Você, prezado leitor, com certeza já viu alguma imagem da escultura “O Pensador” de Auguste Rodin. Além de ser muito presente na cultura pop, em cenas de filmes e séries, essa escultura também é bastante representada como sátiras ou em situações cômicas. A figura trata de um homem sentado, nu, apoiando o queixo no dorso de sua mão, com o cotovelo apoiado em seu joelho. Talvez você já tenha visto até uma dessa escultura pessoalmente, visto que são cerca de 28 delas, espalhadas por vários países do mundo, com nomes variando entre “Le Penseur”, “The Thinker”, “El Pensador”, “Tänkaren”, em francês, inglês, espanhol, e sueco respectivamente. O que você pode não saber é que todas essas 28 estátuas espalhadas pelo mundo são consideradas estátuas originais, mesmo que metade delas não tenha sido produzida por Rodin, nem sob a sua supervisão, ou sequer em seu tempo de vida.

Rodin foi tanto um empresário quanto escultor. Produziu trabalhos em gesso, mármore e bronze. Seus trabalhos também eram realizados por um grande time de entalhadores, escultores e outros artistas que davam vida às suas ideias. Ele tinha um pensamento parecido com o de artistas contemporâneos sobre a produção de arte em “escala industrial”. O que traz o debate sobre a originalidade e a autenticidade de uma obra, pois, na visão de Rodin, a obra de um artista deveria ser julgada pelo que a sua mente pode produzir e não apenas suas mãos.

“O Pensador” é retratado em um momento de concentração e introspecção, e tem a finalidade de representar a variedade de pensamentos da natureza do homem e seu lugar no mundo. Para alguns, é um símbolo de conhecimento; para outros, filósofos, um símbolo do existencialismo; e uma terceira categoria ainda o julga como sendo apenas um homem de seu tempo. Mas Rodin, ao desenvolver esta obra, não tinha intenção de produzir um símbolo universalmente conhecido como se tornou “O Pensador”.

Nascido em uma família de classe trabalhadora em 1840 em Paris, ele foi rejeitado três vezes pela Académie des Beaux-Arts de sua cidade natal. Isso o levou a desenvolver os seus trabalhos iniciais em estúdios comerciais, que possuíam uma estética bastante diferente das rígidas regras de arte convencional. Ele trabalhou como aprendiz de artesão em diversos estúdios particulares, aprendendo diversas técnicas que futuramente serviriam para desenvolver seu próprio estilo. Aos 36 anos, com toda sua experiência adquirida, Rodin decide se submeter a um intenso período de reavaliação da sua carreira.  Até aquele momento, seu intenso trabalho técnico já desenvolvido, havia dado a ele técnicas extremamente particulares e a capacidade de desenvolver trabalhos virtuosos. Porém, sua arte era ainda muito tradicional e essencialmente decorativa.

Então, neste ponto, em 1876, Rodin decide sair da França e viajar até a Itália para estudar o trabalho de Michelângelo. Sua intenção ao viajar era conhecer e descobrir os segredos do artista que ele chamava de “Grande Mágico”. É provável que Rodin iria permanecer apenas como mais um simples artesão se ele não tivesse feito essa viagem. Nas palavras do próprio Rodin, Michelângelo o liberou das amarras da escultura acadêmica, e, entre outras coisas, foi nessa viagem que ele sobretudo entendeu o potencial do expressionismo contido no corpo nu. O que transformou o trabalho de Rodin.  Como o corpo pode ser tão universalmente expressivo e tão profundamente pessoal? A partir deste período Rodin passaria a usar o corpo humano como forma principal para transportar as emoções interiores e pensamentos simbolicamente complexos.

Em 1877, Rodin exibiu sua primeira escultura importante no salão de Paris. Era um trabalho incomum, não representava uma história clássica, nem representava um herói, não representava nada. Era apenas uma figura masculina desconhecida e nua. Apenas arte por arte. Inspirada pelas figuras de Michelângelo e do Grego Clássico, essa escultura era em tamanho real, 183 cm. Rodin foi acusado de plágio e condenado duramente pela crítica da época. O que o levou a nunca mais fazer algum trabalho em tamanho natural, ou eles seriam muito maiores, ou menores do que os reais.

