Estava eu, revendo algumas leituras, e cheguei novamente no livro “As Origens do Totalitarismo” da escritora Hannah Arendt, e pensei comigo mesmo que isso poderia gerar um texto interessante para o nosso querido portal. Como sabemos, o livro original tem mais de 500 páginas e é bastante extenso, então penso que poderia ser útil um apanhado das principais ideias para serem discutidas em tempos onde a figura totalitária volta com força no mundo, mostrando suas garras novamente em muitas nações.
Para isso, redigi uma análise apenas do terceiro capítulo do livro, que fala do totalitarismo, e escrevi uma série de três textos que vai fazer um breve resumo sobre o que está sendo exposto com suas principais ideias e contextos.
A autora dessa obra, Hannah Arendt, nasceu na Alemanha e sentiu na pele a privação de direitos causadas pelo regime nazista em seu país de origem, pois era de origem judaica, o que fez a mesma emigrar para os Estados Unidos, para fugir dos horrores que esse regime totalitarista proporcionava. A obra sobre a qual vamos falar agora, nesse texto, foi a que consolidou o seu pensamento como um dos mais importantes no cenário político ocidental, dando uma explicação da sociedade frente aos regimes totalitaristas e suas características, e também influencias frente aos seres humanos que compõem uma nação.
O texto se inicia ao caracterizar os movimentos totalitários, tratando da forma fácil e rápida aos quais os seus líderes são substituídos, no curso da nossa história moderna. O próprio Stalin conseguiu legitimar-se como um herdeiro político de Lenin, e tudo isso à custa de lutas dentro do próprio partido e de vastas concessões a memória do antecessor, no caso Lenin.
O mesmo pode se falar de Adolf Hitler, o carismático líder da Alemanha nazista que durante toda a sua vida, baseado muitas vezes em seus fortes discursos e estratégias de propaganda, conseguiu exercer um fascínio quase messiânico a população da época. Depois que o mesmo foi derrotado e morto, hoje encontra-se em um limbo de esquecimento, que representa quase nenhum ideal, até mesmo para grupos neonazistas que ainda hoje existem na Alemanha.
Porém, dito isso, é importante ressaltar que a maioria dos regimes totalitários e os seus líderes, enquanto se encontravam no poder, comandavam com o apoio praticamente total da população. A ascensão de Hitler ao poder foi de forma legal, dentro do sistema político da Alemanha, e só pode manter a sua liderança nos tempos de crise pelo apoio das massas e confiança em seu líder autoritário.
Isso ocorre muitas vezes porque os atos de violência são vistos como atos de poder, sinais de esperteza. Não surpreendem terem aprovação quando se fala em agir contra seus inimigos, mas o mais impressionante no totalitarismo é que esses atos continuam tendo aprovação mesmo quando a violência começa a ser cometida contra si mesmo ou contra seus filhos. Porém esse fanatismo desaparece no momento em que o movimento deixa os seus seguidores desamparados, quando a estrutura da organização se parte o movimento como um todo começa a ruir.
O que os movimentos totalitaristas fazem muito bem é organizar as massas para legitimar os seus desejos, dependendo da força numérica bruta, como foi visto na onda democrática que surgiu após a primeira guerra mundial, quando vários movimentos pró-ditatoriais varreram a Europa com discursos que enalteciam o ideal totalitário.
Porém muitos desses regimes não eram inteiramente totalitários, embora usassem dessa expressão, principalmente em países menores da Europa onde movimentos totalitários foram precedidos por ditaduras não totalitárias, como se o próprio totalitarismo fosse um objetivo ambicioso demais para ser alcançado.
Porém um dos maiores motivos é a baixa quantidade de pessoas pois esses movimentos totalitários apenas são possíveis quando existe uma grande massa que por algum motivo adquiriu certo gosto pela organização política. Pode-se caracterizar essa massa por um grupo de pessoas que devido aos seus números, ou mesmo a sua indiferença, não se integra numa organização baseada no interesse comum, como um partido político. São pessoas neutras e politicamente indiferentes e que raramente exercem suas vontades.
Nesse cenário tanto os movimentos comunistas da Europa e também o movimento nazista alemão recrutaram os seus membros dentre a massa de pessoas que aparentemente eram indiferentes ou que os outros partidos tinham abandonado. A maioria então de seus membros consistia em elementos que nunca antes tinham participado da política, possibilitando então a inclusão de métodos inteiramente novos de propaganda e de forma política.
Justamente o sucesso desse tipo de movimento, significou o fim de duas ilusões dos países democráticos em geral, e também dos estados nações europeus e dos seus sistemas partidários. A primeira ilusão a cair foi a de que o povo, em sua maioria, participa ativamente do governo, e que todo cidadão simpatiza com um ou outro partido político, que tem opiniões diversas e luta pelo seu posicionamento.
Os movimentos totalitaristas demonstraram que as massas são politicamente neutras, indiferentes e facilmente constituem a maioria num país de governo democrático, mostrando que uma democracia pode funcionar de acordo com as normas que na verdade eram aceitas apenas por uma minoria. Falando da segunda ilusão democrática, é a de que essas massas politicamente indiferentes não se importavam, que eram completamente neutras e constituíam apenas um pano de fundo para a vida política da nação.
