Para quem não sabe, o bitcoin nasceu de uma ideia após a crise de 2008 de uma moeda que fosse supranacional e que não pudesse ser controlada por um banco central. Isso a deixaria mais estável e confiável que qualquer outra moeda no mundo pois não poderia sofrer intervenções externas. Catorze anos após a publicação do white paper do enigmático Satoshi Nakamoto, não é bem isso que temos visto.
Mas em 7 de setembro de 2021, o controverso presidente de El Salvador, Nayib Bukele, resolveu apostar nessa ideia e determinou o bitcoin (BTC) como moeda oficial do país.
Segundo o presidente, uma das principais motivações era trazer para a economia uma grande parte da população que não tem acesso ao sistema bancário e facilitar o recebimento de remessas internacionais. Além disso, nas palavras de Bukele, o BTC poderia liberar o país do controle do sistema financeiro global tradicional.
El Salvador já vinha com dificuldades econômicas antes mesmo da decisão polêmica por conta de seus déficits fiscais recorrentes. Mas de lá para cá a coisa só piorou.
Bukele e seu ministro das finanças prometeram emitir títulos públicos em bitcoin — uma ideia que nunca se concretizou porque a criptomoeda chegou a perder cerca de 70% de seu valor no pior da crise. Além disso, havia um projeto para construir a chamada “Bitcoin City”, uma área focada na criptomoeda, livre de impostos e localizada aos pés do vulcão Conchagua para que a energia geotérmica minerasse bitcoin com menos impacto ambiental.
Mais uma ideia que se parece mais com uma jogada de marketing do que com um plano econômico de verdade e que, não preciso nem dizer, não saiu do papel.
Fonte: Be in crypto
Desde a mudança de moeda pelo governo salvadorenho, as condições econômicas internacionais também se deterioraram muito com a Guerra na Ucrânia, a inflação generalizada e a tendência cada vez maior de uma recessão global. Como consequência, há menos apetite para ativos de risco, como o BTC, o que levou a uma forte queda em seu preço.
Isso demonstra que o bitcoin não pode ser considerado uma moeda de verdade. Segundos os princípios básicos de economia, uma moeda precisa cumprir 3 papéis: moeda de troca, reserva de valor e unidade de conta. Atualmente, o bitcoin só cumpre o papel de unidade de conta — e olhe lá. Para que fosse uma moeda de troca verdadeira, mais comércios precisariam aceitar bitcoin e as enormes flutuações no preço impedem que ele seja uma boa reserva de valor.
Para se ter uma ideia, em 7 de setembro de 2021, a cotação do BTC era de cerca de $46 mil dólares por bitcoin. Em julho de 2022, é negociada a cerca de $22 mil dólares — uma queda de mais de 50%.
Somando ao risco que já existia de calote do país caribenho e a queda forte das criptomoedas, ainda há uma série de títulos de dívida externa emitidos em dólares que vencem no começo de 2023. Isso tudo aumentou a pressão sobre Bukele para que ele abandonasse sua criptoeconomia.
Mas ao invés disso ele aumentou sua aposta! Em 30 de junho, o país comprou mais 80 BTC ao preço de $19 mil dólares cada — um gasto de 1 milhão e meio de dólares, ou 7,6 milhões de reais. E em um tweet o presidente ainda agradeceu “àqueles que venderam barato”.
Nos 10 meses de experimento, o uso do bitcoin em solo salvadorenho vem sendo questionado, porque, segundo dados do Banco Central do país, apenas 1,9% de todas as remessas internacionais que entraram no país foram negociadas em cripto.
Consultorias e especialistas que observam o caso imaginam que a única saída para essa crise será recorrer a um acordo de resgate com o FMI. Mas o fundo provavelmente exigirá a revogação da lei bitcoin, o que afetaria diretamente a popularidade do presidente.
O mais provável é que El Salvador continue a se afundar em dívidas com juros cada vez mais altos até 2024, quando Bukele tentará a reeleição. Até lá, não sabemos o que será do país e muito menos do preço do bitcoin.
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