A resposta para a pergunta ‘o que veio primeiro’ é simples e rápida: o ovo! Ovos existem desde muito antes dos dinossauros, mas receberam certa atenção no registro fóssil porque alguns ninhos fossilizados de dinossauros de fato são muito interessantes. Alguns abrigam fósseis de embriões, outros mostram uma estrutura bastante diferente na disposição dos ovos no ninho. Além disso, outros fósseis ainda mais impressionantes preservam até os indivíduos parentais protegendo, e por que não chocando seus os ovos (figura 1).

Figura 1: A, fóssil de um embrião do sauropodomorfo Massospondylus, do começo do Jurássico da África do Sul. B, vários ninhos completos de oviraptores, do final do Cretáceo da China. C e D, fóssil de um ninho com o Oviraptor sobre ele, indicando o comportamento de incubação dos ovos pelos pais. Imagens retiradas de Reisz et al. 2010, Yang et al. 2019; Norell et al. 1995.

Mas os ovos de dinossauros recentemente revelaram parte de um quebra-cabeça evolutivo bastante interessante, que é componente de um tema bastante amplo e de certa forma bem sedimentado: a origem do ovo amniótico (já já voltamos pros ovos de dinossauros). O ovo amniótico é talvez o ponto chave da evolução dos tetrápodes terrestres e que deu condições a um grupo que se originou lá no Carbonífero, os Amniotas, de se reproduzirem sem a dependência de água.

Esse grupo de tetrápodes inclui tartarugas, cobras e lagartos, crocodilos, dinossauros e aves, além dos mamíferos. A grande diferença entre essa estratégia reprodutiva e a ancestral, ainda presente nos anfíbios como sapos e salamandras, é que os ovos não precisavam mais ser postos na água, e não havia mais o estágio larval aquático, como os girinos. A nova adaptação dos ovos dos amniotas é a cobertura coriácea, a casca do ovo, que permite a troca de gazes, mas retém os líquidos necessários para o desenvolvimento do embrião, que já nasce mais desenvolvido que um girino, por exemplo. E isso permitiu que os amniotas ocupassem novos ambientes durante sua evolução, mesmo aqueles com maior privação de água. (Benton, 2014)

O porém dessa fantástica história evolutiva é que os primeiros ovos fósseis de amniotas foram encontrados apenas em sedimentos do Jurássico Inferior, sendo relativamente mais abundantes da metade desse período em diante (Stein et al. 2019). E isso é o que intriga os pesquisadores porque, se há o ovo amniótico a tanto tempo – do Carbonífero ao Jurássico são mais de 100 milhões de anos) – , o que explicaria essa enorme lacuna no registro fóssil? A resposta para essa pergunta foi elaborada por Stein et al. (2019) ao notar que os ovos de dinossauros mais antigos, pertencentes aos sauropodomorfos Massospondylus, Lufengosaurus e Musaurus (todos do Jurássico Inferior), também são os ovos amnióticos mais antigos já encontrados.

Toda essa novidade é relacionada ao fato de que os ovos dessas espécies de dinossauros apresentam a casca do ovo mineralizada, ainda que em um grau incipiente. A casca do ovo mineralizada, como encontramos em ovos de galinha, por exemplo, difere-se substancialmente de ovos com casca mole, como os de tartarugas marinhas, fazendo com que estes fossem mais facilmente preservados no registro fóssil por serem compostos basicamente por um arranjo proteico, facilmente degradável. A mesma lógica se aplica a maior facilidade de se preservar ossos, e não órgãos de organismos fósseis, por exemplo.

