Você se lembra de quando eu comecei a explicar o que é solo e o quão complexo é esse monte de terra em que pisamos todos os dias? E aí, que tal falarmos um pouco mais sobre isso? Quer saber do que essa terra é composta, como ela se arranja e qual a importância disso para a manutenção tanto de um ecossistema, quanto de uma cidade? Então vem comigo que hoje vamos aprender mais sobre a física do solo!
Para começar, vou explicar melhor essa divisão. Você sabia que existem pessoas que estudam física, química ou biologia do solo separadamente? De uma maneira bem geral, a física estuda as partículas sólidas do solo e como elas se unem formando agregados. Já a química do solo se preocupa com a interação dessas partículas com a água, os nutrientes e outras substâncias, enquanto a biologia foca nos seres vivos e como eles influenciam e são influenciados pelo ambiente onde vivem. Deu para perceber que, no fim, as áreas se complementam? Mas, de qualquer maneira, é muito importante para quem quer se aprofundar no assunto estudar cada uma dessas ramificações, até mesmo para poder entender como é que elas interagem e conseguir visualizar como funciona o solo como um todo.
Quando falamos em física do solo, especificamente, estamos falando sobre partículas, seu tamanho, distribuição e arranjo, assim como falamos do que sobra ao redor e entre esses arranjos, ou seja, os poros. Mas não vamos adiantar as coisas, vamos falar primeiro das partículas, como elas podem ser classificadas e qual a importância disso.
Segundo a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, existem três frações em um solo responsáveis por sua classificação quanto à textura. Elas são areia (partículas maiores, de tamanho entre 2 e 0,05 mm), silte (partículas medianas, com tamanho entre 0,05 e 0,002 mm) e argila (partículas de tamanho muito pequeno, menores que 0,002 mm, não sendo visíveis a olho nu e que possuem características muito importantes que serão discutidas a seguir). Tudo o que for maior que 2 milímetros a gente pode chamar de cascalho e não vai interferir na textura do solo.
Tanto a areia quanto o silte são compostos, em sua maioria, por quartzo (SiO2) e são resultado do vento e da água quebrando cada vez mais os pedaços em tamanhos menores, até restarem grãozinhos. Já a argila passou por transformações químicas que se refletem não só em sua composição, mas também em seu formato (não se tratam de pedrinhas redondas ou pontudas, e sim de lâminas microscópicas sobrepostas). A importância dessas partículas minúsculas está no fato de que elas possuem cargas (o que permite que elas interajam entre si, auxiliando na formação de agregados no solo) e em sua superfície específica (área superficial para um determinado volume ou massa de partículas). Para ilustrar a importância da superfície específica, observe a figura a seguir em que um bloco de rocha de 2 cm de lado possui 24 cm2 de superfície específica, enquanto o mesmo volume de rocha, após quebrado em fragmentos menores, passa a expor 48 cm2. E o que isso significa? Que a argila, por ser muito menor, tem mais superfície disponível para entrar em contato com água, ar, nutrientes e outras partículas do solo.
Mas então a argila é maravilhosa e a areia é ruim? Claro que não, areia, silte e argila estão misturadas em diferentes proporções nos solos do mundo todo e cada um tem a sua importância para conferir características diferentes para cada tipo de combinação. Na figura abaixo você pode ver o chamado triângulo textural, uma espécie de gráfico que auxilia na classificação de um solo de acordo com quanto de cada tipo de fração está presente. Existem diversos modelos desse triângulo, uns com muitas categorias, outros mais simplificados, mas todos se baseiam em uma das seguintes fontes: a Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (que usa o sistema de classificação do Departamento de Agricultura dos EUA, USDA) ou o Instituto Agronômico de Campinas – IAC (que se baseia na Sociedade Internacional de Ciência do Solo, ISSS). Nesse site aqui você pode criar o seu próprio solo digitando as porcentagens de areia, silte e argila, e ele te dá a classificação textural (se quiser brincar, apenas lembre que a soma das frações deve ser igual a 100%). Embora existam muitas classificações e nomes estranhos, é fácil perceber que, obviamente, quanto mais areia, mais arenoso é o solo e, quanto mais argila, mais argiloso.
Agora, imagine um frasco cheio de bolas de gude, vai ter um monte de espaço entre elas, não é mesmo? Da mesma maneira, solos mais arenosos possuem bastante espaço entre os grãos, os chamados macroporos. Esses espaços no solo costumam ficar cheios de ar. Quando chove e eles se enchem de água, porém ela é drenada rapidamente devido às características dos grãos de areia, que são pouco reativos e pouco coesos. Além disso, a baixa coesão torna os solos arenos mais suscetíveis à erosão porque os grãos ficam mais soltos entre si, ao invés de ficar juntinhos, sendo levados mais facilmente pela água que escorre na superfície, por exemplo. O silte, embora menor que a areia, possui características semelhantes, formando apenas poros menores, com capacidade um pouco maior de retenção de água.
Em seguida imagine o mesmo frasco que estava com bolas de gude cheio de pó de café. Dessa vez, parece que ele está todo preenchido, sem nenhum espacinho, não é mesmo? Se isso acontecesse no solo seria terrível, não haveria espaço para ar, água e organismos. Por isso, solos mais argilosos não se comportam necessariamente como o pó de café em um frasco. As cargas que eu comentei anteriormente fazem com que essas partículas se juntem e formem pequenos agregados. Esses pequenos agregados podem se juntar e formar agregados maiores, deixando, assim, espaços livres para que se retenha água e ar, para o crescimento de raízes e também trânsito/abrigo de pequenos animais e microrganismos. A presença de organismos e matéria orgânica em decomposição permite a liberação de compostos que fazem com que se formem ainda mais agregados, deixando o solo muito bem estruturado.
Note que a textura de um solo é muito importante para o desenvolvimento adequado de uma floresta, uma plantação ou mesmo um jardim. Porém, temos grandes florestas em solos arenosos também (vamos falar sobre isso em outro texto, mas já vou adiantar aqui que esse é o caso da floresta amazônica). Como isso é possível? Graças à matéria orgânica, que quando decomposta, age como um cimento mesmo para partículas pouco coesas como silte e areia, além de ser fonte de nutrientes. Só uma perguntinha rápida aqui: você acha que compensa desmatar uma área com terreno arenoso para colocar um pasto ou plantação no lugar?
Além da estrutura, outra propriedade física importante é a densidade do solo, que está diretamente relacionada com a textura e a capacidade de penetração. Um solo menos denso é aquele que possui menos massa pelo seu volume e isso significa que uma parte significativa desse solo é composta por poros. No primeiro texto eu comentei sobre a compactação e como ela é ruim para o desenvolvimento radicular de uma planta, mas não é somente isso. Saber se um solo é mais ou menos denso é importante para engenheiros ou arquitetos que precisam calcular a massa de solo a ser movimentado para a remoção ou cobertura de alguma área, por exemplo.
E já que migramos do ambiente rural para o urbano, vou finalizar deixando dois textos aqui que mostram a importância de se saber a textura e a capacidade de penetração de um solo para a construção civil. O primeiro fala sobre construções e estradas em solos arenosos e argilosos, já o segundo fala do teste de penetração, ou SPT, sigla para “Standard Penetration Test”, e explica porque se deve ter conhecimento prévio do solo antes de começar uma construção citando exemplos reais, como os prédios tortos da cidade de Santos-SP. Legal, né? Saber física do solo pode significar o sucesso ou fracasso tanto de projetos agrícolas, quanto de engenharia, além de ajudar a manter em pé desde as flores do jardim da sua casa, até as árvores de grandes florestas.