiu para que fosse errônea a concepção comum do totalitarismo, pois todos os despotismos dependem grandemente de serviços secretos e sentem-se muito mais ameaçados por seu próprio povo do que por qualquer povo estrangeiro.
Falando um pouco mais sobre a polícia secreta totalitária, na verdade se inicia a sua carreira pública após a pacificação do pais, qualquer observador de fora pode julgar que isso é inteiramente desnecessário ou supõe, de forma errônea, que ainda exista uma resistência secreta a ser combatida. A superfluidade dos serviços secretos não é novidade, sempre foram atormentados pela necessidade de demonstrar a sua utilidade e de se conservar no emprego depois de cumprida a tarefa original.
A polícia secreta, dentro do regime totalitário, conta com o monopólio de certas informações secretas e também prerrogativas dadas apenas a ela, porém é importante diferenciar qual o tipo de conhecimento que só a polícia pode ter, já que não lhe é útil saber que se passa na cabeça das futuras vítimas. Isso significa para os membros, uma grande melhora da posição política e também prestigio, porém em termos de poder, desce a categoria de carrasco.
Ocorre então com o aparecimento dessa polícia, que atua como um poder de estado, estando as margens do mesmo, porém com um poder de polícia e também um poder moderador muito forte, os ideias totalitários podem se reproduzir totalmente. Visto isso, a polícia é uma grande parte desse movimento e atua de forma arbitraria para legitimar as vontades de um líder e de uma nação subjugadas pelo pensamento totalitário.
Outro fatos importante dos regimes totalitários é o da dominação total, e aqui podemos falar dos campos de concentração e extermínio, que serviam como laboratórios onde se demonstra a crença fundamental do totalitarismo de que tudo é possível e aceito dentro do regime. Comparados a essas experiências de domínio total, todas as outras tem um papel secundário pois essas experiências buscam a tentativa de sistematizar a infinita pluralidade e diferenciação dos seres humanos como se toda a humanidade fosse apenas um indivíduo.
Esses campos não se destinavam apenas a exterminar pessoas e degradar os seres humanos que estavam neles, mas sim para uma grande experiência de eliminação em condições cientificamente controladas, com a intenção de transformar a personalidade humana em algo sem qualquer importância. Em circunstancias normais isso não poderia ser feito, porem nos campos essa experiência é completamente possível porque esses lugares são ambientes perfeitos para o domínio total e subjetivo do ser humano, em todas as suas características.
As massas humanas quando entram nesse território de medo e terror, são tratadas como se não mais existissem, e se encontram disponíveis para os mais terríveis tipos de violação que se pode conceber na mente humana. Esse tipo de experiência tem o intuito de transformar a pessoa em algo completamente inumano, subvertendo todas as suas vontades para nada, e transformando um ser humano com aspirações em um simples boneco a espera e procura da morte.
Essas são características dos movimentos totalitaristas, que sempre que galgaram o poder na história criou instituições políticas inteiramente novas destruindo com qualquer tradição social, legal ou política do pais que foi instituído. Os governos totalitários do nosso tempo evoluíram a partir de sistemas unipartidários, que ao se tornar totalitários passaram a operar segundo um sistema de valores radical diferente de todos os outros.
Porém não podemos falar que os governos totalitários não tem precedentes, mas poderíamos dizer que ele destruiu a própria alternativa a qual se baseiam, na filosofia política, todas as definições da essência dos governos, como a alternativa entre o governo legal e o ilegal, entre o poder arbitrário e o poder legitimo. Justamente por isso o totalitarismo nos coloca diante de uma espécie totalmente diferente de governo, que desafia todas as leis positivas, as vezes até as que ele próprio estabeleceu.
política totalitária não substitui um conjunto de leis por outro, não estabelece o seu próprio consenso jurídico, não cria, através de uma revolução uma nova forma de legalidade, mas sim tem a crença que podem dispensar qualquer consenso ou lei já estabelecida, e ainda assim não resvalar para o conceito tirânico da ilegalidade. Nessa interpretação todas as leis se tornam leis de movimento, que podem ser alteradas, ou mesmo revogadas dentro da própria legalidade tornando impossível que qualquer direito fundamental ou garantia possa ser assegurada.
O totalitarismo é uma forma de governo cuja essência é o terror, e cujo princípio da ação é a lógica do pensamento ideológico, porém, já se mostrou muitas vezes que o terror apenas pode reinar sobre homens que se isolam uns dos outros, então uma preocupação de todo governo tirânico, é justamente provocar esse isolamento. Esse isolamento pode ser o começo do terror, é algo pré-totalitario e sua característica é a impotência na medida em que a força sempre surge quando os homens trabalham em conjunto, o isolamento e a impotência sempre foram típicos fatores de legitimação de uma tirania.
É importante, para finalizar essa análise, lembrar que as condições que vivemos hoje, no terreno da política, são realmente ameaçadas pela sombra do totalitarismo, pois o domínio totalitário traz em si mesmo o germe da própria destruição, e o medo a impotência que vem do próprio medo são sentimentos antipoliticos, que também podem levar a solidão que se for organizada, é considerada a forma mais perigosa de impotência que pode fazer surgir a vontade tirânica e arbitraria de ser governado por um líder totalitário.
Porém, resta a esperança de que com as outras formas de governo, as coisas possam prosperar, e que também fica a verdade onde, todo fim de história constitui necessariamente um novo começo, e esse começo vem com uma promessa, a única mensagem que o fim pode produzir, e que podemos ter esperança que leve sempre para um caminho democrático de respeito as pessoas e aos Direitos Humanos.