Luca estava em Belo Jardim, a cidade já não tinha o mesmo esplendor de alguns anos atrás. A quantidade de pessoas vivendo lá gerava facilmente um aglomerado de gente para onde você fosse, e isso irritava bastante os locais.
Neste momento, ele encarava a estrada sul que estava em ruínas e não era mais usada por ninguém. Há muito tempo, as pessoas pararam de usá-la, mas lembrava quando chegou por ali em busca de ajuda da Ordem. E junto com ele, um monte de pessoas fugindo do destino de sua vila natal. Em seguida comandou o cavalo que começou a caminhar na direção da velha vila, ele evitou fazer isso por muito tempo.
– Senhor Luca! Senhor Luca! – gritava um jovem de cabelos negros e roupas velhas.
– Sim? O que você quer? – disse o jovem paladino um pouco irritado fazendo o cavalo virar na direção dele.
– Perdão, senhor. Corri o mais rápido que pude, estava te procurando na cidade. Esta carta tem um pequeno bilhete que chegou em um corvo de manhã cedo.
Luca pegou o bilhete, leu o conteúdo que mal tinha três frases, era um pedido de socorro do senhor Ortiz. Há quase dois anos, Luca tinha ajudado a família com uma maldição. Voltou a olhar para o caminho, mas não negaria ajuda. Agradeceu o garoto dando uma moeda de prata, e fez o cavalo mudar a direção para a saída leste.
– Eu te conheço, senhor? – perguntou o garoto.
– Não. Eu já vou. Muito obrigado – disse Luca se despedindo.
O garoto ficou pensando por um tempo, quando Luca não estava mais à vista, ele disse:
– Eu lembro de você, sim. Hora de ganhar mais uma moeda, dessa vez de ouro – disse rindo e correndo através da estrada sul.
Levou quase três dias, mas Luca chegou na região, a viagem foi complicada, pois choveu diariamente na semana anterior. Neste momento, estava parado, pois um homem tinha interrompido seu caminho com uma saudação.
– Olá, irmão! O que fazes aqui, andarilho? Eu me chamo Tiago Martin – disse um membro formal dos Esclarecidos fazendo um sinal conhecido pelos membros da Ordem Branca.
Ele usava uma cota de malha surrada que gritava por manutenção, um elmo clássico e bem bonito com o símbolo dos Esclarecidos, tinha uma maça pendurada na cintura, além de um escudo preso nas costas.
– Saudações, companheiro! Tudo bem? O que o traz neste fim de mundo? – perguntou Luca.
– Estou acompanhando um trio, foram contratados para procurar um animal amaldiçoado exótico, um risco para o povo daqui, então estou dando apoio a eles – explicou Tiago.
– Eles estão procurando rastros no momento. Em breve nós vamos encontrar a criatura – falou o membro da Ordem.
– Certo, estou aqui para ajudar um conhecido meu, posso contar com sua ajuda se for possível? – perguntou Luca
– Claro! Assim que finalizar meu contrato, estou à sua disposição, meu caro – respondeu o clérigo.
Assim Luca fez uma saudação e seguiu, mudou a direção para o centro da cidade tentando identificar outras pessoas que não fossem da vila, porém sua ideia foi inútil, não viu ninguém diferente dos moradores de lá. Então foi em direção a casa da família Ortiz.
Quando Luca chegou perto da casa, notou que a senhora Ortiz já o estava esperando. Ele prendeu seu cavalo e entrou na casa. As crianças estavam com medo, mas aliviadas por verem ele ali.
– Oi, Luca! Perdão pela confusão, ele está em perigo, quando notou esses três forasteiros fazendo perguntas, foi a outra vila para mandar um pedido de ajuda e decidiu ficar por lá. Ninguém sabe sobre o problema dele. Não falamos a ninguém, mas…
Luca aceitou uma bebida e um pouco de pão, então foi procurar os estranhos. Logo descobriu que os três tinham acabado de sair para procurar uma bruxa no pântano. Assim, Luca decidiu procurar o Sr. Ortiz na outra vila.
Um pouco distante, Tiago o observava. Em breve, iria indagar aos moradores dali sobre a relação do andarilho com a família Ortiz.
Luca levou meio dia para chegar lá e outro inteiro para encontrar o Sr. Ortiz. Agora, estava em uma estalagem conversando com ele. O rechonchudo senhor relatou que dias atrás um grupo de homens apareceu na vila. Estavam interessados sobre uma fera esquisita que rondou aquela vila há quase dois anos.
– Então resolvi pedir ajuda a ti. Sei que você já me ajudou uma vez, eu que estou devendo, mas não tinha a quem recorrer e temo pela minha família – dizia tristemente ele.
– Para piorar, eles conseguiram alguém da minha Ordem para ajudar, isso complica bastante a situação – falou Luca.
– Ótimo! Fala com ele, pode ficar do nosso lado – falou o Sr. Ortiz com bastante esperança.
– Não é assim, ele tem um contrato e precisa honrá-lo. Não pode manchar a reputação da Ordem ou da doutrina dele – tentou explicar Luca.
– Mas… mas… vocês não podem lutar, não seria errado? – perguntou mais preocupado o jovem senhor.