Dessa forma, acredito eu, você já deve estar imaginando que então todos os ovos amnióticos mais antigos do que os destes dinossauros possuíam casca mole, e por isso seriam mais dificilmente fossilizados, o que explica sua ausência no registro fóssil. Eu te respondo que a lógica é essa, sendo então a hipótese mais aceitável. E tanto é verdade que os paleontólogos entendem que o ovo amniótico surgiu junto com os primeiros amniotas por inferência filogenética. Em outras palavras, é mais plausível afirmar que uma estrutura tão complexa quanto o ovo amniótico (com todas as suas membranas extraembrionárias como córion, saco vitelino e alantoide) tenha surgido, evolutivamente falando, uma única vez no ancestral de todos os amniotas do que diversas vezes, e de forma independente, em vários grupos.

Ano passado foi publicado um trabalho bem legal que dá mais pistas na evolução da mineralização da casca do ovo a partir de novos fósseis de…dinossauros. Norell et al. (2020) descreveram então inéditos ovos de Protoceratops, um tipo de dinossauro ornitísquio. Seus ovos continham embriões, o que torna o achado bem legal. Mas além disso, os autores notaram que a casca do ovo era mole. A partir deste novo dado, eles plotaram no contexto evolutivo as informações dos tipos de casca que os dinossauros e outros grupos relacionados, como pterossauros (que também tinham ovos de casca mole! Figura 2) tinham. Neste contexto, análises estatísticas indicaram que provavelmente a condição ancestral dos ovos de dinossauros também era a de possuir a casca do ovo mole (Figura 3). Interessante, não?

 


Figura 2: Comparação entre um ovo do pterossauro Hamipterus e o de uma cobra do gênero Elaphe. Nota a semelhança entre dois ovos de casca mole. Retirado de Wang et al. (2014).

 

Figura 3: Filogenia simplificada mostrando a evolução da casca do ovo amniótico em Archosauria, que sugere que a casca do ovo mole era a condição ancestral não apenas dos dinossauros, mas dos demais grupos de Archosauria. Retirado de Norell et al. (2020).

Fato é que se compararmos a nível de detalhe a casca mineralizada dos ovos dos diferentes grupos de dinossauros, incluindo aves, e de outros bichos como crocodilos e jabutis, é possível notar diferenças bastante significativas, o que reforça essa ideia de que a casca do ovo mineralizada surge, sim, de forma independente na história dos arcossauros.

E eu não tô falando de ovo porque foi Páscoa recentemente, não! É que a história evolutiva de algo tão minúsculo e aparentemente irrelevante, como a evolução da casca de um ovo, pode ser tão interessante quanto a de qualquer outro dinossauro gigante.

Bibliografia

– Benton, M. J. Vertebrate palaeontology. John Wiley & Sons, 2014.

-Norell, M. A., Clark, J. M., Chiappe, L. M., & Dashzeveg, D. 1995. A nesting dinosaur. Nature, 378(6559), 774-776.

-Norell, M. A., Wiemann, J., Fabbri, M., Yu, C., Marsicano, C. A., Moore-Nall, A., … & Zelenitsky, D. K. 2020. The first dinosaur egg was soft. Nature, 583(7816), 406-410.

-Reisz, R. R., Evans, D. C., Sues, H. D., & Scott, D. 2010. Embryonic skeletal anatomy of the sauropodomorph dinosaur Massospondylus from the Lower Jurassic of South Africa. Journal of Vertebrate Paleontology, 30(6), 1653-1665.

-Stein, K., Prondvai, E., Huang, T., Baele, J. M., Sander, P. M., & Reisz, R. 2019. Structure and evolutionary implications of the earliest (Sinemurian, Early Jurassic) dinosaur eggs and eggshells. Scientific reports, 9(1), 1-9.

Wang, X., Kellner, A. W., Jiang, S., Wang, Q., Ma, Y., Paidoula, Y., … & Zhou, Z. 2014. Sexually dimorphic tridimensionally preserved pterosaurs and their eggs from China. Current Biology, 24(12), 1323-1330

-Yang, T. R., Wiemann, J., Xu, L., Cheng, Y. N., Wu, X. C., & Sander, P. M. 2019. Reconstruction of oviraptorid clutches illuminates their unique nesting biology. Acta Palaeontologica Polonica, 64(3).