Nesse sentido os governos totalitaristas demonstram que o governo democrático repousa em uma silenciosa tolerância e na aprovação dos setores indiferentes e desarticulados do povo. Por esse motivo o totalitarismo invadiu o parlamento, com o seu desprezo pelo governo parlamentar, conseguindo convencer o povo de que as maiorias parlamentares não correspondiam com a realidade do país, minando a credibilidade e a confiança dos governos que se embasam na soberania da maioria.
Visto isso, pode-se falar que os movimentos totalitários usam das liberdades democráticas com a intenção de acabar com as mesmas. Esses movimentos se baseiam na igualdade do cidadão perante a lei, mas nesse caso só funcionam se o mesmo for aliado ou pertencer a alguma agremiação política. Assim, as condições sociais, para usar um exemplo, da Alemanha antes do regime nazista demonstram os perigos implícitos do desenvolvimento do ocidente, verificando que um colapso do sistema de classes se repetiu em quase todos os países europeus, deixando claro os rumos que um movimento totalitarista pode seguir para subjugar as pessoas a sua vontade.
Porém, não podemos afirmar que a indiferença frente a coisa pública e a neutralidade em questões políticas sejam fatores suficientes para o surgimento de movimentos totalitários. A sociedade competitiva de consumo, criada pela burguesia, é também um grande fator de legitimação do totalitarismo. Certas atitudes burguesas, como a hostilidade em relação a vida pública e o seu desprezo pelo exercício dos deveres e responsabilidades do cidadão, foram muito uteis para as formas de ditaduras as quais um líder é conduzido como um forte símbolo de poder, assumindo toda responsabilidade da coisa pública, deixando a burguesia livre para lutas apelas pelos seus interesses.
É importante perceber então a diferença entre as organizações da ralé e os movimentos de massa, o que pode ser difícil às vezes, porém a relação entre a sociedade de classes dominada pela burguesia e as massas que advém do seu colapso não é a mesma entre a burguesia e a ralé, que sempre foi um subproduto da produção capitalista. O que as massas têm em comum com a ralé se resume em apenas uma característica: ambas estão fora de qualquer ramificação social e representação política, porém, não herdam como faz a ralé, os padrões e atitudes da classe dominante.
Fazer parte de uma classe, embora não fosse algo tão determinante como na sociedade feudal, era basicamente uma questão de nascimento e via de regra não poderia ser mudado nunca, a não ser por sorte ou dons extraordinários do indivíduo. Esse status social era decisivo para que o indivíduo pudesse participar da política, exceto em casos de emergência, quando se esperava que ele agisse apenas conforme o interesse nacional, não tendo qualquer importância a classe social ou o partido, nunca se sentindo diretamente responsável pela coisa pública.
Foi justamente o colapso do sistema de classes que levou automaticamente ao colapso do sistema partidários, porque os partidos tinham justamente a função de representar os interesses das classes e agora não podiam mais representa-las. A sua continuidade ainda exercia certa importância para membros das antigas classes, que ainda buscavam recuperar o status social que perderam e se mantinham juntos não porque buscavam resultados sociais, mas sim porque esperavam resgatar a gloria de seu passado.
Devido a essa derrocada, se perderam os simpatizantes neutros, que nunca haviam se interessado por política por acharem que os partidos existissem para cuidar dos seus interesses, sem que os mesmos precisassem se envolver. Com isso, o primeiro sintoma do colapso do sistema partidário foi a dificuldade e insucesso em recrutas membros mais jovens, gerando com isso também a perda do consentimento e apoio silencioso das massas, que lentamente deixaram a apatia de lado e buscaram formas de expressar suas violentas ideias de oposição.
A queda da proteção das classes, pelos partidos políticos, transformou as maiorias, que antes estavam adormecidas, em uma grande massa desorganizada que contava com indivíduos furiosos, sem interesses em comum, exceto a vaga ideia de que as esperanças partidárias eram vazias e sem proposito. Esse tipo de ideia aumentou consideravelmente após a primeira guerra mundial, quando a inflação e o desemprego agravaram as consequências de derrotas militares, em países como a Alemanha e a Áustria, gerando um apoio a movimentos extremistas.
Foi nessa conjectura que surgiu a psicologia do homem de massa da Europa, com o fator de que o mesmo destino tocava um grande número de indivíduos, o que não evitou que cada um deles julgasse o seu suposto fracasso individual e criticasse o mundo em termos de justiça especifica. Essas características não chegaram a criar um laço comum, porque não se baseavam em interesses mútuos, gerando um egocentrismo, trazendo consigo um claro enfraquecimento do instinto de autoconservação.
Essas massas surgem dos fragmentos da sociedade atomizada, sendo a estrutura do indivíduo controlada apenas pelo pertencimento a uma classe, o que demonstrou uma sociedade dominada por classes cujas fissuras haviam sido alicerçadas por um sentimento nacionalista especialmente violento, aceitando seus lideres puramente por motivos demagógicos, contra os seus próprios instintos e interesses.
Depois dessa breve exposição, é pertinente deixar a segunda parte para outro texto, aos quais vão se discutir os temas que seguem da perspectiva da autora, que mesmo sendo um livro antigo, encontra grandiosos paralelos com momentos e movimentos que estão ganhando força atualmente
Até o próximo texto dessa série!