– Sim, seria, mas você foi amaldiçoado, se ele se convencer que você é uma ameaça… – Luca parou a explicação olhando a entrada da taverna.
– O que foi? – perguntou o sr Ortiz.
– Parece que temos companhia – disse Luca enquanto Tiago caminhava em direção a eles seguido de outro homem.
– Então! Podemos conversar lá fora? – disse Tiago num tom bem sério.
– Claro! Depois continuamos a conversar, meu caro – falou Luca com o Sr. Ortiz.
– Não, ele vem também, vamos todos – ordenou Tiago esperando que eles caminhassem em direção a entrada.
Os dois saíram dali, mas Luca protestou várias vezes durante o caminho, porém ao sair, ele foi imobilizado por três homens.
Algumas horas depois, estavam os dois amarrados dentro de uma carroça saindo da vila, Tiago os acompanhava a cavalo, um homem nada simpático encarava os dois e ameaçava enquanto outros dois guiavam a carroça. Ainda havia um quarto homem a cavalo um pouco à frente da carroça.
– Por que não damos fim a esse homem? Ninguém vai saber! – reclamava o homem que continuava encarando os prisioneiros.
– Eu já disse! Ninguém da minha Ordem precisa morrer! – gritou Tiago irritado com a insistência.
– Como expliquei antes, ele precisa ser vigiado. Se ficar para trás, ele se solta ou alguém solta ele e vem atrás de nós – explicou Tiago voltando a um tom de voz mais calmo.
– Respeitando o contrato, estou satisfeito – disse o homem que guiava a carroça.
– Até porque se ele fosse atacado, eu teria que defendê-lo, então ninguém sairia ganhando, entendeu? – falou Tiago fazendo o cavalo ir para frente.
– Entendi… E vocês têm sorte – disse o homem contrariado dando um tapa no Sr. Ortiz.
– Então, é esse cara? Ele se transforma mesmo naquela fera? Como a gente faz para tirar o couro dele? – perguntou o homem olhando para os dois da frente.
– Não faço ideia! O Tiago não sabe? – perguntou o outro homem.
– Não sei, talvez o irmão da Ordem saiba, mas não está com cara que vai falar – resmungou Tiago.
– A gente deveria levar as filhas, talvez elas também se transformem – disse o homem dentro da carroça rindo.
– Isso n.. – disse Tiago sendo interrompido.
– Você! Não vai tocar nelas, seu puto! – disse o Sr. Ortiz com uma cara de ódio que Luca nunca tinha visto antes.
O Sr. Ortiz avançou sobre o homem que caiu de costas dentro da carroça. O responsável por guiar os cavalos fez o comando de parada, enquanto Luca aproveitou o momento para afastar o Sr. Ortiz.
Mesmo com as mãos amarradas Luca enfiou algo na boca dele e pulou para fora dali.
A transformação não levou um minuto, Luca observava de longe a criatura com corpo de guaxinim, além da cabeça e cauda de jacaré, mas bem diferente da última vez, pois as garras estavam mais longas, as presas maiores, olhos vermelhos.
O monstro abocanhou o ombro esquerdo do homem dentro da carroça, cravando suas presas fazendo aquele ali gritar de dor. Depois a criatura o jogou para fora da estrada e voltou-se para os dois à frente da carroça.
Aquele que não conduzia a carroça foi agarrado e jogado para fora da estrada, o segundo tomou uma grande pancada e acabou sem vida sendo arrastado pelos cavalos. Com um giro, a cauda da criatura derrubou Tiago, que tentava ajudar os últimos dois, o restante, que acompanhava a carroça a cavalo, tentou fugir, mas a criatura fez um grande salto quebrando a carroça e soltando os cavalos para cair bem em cima dele. Assim, a criatura se voltou para atacar Tiago, que ainda estava se recuperando da queda, quando Luca se mete entre os dois dizendo:
– Não, Sr. Ortiz! Ele não, eu tenho um juramento de sempre proteger um irmão da ordem! Você já protegeu sua família! – disse Luca em tom severo.
A criatura não demonstrava que retornaria à razão e soltou um grande berro em fúria correndo em direção aos dois. Luca pediu para Tiago esperar, ele daria um jeito na criatura.
– Não! Essa criatura precisa morrer! – disse Tiago tomando a frente indo de encontro ao monstro.
Tiago colocou o escudo à frente e girava sua maça para atacar o monstro, mas a criatura em que o Sr. Ortiz se transformou era diferente. Assim, a criatura acabou surpreendendo Tiago e Luca com um salto na forma de ataque que terminou com um maça caindo para frente, um escudo deformado junto com o braço esquerdo e o ombro mordido.
Tiago sangrava bastante, indicando que a malha não segurou a mordida. Em seguida, a criatura jogou Tiago para fora da estrada e agora encarava Luca com uma expressão diferente.
A criatura suja de sangue parecia voltar à razão enquanto olhava para as vítimas. Luca observava tudo bem confuso sobre o que deveria fazer a respeito de tudo aquilo. Subitamente, a criatura entrou na floresta para sumir em poucos segundos.
Hora depois, Luca tinha enterrado os mortos bem escondidos na floresta, pegou suas armas e equipamentos, voltou para a vila para pensar a respeito sobre tudo o que aconteceu ali.