Hoje em dia mais de metade da população mundial vive em cidades e praticamente todos os países do mundo têm suas metrópoles que concentram uma quantidade cada vez maior de pessoas, empregos e meios de produção. Como chegamos aqui é uma história muito maior que qualquer artigo poderia englobar, e por isso recomendo que vocês ouçam o SciCast 301 de Histórias da Cidades  para saber em detalhes como a humanidade chegou aqui.

Para quem não ouviu ou para quem precisa de um refresco de memória, ofereço um resumo: o excesso de produção alimentícia levou a uma variedade e especialização cada vez maior do trabalho, estimulando o comércio e os hubs de escambo, que foram se desenvolvendo cada vez mais. A Revolução Industrial elevou o nível da urbanização ao atrair milhares de trabalhadores para as fábricas e criou a primeira megalópole: Londres. Com isso surgiram questões de infraestrutura, modelos de desenvolvimento e o reforço do papel das cidades: agregar pessoas com habilidades diferentes em um espaço reduzido e estruturado para que elas pudessem trocar seus bens e serviços mais facilmente.

A realidade é que conforme o tempo foi passando, as cidades se desenvolveram mais ou menos em torno de oportunidades, especialmente as de emprego, e congregaram cada vez mais pessoas de diversos níveis educacionais em espaços menores e cada vez mais caros. O que dizer de cidades como Nova York ou São Francisco que tem custos de vida mais altos que países inteiros? Ao longo dos anos, essas são apenas duas cidades como tantas ao redor do mundo que congregam trabalhadores especializados, o que por sua vez desenvolveu o comércio de bens e serviços nessas regiões.

Mas a Covid-19 colocou várias dessas cidades em cheque: Nova York foi o epicentro da pandemia nos EUA, fazendo com que muitos nova iorquinos fugissem da selva de prédios. São Francisco viu uma enorme pressão imobiliária que elevava o preço de pequenos apartamentos desaparecer conforme os trabalhadores de tecnologia confinados em casa percebiam que poderiam trabalhar remotamente de imóveis mais amplos e agradáveis – fora da cidade.

Diversas das maiores empresas do mundo já indicaram que manterão uma parcela de seus funcionários trabalhando remotamente indefinidamente ou pelo menos farão rodízio de mesas, naquele estilo em que nem todos trabalham do escritório todos os dias. E a pergunta que não quer calar é: o que será das cidades agora?

A fuga de trabalhadores dos grandes centros urbanos está tendo impactos mais rápidos do que o esperado: os números indicam que Nova York, São Francisco e Seattle estão tendo dificuldade de se recuperarem da crise – muito na contramão da lógica de que essas seriam as primeiras cidades e retomar suas economias pujantes. Os principais termômetros dessa nossa realidade é ausência de reação dos mercados imobiliário e de trabalho – duas áreas cruciais da vida urbana.

Conforme os trabalhadores intelectuais, os mesmos que estão passando todo o período de isolamento social trabalhando remotamente percebem que o custo-benefício das cidades não é mais tão atraente uma pergunta se torna cada vez mais relevante: Será o fim das cidades como as conhecemos?

Provavelmente não, mas certas mudanças são muito prováveis e até mesmo benéficas. Muitas das cidades sofrem gargalos de infraestrutura que seriam aliviados com a redução da população urbana. Outra possível consequência é o alívio no processo de gentrificação conforme pessoas de maior renda saem da cidade e há um relaxamento no preço dos imóveis. Tudo isso por tornar o uso do espaço urbano mais democrático e acessível e permitir que grupos que estavam sendo constantemente marginalizados ou pressionado para fora das áreas centrais possam novamente usufruir da estrutura que as cidades nasceram para oferecer.

O quanto disso se tornará realidade e onde realmente veremos o impacto da pandemia melhorar a vida urbana ainda é uma grande incógnita que não tem sequer prazo para ser resolvida. O que estamos vendo é que quanto mais durarem as medidas de isolamento, maior será a impressão de que a cidade não oferece mais tantas vantagens (vantagens essas cantadas aos todos os ventos há 6 meses atrás). E quanto mais eficientes e adaptáveis nos provamos trabalhando na frente de um computador, maiores a chances de não termos mais nossos escritórios, consultórios e salas de reunião em sua forma física. Se isso será uma coisa boa ou ruim, só o tempo dirá.