Hoje é dia de finalizarmos nossa trilogia sobre química do solo! Já discutimos a importância da água, não só como meio onde acontecem as reações, mas também como agente do intemperismo, assim como vimos a composição das partículas do solo e como se formam as cargas permanentes. Chegou, então, o momento de falarmos sobre as cargas dependentes de pH e da capacidade dos solos de reter não apenas nutrientes, mas tudo aquilo que jogamos nele.
Quando se fala em pH, o conceito mais comum que vem à mente é a acidez, não é mesmo? E é mais ou menos por aí, temos solos mais ácidos e solos mais básicos, com esta característica afetando diretamente sua fertilidade. Mas, afinal, o que é um solo fértil? A fertilidade do solo está relacionada com a sua capacidade de disponibilizar nutrientes para as plantas, o que tem tudo a ver com o que eu comentei no texto anterior sobre o estoque de íons nas partículas do solo, você se lembra?
No texto passado, eu mencionei que algumas partículas possuem cargas permanentes, que são aquelas que fazem parte da partícula e se originam pela troca de elementos dentro de sua estrutura. Se pensarmos nos solos como uma espécie de despensa de nutrientes, esses que possuem as chamadas argilas 2:1 (se quiser saber mais, leia a parte 2) contém várias prateleiras, que no caso são as cargas, onde os nutrientes podem ficar armazenados. Já os solos mais intemperizados, onde as argilas se transformaram em 1:1 ou em óxidos de ferro e alumínio (como os solos do Brasil) não tem tantas prateleiras assim e os nutrientes podem acabar sendo levados embora pela água num processo chamado lixiviação, necessitando de um manejo adequado para melhorar sua fertilidade. E por que isso acontece? Por causa da composição e estrutura das partículas, que não possuem cargas permanentes, apenas as chamadas dependentes de pH, que, como o próprio nome diz, estão relacionadas com a acidez desses solos.
Mas, para explicar como isso funciona, é preciso conhecer o equilíbrio entre a solução do solo e os nutrientes armazenados (ou adsorvidos) em suas partículas. No nosso primeiro texto, eu havia dito que a solução do solo é uma sopinha nutritiva, cheia de íons que podem servir de alimentos para as plantas e estão dissolvidos na água. Além dos íons que estão livres nessa solução, existem os que estão adsorvidos. Nunca haverá apenas nutrientes disponíveis ou retidos, o que acontece é um equilíbrio entre ambos. Desta forma, quando as raízes das plantas absorvem nutrientes da solução do solo, para continuar em equilíbrio, íons que estavam adsorvidos se tornam livres nessa solução. O contrário também ocorre, quando adubamos o solo, aumentamos o estoque de íons dissolvidos e parte desses íons é adsorvida, ficando de reserva, só esperando a hora de se tornar disponível para as plantas.
E o que a acidez tem a ver com isso? Bem, é possível denominar substâncias ácidas como aquelas que liberam íons hidrogênio (H+) em solução aquosa. Então, da mesma maneira, um solo ácido é aquele que tem bastante H+ dissolvido em sua solução. Dito isso, vamos nos lembrar o que eu falei no parágrafo acima, se temos bastante H+ em solução, significa que existe bastante H+ adsorvido nas partículas do solo, certo? E se temos muitos íons H+ ocupando as cargas negativas das partículas de solo, não existe espaço para os demais íons, como o cálcio ou o magnésio, por exemplo, que são nutrientes muito importantes para o desenvolvimento de uma planta. E é por isso que dizemos que solos ácidos são pobres em nutrientes, porque suas cargas estão ocupadas com íons H+ e eles não possuem a capacidade de estocar os íons que realmente importam para as plantas. Deu para entender? Segue uma figura para ajudar.
Algo importante de lembrar sobre os nutrientes das plantas é que a maioria deles é absorvida na forma de cátions, ou seja, possui cargas positivas, como o cálcio, potássio, magnésio, ferro ou zinco. E é por isso que um parâmetro muito importante quando se faz uma análise de solos é a Capacidade de Troca de Cátions, ou CTC, que nada mais é que a quantidade de cargas negativas presentes nas partículas capazes de armazenar os íons positivos. Obviamente, a CTC está relacionada com o pH, afinal, essas cargas podem ser ocupadas pelo H+ quando o solo está ácido, deixando a CTC mais baixa. Vale dizer que alguns ânions são importantes para as plantas também, como o nitrato (NO3–) ou o fosfato (PO43-), e é por isso que existem também cargas positivas no solo, mas em quantidade bem menor, sendo a CTC um parâmetro muito mais considerado para manutenção de um solo saudável.
As cargas denominadas dependentes de pH geralmente estão nas extremidades das partículas do solo, onde pode ter havido uma ruptura e os elementos que estavam bem nessa pontinha quebrada adquiriram uma carga negativa. E é por isso que elas existem em menor quantidade que as cargas permanentes, que podem surgir por toda a estrutura da argila to tipo 2:1.