Alguns anos depois, em 1880, Rodin foi contratado para fazer os portões monumentais do Museu de Artes Decorativas em Paris. O museu nunca abriu, e os portões nunca ficaram prontos, mesmo assim Rodin continuou a trabalhar neste projeto até os seus últimos dias. Este trabalho daria vida a uma de suas duas obras mais grandiosas na qual ele extrapolaria os limites da escultura de formas radicais. O tema do trabalho dos portões era “O inferno de Dante”, e, sentado no topo do portão estava a figura que vinte anos depois (a partir de 1900) se tornaria “O Pensador”.

Mas em 1880 essa figura ainda era conhecida como “O Poeta” e representava o poeta Dante Alighieri. Na escultura do portão, Dante está rodeado de cerca de 180 das criações de seu épico poema. Ele está inclinado para frente, observando os círculos do inferno, enquanto medita sobre o seu trabalho. Rodin baseou a representação central de Dante no portão e os corpos retorcidos e torturados, em trabalhos de Michelângelo, como a posição central de Jesus Cristo em “O Último Julgamento”, e “Os Portões do Inferno”. Mas ele adicionou um elemento sensual e diferenciado que não era visto na arte ocidental.

Dante como um homem nu e musculoso pode parecer absurdo quando pensamos em imagens clássicas de sua representação. Mas, nas palavras de Rodin: “Dante ascético e magro com suas vestes perfeitas, separado de todos os outros, não teria sentido. Eu concebi outro pensador, outro homem, sentado em uma rocha, com o pensamento fértil, que vai se elaborando lentamente em seu cérebro. Ele não é mais um sonhador, ele é um criador”.

Já em 1884, Rodin produziu a primeira escultura em bronze em escala reduzida do pensador, para um colecionador privado, com alguns detalhes diferentes da forma mais conhecida atualmente. Várias tentativas de melhorias foram feitas na sua forma, através de testes com fotografias, adição de chapéus, cabelos, mas a forma mais popularizada foi a que conhecemos hoje. As réplicas de esculturas começaram a fazer sucesso, e a partir de 1884, a escultura já não fazia mais referência a Dante.

A figura foi altamente influenciada por Michelângelo. A grande forma musculosa e nua, o senso de movimento dinâmico que a pose transmite, que de início parece natural, mas na verdade não é. O braço direito do homem está encostado no seu joelho esquerdo, uma forma muito incomum do ser humano se posicionar. Foi por volta de 1903 que “O Pensador” recebeu seu novo nome, e ele não foi dado por seu escultor, mas sim por trabalhadores da fundição, que acharam sua pose bem parecida com a de outra estátua de Michelângelo, que representa Lorenzo Di Medici, também conhecida como “Il Penseroso”, ou “O Pensador”.

O primeiro Pensador em grande escala foi exibido no salão de Paris, em 1904, ele foi trazido para a cidade para visitação pública, na frente do Panteão. Em seu discurso de inauguração foi anunciado que “Este é o anjo da liberdade, esse é o gigante da luz”. Eventualmente esta obra foi movida para o Museu Rodin, onde se encontra até hoje. O museu foi criado enquanto Rodin ainda estava vivo, e ainda tem os direitos de chamar esta obra de original. Rodin não esteve muito envolvido com seu trabalho desde que deixou a oficina de esculturas, ele repassou esta tarefa para seus assistentes, e este atualmente é um trabalho que é feito no Museu Rodin.

Nos anos de 1860, quando Rodin começou sua obra, sua arte era muito enraizada no passado. Mas, quando faleceu em 1917, já havia se transformado em algo mais moderno. Hoje em dia, o pioneirismo do seu trabalho é visto como uma ligação entre a arte tradicional e contemporânea. Essa história é a de um artista, que nasceu na pobreza, e continuou pobre até os seus quarenta anos, que foi recusado pelas escolas de arte, mas ainda assim conseguiu trilhar o seu caminho e criar o seu estilo. Que teve que economizar dinheiro para poder viajar à Itália e estudar o trabalho de Michelângelo, e só assim transformar a sua tímida carreira e se tornar um artista de reconhecido sucesso. Isso o trouxe riqueza e fama, e permitiu que ele vivesse uma vida na qual maioria dos artistas pode apenas sonhar.

Após a sua morte, de Influenza em 1917, ele ficou conhecido como o “Novo Michelângelo”, tanto por ser um homem de origem humilde e qualidade do seu trabalho, quanto por ser autodidata em suas técnicas. Um título que ele, mais que ninguém, ficaria honrado em receber.


Matheus Barreto de Góes. Graduado em Arquitetura e Urbanismo e com muita curiosidade pelo estudo de arte.