Lá estavam os grandes dinossauros vivendo suas vidinhas e de repente eles começam a ver uma bola de fogo atravessando o céu. Alguns não viram mais nada imediatamente depois disso, outros sofreram por mais algum tempo até também passar dessa pra melhor. Já sabemos de forma razoável o que aconteceu com a vida na época, mas o que aconteceu com a Terra devido à esse impacto? 

Um tempo atrás escrevi sobre um dos estudos resultantes da Expedição 364, composta por cientistas de diversas áreas e países, que faz parte de um projeto conduzido pelo Consórcio Europeu para Pesquisa de Perfuração Oceânica (ECORD). Não sabe do que estou falando? Leia aqui

Usando aqueles mesmos tubos de sedimentos rochosos que foram retirados da região de anel de pico da cratera, hoje trago mais um estudo realizado através da análise desse material.

Um pedaço de um dos tubos coletados na Expedição 364.

Lembrando que o material analisado pelo projeto corresponde à fração da amostra de rocha que tem início em cerca de 500 metros abaixo do fundo do mar até pouco mais de 1300 metros de profundidade (considerando o fundo do mar), totalizando amostras de cerca de 800 metros de comprimento.

O estudo mais recente que foi publicado pelos participantes da Expedição nos leva a uma viagem para assistirmos o que foi acontecendo desde o momento do impacto até a formação final da cratera. 

Para esse estudo em questão, primeiramente os cientistas dividiram o cilindro extraído em quatro regiões, descendo em profundidade: 

– Região 1: correspondente a pouco mais de 100 metros de rochas sedimentares pós-impacto

– Região 2: pouco mais de 100 metros de suevite, que é um agregado sólido formado por fragmentos de diversos tipos de rochas, inclusive com partes vítreas, numa matriz de grãos mais finos. Esse tipo de material é formado em impactos de grandes dimensões, pois uma de suas características é apresentar fragmentos de rochas fundidas, devido ao aquecimento em temperaturas muito altas. Ainda com o resfriamento rápido de algumas dessas rochas fundidas há a formação das partes vítreas presentes na suevite. 

– Região 3: cerca de 25 metros de rocha fundida pelo impacto com a presença de alguns clastos. Aqui a rocha fundida não tem característica vítrea, pois seu resfriamento foi mais lento. Sobre os clastos podemos dizer que são outros tipos de minérios que foram misturados na rocha fundida enquanto ela resfriava. 

– Região 4: consiste de rochas graníticas com intrusões pré-impacto, além de serem observadas suevite e rochas fundidas de forma intercaladas. 

Analisando com maior rigor a fração da amostra de rocha correspondente ao que é chamado da fronteira Cretáceo-Paleogeno (K-Pg) foi possível “reconstituir” as primeiras horas após o impacto em Yucátan. A amostra estudada começa com o final da região 1, por volta de 615 metros de profundidade, indo até o início da região 4, por volta de 750 metros de profundidade.

Imagem de reflexão sísmica indicando o intervalo da amostra retirada e utilizada nesse estudo (em vermelho). No lado direito é mostrada a divisão das Regiões feitas (adaptado de Gulick, S. P. S. et al.).

Nos primeiros momentos do impacto, as rochas “alvo” (ou seja, o chão) foram escavadas por ejeção balística e/ou transportadas na nuvem formada pelo impacto, consistindo numa mistura de material vaporizado, material fundido e partículas sólidas. Considerando os minérios encontrados no solo extraído, estimou-se a liberação de ao menos 350 gigatoneladas de enxofre e 460 gigatoneladas de dióxido de carbono para a atmosfera, devido ao impacto de alta velocidade. Tais resultados suportam a hipótese de resfriamento global induzido por aerossóis de sulfato e a redução da fotossíntese como um importante mecanismo de morte na fronteira K-Pg.

Como pode ser visto na figura abaixo, cerca de meia hora após o impacto, a poeira já tinha baixado e assentado, sendo que os fragmentos de rocha fundida foram os primeiros a se depositar. Os estudos realizados indicam que a região 3 e o final da região 2 não só depositaram rápido, como foram mantidas, ao menos por um curto período de tempo a temperaturas acima de 580°C. Aqui houve a indicação de que minérios que se apresentavam em camadas mais profundas, foram levadas para cima com o impacto, se misturando com a rocha fundida (formando os clastos). Ainda devido às características das rochas encontradas nessa região, sugeriu-se que os depósitos ocorreram por interação com a água do mar que foi resfriando as rochas fundidas lentamente. Devido à geomorfologia da cratera, ou de forma mais clara, por onde a água foi passando até inundar tudo, foi possível indicar as regiões da cratera que apresentariam maiores quantidades desse tipo de depósito.