Além da formação das cargas dependentes de pH, a acidez ou basicidade de um solo é um fator importantíssimo para a determinação da disponibilidade dos nutrientes. Você provavelmente percebeu que até agora estamos conversando sobre íons, afinal essa é a forma como as plantas costumam absorver seus nutrientes. Isso significa que um elemento que estiver na forma de uma molécula, um cloreto de potássio (KCl), por exemplo, não vai ser absorvido a não ser que se dissocie no ânion cloreto (Cl–) e no cátion potássio (K+). Tal característica é chamada de fitodisponibilidade do elemento e, olha só, depende do pH. No gráfico a seguir é possível observar o comportamento de diversos elementos de acordo com o pH. Em geral, elementos metálicos, como o ferro, o manganês e o alumínio, tem sua disponibilidade diminuída com o aumento do pH do solo (diminuição da acidez). Já elementos como o nitrogênio, enxofre, boro e fósforo, só estarão disponíveis, ou seja, dissolvidos na solução do solo, em pH não muito altos e nem muito baixos (repare no fósforo, como tem uma faixa ótima de pH estreita!).
Observando o gráfico é possível perceber também que solos ácidos possuem grande quantidade de alumínio. Isso não é desejável, afinal o alumínio é tóxico para as plantas, mas acontece por conta da composição mais comum dos solos ácidos, que, ao invés da argila, são ricos em óxidos e hidróxidos de ferro e alumínio. Esses costumam ser solos muito intemperizados, onde a rocha-mãe já passou por muitos e muitos processos químicos, físicos e biológicos, resultando nessas partículas, que são muito mais simples que aquelas lâminas das argilas 2:1. Pergunta: você consegue imaginar em que regiões do globo o intemperismo acontece tão ativamente a ponto de ocorrerem transformações tão grandes assim? Se você disse regiões de clima quente e úmido, onde há maior disponibilidade de água e favorecimento da atividade microbiana e reações químicas, você acertou! E você sabe citar um lugar do mundo que tenha esse clima? Se você disse o Brasil, acertou de novo! Deu para entender agora o porquê de o solo amazônico ser pobre? Ele é muito intemperizado, possui majoritariamente cargas dependentes de pH e, sem o manejo correto, não possui muita capacidade de reter nutrientes.
Ainda falando sobre a Amazônia, que tal entendermos o que é que faz a grande diferença na região e mantém aquela floresta incrível em pé? A resposta é simples, a própria floresta amazônica. A grande quantidade de folhas, flores, frutos e animais mortos que entram em decomposição no solo da floresta se incorporam a ele na forma de matéria orgânica. Você conhece compostagem? Sabe aquela terrinha preta que se forma no final do processo? Ela é formada por substâncias bem complexas, de difícil degradação pelos microrganismos, que acabam ficando um bom tempo no solo e melhoram sua qualidade por conter, adivinha só, cargas negativas. Exatamente, a matéria orgânica aumenta a CTC do solo e ajuda na retenção de nutrientes, deixando aquele solo naturalmente pobre um pouquinho mais rico. Incrível, não? A matéria orgânica, embora represente, em média, 5% dos componentes de um solo, pode ser responsável por mais da metade de sua CTC. E aí (já fiz essa pergunta em outro texto e vou fazer de novo), o que você acha que acontece quando você desmata a Amazônia para fazer pasto? Será que, diminuindo a quantidade de matéria orgânica, o solo mantém sua fertilidade?
E é por isso que o manejo adequado é importante. Fazer uma análise do solo, detectar a necessidade de correção do pH (a calagem é uma prática bem simples que consiste na adição de calcário no solo para diminuir sua acidez) e a necessidade de adubação permitem ao produtor saber exatamente o que ele deve ou não adicionar ao seu solo para mantê-lo sadio. Outras práticas também são recomendadas, como mostra a figura a seguir.
Para finalizar, que tal falarmos de degradação química do solo? Como você pode imaginar, não existe uma seletividade no solo a respeito do que ele vai reter ou não, desta maneira, metais pesados, agrotóxicos e qualquer outro tipo de poluição vai se comportar como os nutrientes de um adubo. Muitos solos têm a capacidade de neutralizar ou reduzir toxicidade de substâncias contaminantes através de fenômenos físicos, químicos e biológicos. Com isso, alguns contaminantes orgânicos podem ser total ou parcialmente degradados, enquanto contaminantes inorgânicos como os metais pesados podem ficar retidos no solo. Entretanto, essa capacidade varia em função das características do solo e até mesmo do clima onde ele está inserido. Por isso é tão importante que toda e qualquer atividade desenvolvida no solo, desde a adubação de uma lavoura até disposição de um resíduo, seja estudada e realizada visando sempre a manutenção de um solo íntegro e sadio. A natureza e a lavoura agradecem.