Na obra One Piece — já deixo aqui um aviso: usarei essa obra em quase todos os meus textos — se acompanha a história do Luffy, o protagonista conhecido por ser um homem-borracha. Durante sua jornada, ele utiliza as propriedades do material polimérico para enfrentar seus inimigos. Em algumas das batalhas, seu corpo estica muito além do que parece ser sensato. É inevitável que quem veja as cenas não se pergunte: “isso é possível?”
Bem, se é possível ou não o Luffy esticar o tanto que ele estica, sugiro a leitura desse artigo publicado na One Piece Ex. Mas afinal, quanto uma borracha, aqui no nosso mundo real, pode esticar? Bem, é preciso esclarecer diversos pontos. O primeiro deles é justamente o que é uma borracha.
Ao olhar a um pneu de carro é possível dizer, sem medo de errar, que ele é feito de borracha. Isso é fato. Mas, num olhar mais técnico, o que é chamado de borracha nesse caso está mais para um composto elastomérico à base de borracha. E por que isso? Porque o material do pneu é composto por vários e diferentes componentes, como negro de fumo, produtos têxtis e outros derivados do petróleo, além da própria borracha.
Quase todos os produtos chamados de borracha que se encontram no mercado são, na verdade, compostos elastoméricos. Isso se deve ao fato de que esses materiais são mais baratos de ser produzidos e possuem uma vasta gama de propriedades. Por incrível que pareça, na composição da camisinha é possível encontrar, além da borracha, componentes abrasivos.
Afinal, o que é então a borracha em termos técnicos? Pois bem, borracha é um polímero elastomérico, ou seja, um material constituído de cadeias de carbonos unidas por reticulações. Complicado? Pode ser se isso tudo é novo. E se esse é o caso, não há problemas, pois é possível destrinchar isso tudo.
Moléculas de etileno, composto orgânico que possui dois carbonos (C) unidos por uma ligação dupla e quatro hidrogênios (H), podem se ligar entre si, o que forma uma cadeia com milhares de carbonos e hidrogênios. que, no caso, pode ser chamada de polietileno. Nesse exemplo do etileno, a unidade que se repete, é o monômero; polietileno, a cadeia com vários monômeros ligados, é o polímero (Figura 1).
Com isso, nota-se que é possível ter muitos e muitos tipos diferentes de polímeros somente ao mudar o monômero. O exemplo do polietileno é o mais simples de ser visualizado, pois forma uma cadeia polimérica linear. Com o monômero propileno, temos três carbono e seis hidrogênios, o que forma uma cadeia polimérica ramificada. E é ramificada por ter mais carbonos e hidrogênios? Não é bem assim. Na verdade, é ramificada devido às ligações entre os carbonos.
Na Figura 1, nota-se que entre os dois carbonos do etileno têm uma ligação dupla. Ao rompê-la, cada carbono tem a possibilidade de se ligar com outro etileno que também teve sua ligação dupla quebrada. Assim, todos os carbonos de um etileno reagem com outros carbonos de outros etilenos.
No caso do propileno é um pouco diferente (Figura 2). A ligação dupla, que é comum para todos os monômeros, está entre o primeiro e o segundo carbono de cada propileno. Assim, serão esses dois carbonos, para formar o polipropileno, que reagirão com outros propilenos, enquanto o terceiro carbono fica como um “apêndice” — na verdade, como uma ramificação.
E, como já era esperado, ser uma cadeia lisa ou ramificada faz com que o polímero tenha diferentes propriedades. É possível ver essa diferença ao comparar copos descartáveis. Aqueles copos brancos, fraquinhos, são de polietileno; os copos transparentes, mais firmes, são de polipropileno.
Em alguns polímeros, encontram-se átomos diferentes de hidrogênio ligados aos carbonos. No caso do policloreto de vinila (PVC), encontramos um cloro (Cl) no lugar de um H. Já no politereftalato de etileno (PET), encontramos na cadeia polimérica átomos de oxigênio (O) e um anel aromático. Todos que já manusearam esses três polímeros sabem que eles são completamente diferentes (Figura 3).
Pois bem, visitadas as estruturas e composições químicas de um polímero, pode-se falar mais propriamente da borracha. Esse material é classificado como borracha por sua alta deformação elástica, ou seja, aquela deformação reversível. O principal motivo desse comportamento é pela inteiração entre as cadeias poliméricas que compõem o material.
Qualquer polímero é feito por milhares, milhões, enfim, muitas e muitas cadeias poliméricas. Essas são capazes de deslizar uma sobre a outra ao receber um esforço mecânico tal como tração (puxar as duas extremidades em sentidos opostos).
Esse deslizamento, entre outros motivos, é o que gera a deformação, tanto elástica como plástica (que não volta ao formato inicial ao suprimir o esforço mecânico). Então, conforme a estrutura e a composição química do polímero, mais facilmente ou mais dificilmente ocorre o deslizamento. Cadeias lisas e sem grandes átomos ou grupos funcionais tendem a oferecer menos resistência.
No caso dos materiais elastoméricos, e, por consequência, da borracha, as cadeias poliméricas estão quimicamente ligadas entre elas por uma ligação forte devido a reticulações. O que isso quer dizer? Durante o processo de polimerização, ou seja, no processo de transformar monômeros em polímeros, adiciona-se um agente de reticulação, o mais comum é o enxofre, que une as cadeias. Dessa forma, aquele monte de cadeias fica unificado, como se fosse uma grande e única molécula (Figura 4).
Essa reticulação faz toda a diferença. Quando o material é tracionado, as cadeias deslizam sobre si. Num polietileno, após o cessar do esforço mecânico, não existe força que coloque as cadeias nas antigas posições. Nas borrachas tem. A força proveniente das reticulações reposiciona as cadeias (Figura 5).
É fácil perceber que borrachas existem muitas, justamente por existirem borrachas que esticam mais e que esticam menos, por exemplo. Elas possuem composições químicas diferentes, além de teores de reticulações.
A borracha natural, provavelmente a mais conhecida de todas, é um polímero natural, proveniente da reticulação do poliisopropeno. Esse material pode esticar até 700% antes de romper. Um exemplo de borracha sintética, as borrachas de acrilonitrilo butadieno, tem uma faixa de alongamento que varia de 400 a 800%, ao depender justamente dos aditivos que nela se encontram.
Então, para responder o quanto uma borracha pode esticar, a melhor resposta que pode ser dada (e é a resposta preferida dos engenheiros e cientistas) é: depende. Sim, depende! E o motivo, além das condições ambientais, é a estrutura e composição química de cada borracha.
Após isso tudo dito, tem-se um conhecimento básico sobre polímeros, sobretudo sobre as borrachas. Esse assunto pode ser bastante destrinchado. Pode-se incluir na discussão o efeito da temperatura e do meio em que as borrachas estão aplicadas. Certamente, isso é muito importante para uma série de propriedades de materiais poliméricos. Saber disso, já traz uma vantagem a quem decidir encarar o Luffy (coragem, amigo!).
Referências:
CALLISTER, William D. et al. Materials science and engineering: an introduction. New York: Wiley, 2018.
MARK, J. E.; ERMAN, B.; EIRICH, F. R. Science and technology of rubber Elsevier. United States, 2005.
BHAIYAT, Taahir. Effect of Fiber Loading on the Moisture Absorption and Mechanical Properties of Kenaf Fiber Reinforced Composites – MECN4006 Undergraduate Research Project, 2017
GRECO, Alessandro. Industrial packaging: technology, applications and precautions in the case of palletized products, 2019.