Através do Portal Deviante, fui convidada para uma Cabine de Leitura com a escritora Micheliny Verunschk, autora do recém lançado O som do rugido da onça. No evento, participamos de uma conversa sobre o livro e a autora compartilhou conosco alguns detalhes de seu processo de criação. Ela contou aos participantes sobre sua experiência transcendental com Ayuasca, sobre histórias de infância e sobre suas pesquisas para compor o livro. Foi um momento memorável que nos ajudou a compreender melhor a obra.
O som do rugido da onça conta a história das crianças indígenas sequestradas por Martius e Spix no início do século XIX. Isso realmente aconteceu e não terminou bem para as crianças. Verunschk então conta a história do ponto de vista das crianças, principalmente do ponto de vista de Iñe-e, menina do povo miranha.
O zoólogo Johann Baptist Spix e o botânico Carl Friedrich Philipp Martius fizeram incursões pelo território brasileiro no início do século XIX, inspirados pelas viagens de Alexander Von Humboldt pela América do Sul (que ocorrera vários anos antes). Estudaram espécies de plantas e animais e dividiram o território brasileiro nos cinco biomas (cerrado, caatinga, Mata Atlântica, Floresta Amazônica e pampas) que usamos até hoje para descrevê-lo. Nós conhecemos a história do ponto de vista de Spix e Martius, que muitas vezes são tomados como heróis, desbravadores, exploradores curiosos e perseverantes, como tantos outros cientistas do mesmo período.
Em O som do rugido da onça, a autora nos presenteia com o ponto de vista da menina Iñe-e. Nesse aspecto, a leitura desse romance histórico é uma leitura decolonial, uma vez que a autora fez pesquisas sobre o povo miranha e como historiadora, ela trouxe esse olhar observador sobre o Brasil do início do século XIX. Sob o olhar da menina Iñe-e, vemos os cientistas daquela época como indivíduos completamente dentro do contexto colonialista opressor daquele momento. Com nosso olhar atual, sentimos repulsa desses cientistas, capazes de sequestrar crianças.
Para os cientistas Spix e Martius, as crianças indígenas que eles carregam no navio no retorno para a Europa são apenas espécimes, junto com as plantas e animais tirados da terra. Quando chegam na Alemanha, as crianças são alvo de curiosidade por parte da elite. Iñe-e observa tudo com muita raiva e tristeza, usando seu universo e a comunicação com as águas dos rios para entender aquela gente diferente.
Em suma, eu diria que é um excelente romance histórico em que podemos observar o talento da escritora para prosa e sua acurada observação de historiadora.