Imagens obtidas por tomografia computadorizada. Junto com outros tipos de análise, essas imagens ajudaram a definir os tipos e formas dos sedimentos em cada Região estudada. Os números ao lado das imagens correspondem à profundidade daquele ponto (em relação ao fundo do mar).

Dado o impacto, houve a formação de um tsunami em todas as direções indo para fora da cratera. Em estudos anteriores feitos por modelagem foi sugerido que entre 30 e 60 minutos após o impacto, a profundidade da água na cratera passaria de 1 km, ou seja, ela toda já estaria inundada. Porém, pela análise dos tipos e tamanhos das rochas encontradas nas diferentes profundidades examinadas pelos participantes da Expedição 364, acredita-se que, na verdade, essa inundação completa demorou algumas horas. 

Mas não vai achando que tudo se acalmou depois da inundação da cratera… Mesmo depois de estar cheia de água, a cratera continuou sendo um ambiente de alta energia, devido principalmente aos terremotos de grande magnitude gerados, o que afetou bacias que estavam até 2000 km longe do impacto.

Além disso, a presença de compostos orgânicos em camadas mais profundas da região 2A com um aumento de concentração em camadas superiores indica a presença de biomassa carbonizada que entrou na cratera durante a deposição dessa camada. Ainda no topo dessa região foi encontrado um tipo de ser planctônico (Maastrichtian planktic foraminifera), o que levou os pesquisadores a sugerirem que os 10 cm mais altos dessa região são do retorno da onda do tsunami vindo de fora da cratera das linhas costeiras do Golfo de México que carregou sedimentos marinhos ainda suspensos e “assinaturas” terrestres.

Isso foi o que aconteceu na cratera durante as primeiras horas após o impacto, mas e a Região 1? O estudo mostrou que a deposição da unidade 1G (ou seja, a mais profunda da região) levou ao menos alguns anos depois do impacto. Pelos sedimentos foi possível perceber que houve uma diminuição da energia das ondas quando essa fração foi se depositando.  

Foram encontradas grandes quantidades de carvão nessa fração da Região 1, sugerindo que essas partículas foram transportadas para a cratera pelo tsunami, mas foram se assentando de  forma mais devagar que o restante do material por conta das diferentes densidades. Outra possibilidade é que essas partículas foram caindo do ar. Os pesquisadores indicam que esse carvão foi gerado da combustão de locais arborizados ao redor do Golfo do México.

Um ponto interessante sobre isso é que os incêndios florestais podem se dar de duas formas devido a um grande impacto: diretamente devido à pluma do impacto ou pela ejeção de entrada. No caso de Chicxulub, considera-se que a pluma do impacto emitiu radiação térmica suficiente para incendiar florestas de 1000 a 1500 km de distância do local de impacto. Além disso, a ejeção de alta velocidade na reentrada da atmosfera da Terra emitiu radiação térmica suficiente para incendiar matéria orgânica seca e plantas vivas milhares de quilômetros longe da cratera! 

Acredita-se que a volta da água para a cratera tenha transportado material de até 800 km distantes da cratera para dentro dela. Portanto, a camada de carvão mais profunda observada no local poderia ser da vegetação das linhas costeiras a quase 1 km da cratera, incendiadas pela pluma do impacto e devolvida pelo tsunami. As camadas de carvão mais rasas foram sendo depositadas na cratera anos depois do evento, provavelmente por decaimentos de partículas geradas por incêndios ao redor do planeta, devido à ejeção de alta velocidade ou mesmo outros mecanismos.

 

Como esse texto ficou meio comprido e técnico, vai um resumo para entender melhor a linha do tempo da cratera:

t = 0, ou seja, assim que se deu o impacto: ejeção de uma mistura de material vaporizado, material fundido e partículas sólidas; liberação de toneladas de enxofre e dióxido de carbono para a atmosfera; tsunami de água saindo da região da cratera formada para todas as direções (para fora); incêndios florestais podendo chegar à milhares de quilômetros da cratera.

t = 30 min: poeira já depositada (toda a Região 3 e quase toda a Região 2); água começando a voltar para a cratera.

t = algumas horas: Região 2 completamente depositada; inundação da cratera, porém com água sempre indo e voltando (devido às grandes ondas formadas pelo tsunami), trazendo partículas de longe, como carvão proveniente dos incêndios florestais.

t = ao longo dos anos: carvão vai se depositando, sendo que com o tempo vai diminuindo a matéria orgânica trazida pelas águas e aumentando os sedimentos marinhos e “assinaturas terrestres”, como foi o caso dos seres planctônicos encontrados.

 

Até a próxima viagem no tempo!

 

Referências:

Gulick, S. P. S. et al. The first day of the Cenozoic. PNAS. v. 116. n. 39. 2019. (https://doi.org/10.1073/pnas.1909479116)

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